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CAPÍTULO 3 – MERCADO BRASILEIRO DE TELEVISÃO

3.1 INDÚSTRIA CULTURAL E TELEVISÃO

O conceito de Indústria Cultural aqui adotado é o de César Bolaño, que no livro ‘Indústria Cultural, Informação e Capitalismo’ (2000), questiona a validade do conceito original19

A informação de massa adquire, do ponto de vista da coesão social, no capitalismo monopolista, a forma propaganda, e, do ponto de vista da acumulação do capital e da concorrência capitalista, a forma de publicidade. A propaganda, em princípio, é atributo do Estado, que preserva os interesses gerais do conjunto dos capitalistas contra os interesses , desenvolvido pelos teóricos da Escola de Frankfurt, desloca o eixo de análise para o campo da Economia Política e da Economia Industrial propriamente dita. Na verdade, esse deslocamento já havia sido realizado pelo autor, em ‘Mercado Brasileiro de Televisão’ (1988). Agora, em debate com outras escolas da Economia Política da Comunicação, sobretudo a francesa, retoma a problemática das especificidades dos processos de trabalho e de valorização das diferentes indústrias culturais na sua relação com a dinâmica capitalista no seu conjunto. Nos dois livros, a centralidade da indústria da televisão é explicitada, sendo fundamental para entender o papel ideológico da informação (ao se relacionar com o campo da cultura) e a contradição entre as formas publicidade e propaganda, por sua centralidade na Indústria Cultural e a especificidade de sua relação com o Estado.

19 A Indústria Cultural pode ser compreendida como o conjunto de atividades de produção e distribuição de informação e cultura, que seguem o modelo de acumulação do capital e de reprodução ideológica do sistema. Usado, pela primeira vez, por Adorno e Horkheimer (1985), o termo referia-se à padronização dos bens culturais e homogeneização dos gostos. Os argumentos dos autores levam a crer que todos os indivíduos são submetidos ao filtro da indústria cultural, que, com a perfeição de suas técnicas, muda a percepção do espectador e o faz compreender, no caso do cinema, o mundo exterior como prolongamento do mundo do filme. Haveria assim uma atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural. “Os produtos da Indústria Cultural podem ter certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho. É possível depreender de qualquer filme sonoro, de qualquer emissão de rádio, o impacto que não se poderia atribuir a nenhum deles isoladamente, mas só a todos em conjunto na sociedade. Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo. E todos os seus agentes, do producer às associações femininas, velam para que o processo da reprodução simples do espírito não leve à reprodução ampliada” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 105).

publicitários dos capitais individuais. Enquanto a propaganda almeja atingir o conjunto dos cidadãos, a publicidade procura diversos circuitos, de abrangência variada, a depender das estratégias de cada capital individual.

O interessante é que a propaganda é um atributo do Estado, mas pode ser exercido pelo capital investido na Indústria Cultural. Assim, há uma inter-relação entre a produção de sentido (publicidade, propaganda e programa) e a produção de mercadoria cultural. A análise da produção ideológica pela Indústria Cultural passa ainda pelo reconhecimento do caráter reprodutor da publicidade:

Na verdade, a forma elementar da publicidade é já também propaganda, na medida em que, ao lado dos inúmeros atos de compra e venda, conforma um universo simbólico de inegável poder ideológico. Trata-se, não obstante, de uma função ideológica indireta, suficiente para as necessidades de propaganda do sistema apenas no nível da circulação mercantil. Mas a partir do momento em que passamos a considerar as determinações impostas pela existência do capital e do Estado capitalista, fica patente que a norma de sociabilidade definida no nível da circulação mercantil não basta para manter a coesão de uma sociedade fundada na desigualdade. É necessário o Estado e é necessário que a informação adquira o seu caráter diretamente ideológico (BOLAÑO, 2000, p. 53 e 54)

A publicidade pode ser vista como uma indústria que integra a infraestrutura social necessária à realização das mercadorias, estimulando o desejo de consumo. Para cumprir as funções publicidade e propaganda, ligadas às necessidades simbólicas do público consumidor de cultura, a Indústria Cultural precisa também cumprir uma terceira função (programa). É assim que ela realiza a mediação entre o sistema e o mundo da vida. Tal formulação permite “relacionar as estratégias de diferenciação de produto dos capitais do setor de bens de consumo com as de distinção do próprio público consumidor, localizando a função de mediação no campo da concorrência entre os capitais individuais investidos na Indústria Cultural” (BOLAÑO, 2000, p. 120).

A Indústria Cultural representa, assim, a vitória mais estrondosa do capitalismo e sua realização mais magnífica: a constituição não simplesmente de um sistema econômico, mas de toda uma cultura (no sentido antropológico do termo) universal, caracterizada pela solidariedade entre os modos de vida e os comportamentos individuais de populações inteiras e as imposições do movimento histórico concreto de acumulação do capital (e não apenas da reprodução social em geral). Claro que a Indústria Cultural é apenas uma parte disso. Mas uma parte de importância crucial, pois se trata do próprio capital tornado cultura, o intermediário entre a esfera divina da produção e do poder e o mundo da vida dos homens e das mulheres. Mas aqui não há mistério. Tudo pode ser perfeitamente explicado se entendermos o caráter de mediação da Indústria Cultural (BOLAÑO, 2000, p. 228).

Assim, a produção de sentido torna-se espaço de disputa e mediação entre os interesses do Estado (propaganda), dos capitais em concorrência (publicidade) e do público consumidor, que determina também, de alguma forma, o conteúdo específico da produção simbólica a ele dirigida, pois a cultura de massa é filha da cultura popular. Esse é o conceito de mediação de Bolaño no trabalho citado. Note que não se trata, em hipótese nenhuma, de equilíbrio de forças, pois a mediação, na Indústria Cultural, constitui a função específica das instituições que representam o poder simbólico. Ela se articula sobre duas necessidades diferentes do sistema capitalista, de poder econômico e de poder político.

Nessa perspectiva, a televisão é tida como um dos elementos centrais da Indústria Cultural, por suas funções ideológicas e dimensão econômica. As redes comerciais compram os programas aos produtores independentes e os veiculam gratuitamente ao público. A empatia criada pelo poder simbólico do trabalho cultural converte os sujeitos em audiência e garantem assim as condições da dominação ideológica. A televisão atrai a atenção do público ao satisfazer as necessidades psicossociais deste, conquistando a fidelização do espectador e torna-se assim um negócio rentável, ao mesmo tempo em que cumpre o seu papel na manutenção de uma determinada estrutura hegemônica.

A radiodifusão se desenvolveu por toda parte com um objetivo: conquistar a simpatia do público. Todo sistema de radiodifusão existe em função disso. Pretendem as empresas que a resposta do público seja a compra de seus serviços ou de suas mercadorias; pretendem o governo e os grupos políticos que têm acesso aos meios uma base de opinião pública favorável a sua posições; pretendem as agências de publicidade contentar os seus clientes (BOLANO, 2004, p. 41).