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Os canais comunitários da TV a cabo são formados por entidades não governamentais, sem fins lucrativos e geridos por estatutos próprios, constituindo-se em instituições autônomas da sociedade civil. Apesar de existirem legalmente desde 1995, com a promulgação da Lei nº 8.977, os canais comunitários surgiram somente a partir de agosto do ano seguinte, com a criação do Canal Comunitário de Porto Alegre. No mês de outubro do mesmo ano, foi a vez de o Canal Comunitário do Rio de Janeiro ir ao ar. Precisou-se de um ano e meio, após a promulgação da Lei do Cabo, para que as organizações sociais e comunitárias se mobilizassem e preparassem a operacionalização dos canais.

As cidades optaram por diferentes formas de organização dos canais. Enquanto os trabalhos de criação do canal de Porto Alegre foram estruturados pelo Conselho Municipal de Comunicação, no Rio de Janeiro, a tarefa ficou sob responsabilidade do Comitê pela Democratização da Comunicação. Em Brasília e em São Paulo, formaram-se conselhos provisórios de entidades não-governamentais e sem fins lucrativos, cujas decisões eram tomadas em reuniões públicas. Quando estreou o Canal Comunitário de Brasília, em 13 de agosto de 1997, o Canal Comunitário de São Paulo já estava funcionando experimentalmente desde 27 de julho daquele ano, passando a operar em caráter definitivo em 1º de novembro. A partir de então, começou-se a observar a mobilização para ocupação de canais comunitários em TV a cabo em Florianópolis (SC); Curitiba (PR), Londrina (PR), Campo Grande (MS), Belo Horizonte (MG) e nas cidades paulistas de São José do Rio Preto, São Carlos, Jundiaí e Piracicaba.

Além de elaborar estatuto com objetivos e finalidades do canal, deveres e direitos das entidades associadas, a preocupação das entidades que formariam os canais comunitários estava voltada, nos anos de 2006 e 2007, à divulgação da lei, ao estímulo da sociedade para acesso ao canal comunitário, ao contato com a empresa prestadora do serviço de TV a cabo na cidade para manifestar o interesse de uso do canal, à criação de uma associação das entidades usuárias de canal comunitário na TV a cabo e à busca de recursos para aquisição de equipamentos do estúdio de transmissão. Outras tarefas priorizadas pelos conselhos e comitês de Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo foram a contratação de um operador de vídeo, a criação de vinheta, a produção do programa de estréia e a coleta do acervo de documentários e vídeos de eventos, palestras, reuniões e manifestações guardados pelas entidades associadas, material que seria transmitido nesta fase experimental, marcada pela inexistência de estúdios de produção, com o intuito de garantir o espaço da emissora e mostrar aos telespectadores que o canal comunitário já estava funcionando.

O estatuto da TV comunitária de Brasília foi criado em março de 1996, quase um ano e meio antes de o canal ir ao ar, como demanda surgida após uma reunião realizada no Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, que contou com a participação de 29 instituições. A minuta do estatuto foi elaborada pela Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Distrito Federal, que participou do debate e ajudou a legalizar a Associação das Entidades Usuárias de Canal Comunitário na TV a cabo da capital do país.

A Associação de Entidades do Canal Comunitário do Rio de Janeiro optou por firmar um Protocolo de Intenções, assinado por mais de 70 entidades que aderiram à iniciativa, começando a transmitir programas de terceiros, comprometendo-se a criar, em seguida, uma forma jurídico-institucional para utilização do canal. Já o Conselho do Canal Comunitário de Porto Alegre reuniu as principais propostas estatutárias que recebeu de diversos segmentos sociais do Rio Grande do Sul e criou, em 23 de outubro de 1996, o Estatuto Social da Associação das Entidades Usuárias de Canal Comunitário de Porto Alegre, contendo 37 artigos que tratam da constituição do canal, finalidades, objetivos, quadro associativo, direitos, deveres, patrimônio, direção, administração, fiscalização, infrações e penalidades.

O Estatuto de Porto Alegre prevê a participação, na estruturação do canal comunitário, das entidades não-governamentais e sem fins lucrativos da Associação e de colaboradores, além de pessoas físicas e jurídicas não associadas. Dentre as principais finalidades da Associação das Entidades Usuárias de Canal Comunitário em Porto Alegre estão o fomento à democratização da comunicação; a garantia do exercício da democracia, assegurando a liberdade de expressão aos representantes das entidades associadas e buscando ações unificadas; a orientação por princípios éticos e de igualdade, participação, representação da pluralidade e da solidariedade; a defesa da solidariedade entre os povos, dos direitos humanos e das liberdades individuais e a garantia do exercício do direito de expressão, de geração de informação e de geração cultural a todos os segmentos sociais.

De acordo com Álvaro Benevenuto (2005), a criação do Canal Comunitário de Porto Alegre remonta o período dos debates promovidos, desde 1994, pelo Conselho Municipal de Comunicação sobre os impactos sociais, culturais, políticos e econômicos das novas tecnologias, mas teriam sido as lideranças sociais paulistas que inspiraram a atitude pioneira dos gaúchos. Antes de a Lei do Cabo entrar em vigor, lideranças e entidades sociais de São Paulo, que fundaram a comissão provisória, reuniam-se para discutir finalidades, financiamento e instâncias de gestão do espaço comunitário na televisão a cabo.

Um ano antes da ocupação do canal em Porto Alegre, a pedido da então assessora do ministro das Comunicações, Irma Passoni, a instituição educacional Colméia convidou algumas organizações para uma primeira reunião (cuja pauta era a ocupação do canal), que aconteceu em 11 de agosto de 1995, confirmando a cidade de São Paulo como principal cenário das propostas de ações midiáticas alternativas, conforme registros da história dos novos movimentos sociais. Isso acontece porque, além de ser o palco das principais mobilizações da resistência ao establishment dos anos de governo militar e de concentrar os principais pólos de produção industrial da mídia dominante alternativa, São Paulo alojava a vanguarda do pensamento acadêmico das décadas de 60-80. Sendo assim, a crítica dos meios e o incentivo à produção de outros conteúdos, especialmente no setor audiovisual, encontram

ambiente favorável e infraestrutura suficiente para fomentar ações que valorizem as expressões alijadas pelas grandes mídias, aplicando tecnologia de ponta para sua realização (BENEVENUTO, 2005, p. 124 e 125).

O Canal Comunitário de São Paulo só não foi ao ar antes do canal de Porto Alegre por conta da falta de entendimento entre os representantes das entidades, que não chegavam a um consenso em relação ao uso e objetivos do canal. Acabou havendo uma divergência entres as entidades, que se separaram em cinco frentes (TV Interação, TV Comunitária, TV Sampa, Vida e Trabalho e TV OAB). “Além de atrasar a entrada dos programas no canal a cabo e de perder a oportunidade de pioneirismo, a disputa sobre os direitos de gerir o canal comunitário foi parar na Justiça” (BENEVENUTO, 2005, p. 127). A organização da entidade gestora do canal de São Paulo foi assumida pela TV OAB e pela ‘Vida e Trabalho’, entidade ligada à Federação dos Empregados do Comércio. Quando entrou em operação, o canal já contava com a participação de 86 entidades na grade de programação.

1.7 INTERLOCUÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES REPRESENTATIVAS DOS