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CAPÍTULO 2 – REGULAMENTAÇÃO DA TELEVISÃO BRASILEIRA

2.1 REGULAMENTAÇÃO DA RADIODIFUSÃO

Ao analisar a forma informação e suas contradições, César Bolaño (2003) postula que as formas publicidade e propaganda da informação podem estar relacionadas a duas condições de funcionalidade exercidas pela Indústria Cultural. Uma terceira condição de funcionalidade seria a forma cultura, com elementos simbólicos que não se classificam à forma capitalista da informação. Existe, segundo o autor, uma separação entre poder político e poder econômico e entre esfera cultural, esfera econômica e Estado.

A Indústria Cultural é uma formação particular sujeita a duas condições de funcionalidade em relação ao conjunto do sistema, definidas ambas ao longo da trajetória teórica que nos leva da análise da forma a das funções. Enquanto formação particular, a Indústria Cultural só existe no interior de um sistema e frente a outras formações que a precedem logicamente, determinando as duas funções que ela deve cumprir num determinado período histórico (Capitalismo Monopolista). Mas em cada caso específico de estruturação de uma Indústria Cultural nacional, ou na articulação entre as diferentes indústrias culturais em diferentes espaços geográficos, cada uma dessas funções poderá ou não estar sendo cumprida e, em caso positivo, as formas em que isso se dá são bastante variadas (BOLAÑO, 2003, p. 86).

Bolaño promove uma reflexão sobre o problema da passagem da análise da forma à análise das funções do Estado, afirmando que o Estado cumpre as funções de um capitalista coletivo ideal, sendo orientado por uma lógica diferenciada da lógica do mercado. Enquanto este se move por uma lógica de mais-valia, o Estado visa garantir as condições gerais externas para que as unidades de capital individual em concorrência produzam a mais-valia. O Estado poderia então exercer uma regulação da concorrência inter-capitalista, uma regulação da relação capital/trabalho (que pode ser incompatível com a função anterior) ou uma não funcionalidade.

No Brasil, os conflitos e contradições para a transformação democrática da comunicação sempre foram permeados pelas práticas centralizadas do setor, sendo o mercado o principal responsável pela sua regulação. Os veículos de comunicação, sobretudo a TV, caracterizados pelo oligopólio e pelo clientelismo político, nunca aceitaram submeter-se a nenhum organismo de regulação. E mais: a lógica das políticas de comunicação no país segue

a de preservação dos interesses dos radiodifusores e demais empresários do ramo. Segundo César Bolaño,

A tendência atual é de decadência dos sistemas de comunicação de massa herdados do século anterior e de avanço da internacionalização do mercado brasileiro de televisão no seu conjunto. O que não muda, é verdade, a problemática dos conteúdos, já extremamente internacionalizados, dada a total e completa falta de interesse na sua regulação, a praticamente inexistente preocupação com a questão da diversidade cultural, da regionalização da produção etc., ao longo da história das políticas de comunicação. Mesmo quando esses temas aparecem, timidamente, na legislação, trata-se de pontos de princípio historicamente desrespeitados (BOLAÑO, 2007, p. 108).

Ao investigar o modo de regulação da televisão brasileira, Jonas Valente (2009) trata do ambiente normativo, da concorrência e dos modelos de programação e financiamento, com enfoque na TV Pública. O autor mostra como esta modalidade responde à tendência de operação de um aparato centralizado e absorve a lógica de rede, mas permanece limitada no que diz respeito à concorrência com as redes nacionais de televisão, tendo, na Indústria Cultural, um caráter complementar, de importância secundária, com pequena margem de lucro. Ele afirma que a radiodifusão comercial foi responsável por garantir a manutenção das bases do modo de regulação do setor e afastar a concorrência de uma televisão pública.

No Brasil, as TV públicas foram constituídas sob uma condição de “complementaridade marginal”. Empregamos o termo para designar o papel secundário experimentado por estas experiências em sua evolução histórica em relação à estruturação do modo de regulação setorial da televisão na Indústria Cultural brasileira. Neste processo, a referida condição se desenvolveu condicionada, em cada fase específica, pelos papéis definidos pelos compromissos institucionalizados firmados no âmbito dos interesses do Estado e do capital para a reprodução do modo de regulação setorial da televisão (VALENTE, 2009, p. 52). Apesar da “complementaridade marginal”, a TV pública no Brasil, segundo Jonas Valente, busca, desde os anos 1980, uma inserção mais efetiva e qualificada na concorrência televisiva, passando a competir pela audiência no mercado e a ter maior demanda por recursos orçamentários que viabilizassem a melhoria da programação e ampliação do sinal.

Do ponto de vista jurídico, os compromissos institucionalizados que definiram o modelo de financiamento das TV públicas brasileiras como condição de inserção na concorrência da Indústria Cultural estão assentados em dois marcos. O primeiro é aquele que disciplina as emissoras educativas públicas, aberto à arrecadação de fontes orçamentárias dos poderes mantenedores e captação externa mediante patrocínios e programas, apoios culturais, publicidade institucional e legal, prestação de serviços e licenciamento e venda de produtos e serviços. O segundo envolve os canais básicos de acesso gratuito da TV a cabo, caracterizado mais pela existência de regramentos no que tange às legislativas e à programação educativo-cultural dos poderes executivos (VALENTE, 2009, p. 102).

É importante destacar que a regulação da radiodifusão e das telecomunicações pode receber um enfoque técnico, econômico ou de conteúdo. O primeiro modelo envolve a gestão de recursos escassos inerentes à infraestrutura, a exemplo do espectro eletromagnético, enquanto que o segundo diz respeito ao poder do mercado, à intervenção estatal e ao controle da concentração dos meios de comunicação e o terceiro, de conteúdo, varia de acordo com as regras, necessidades e costumes de cada sociedade. De acordo com Octávio Pieranti (2009), no âmbito da comunicação de massa, a regulação técnica é explicada como sendo essencial à radiodifusão, por conta da escassez do espectro eletromagnético, o que pode resultar, em caso de má gerência, na interferência da programação das emissoras. Sendo o espectro considerado pela Organização das Nações Unidas como um bem natural da nação, a responsabilidade de regulação é do Estado. Neste caso, o Estado pode transferir a competência da administração do uso e exploração do espectro eletromagnético a empresas de radiodifusão.

Um modelo de regulação da mídia eletrônica comum em diversos países, dentre os quais os Estados Unidos e o Brasil, é o trusteeship model, no qual os radiodifusores atuam como fiduciários do público, sujeitos ao controle governamental. Os interessados em montar empresas nesse setor recebem outorgas por prazo determinado e renovável, configurando-se, dessa forma, com a anuência do Estado, em exploradores de um bem público, a ser administrado em benefício da sociedade. Essa outorga - ou seja, a ideia de transferência da operação de um recurso público - presume contrapartidas acordadas entre ambas as partes e relacionadas àquela atividade específica. É típica desse modelo a demanda por uma maior autonomia do ente regulador em relação aos governos, que deve ser materializada não apenas por regras de estabilidade para os dirigentes, como também por maior independência financeira por parte do ente. No caso da imprensa, a defesa de uma regulação técnica é menos frequente, principalmente por causa da inexistência de elementos que possam ser definidos consensualmente como "escassos". O Estado não precisa estabelecer barreiras a novos entrantes, logo todos os interessados podem operar o serviço, e é recorrente a concepção de que não é válido o trusteeship model, apesar de alguns autores, com base em teorias econômicas, argumentarem que todos os recursos são escassos - a começar pelos altos investimentos necessários à produção de jornais e revistas (PIERANTI, 2009, p. 62 e 63).

A regulação econômica da TV condicionada a um pagamento, considerada serviço de telecomunicações, é justificada na formação de monopólios naturais, em que as empresas que detêm o monopólio do serviço, por não estarem condicionadas à intervenção estatal nem à competição com outras empresas, determinam o preço da mercadoria e podem aumentá-lo conforme acharem conveniente. Para não favorecer a concentração econômica nem prejudicar o pluralismo, algumas contrapartidas são estabelecidas, tais como cotas de conteúdo de produção nacional ou disponibilização de canais gratuitos para manifestação de diversos segmentos sociais. O que se percebe é que a regulação de conteúdo informativo está quase sempre vinculada a questões relacionadas à infraestrutura.

Pela natureza do que produzem os meios de comunicação - informação - e por sua capacidade de ferir direitos fundamentais, a regulação de conteúdo justifica-se e não pode ser desvinculada de questões relativas à infraestrutura. A regulação feita com base apenas nessa última dimensão (ou seja, o "meio") pode não encará-la como mecanismo para veiculação da informação (a finalidade real da infraestrutura), não levando em consideração a necessidade do pluralismo e de barreiras à concentração econômica como elementos cruciais para a consolidação da democracia. Esconde, ainda, um tecnicismo teoricamente asséptico e apolítico, segundo o qual políticas públicas com foco na democratização da comunicação de massa são rechaçadas com base em questionáveis argumentos de eficiência (PIERANTI, 2009, p. 64).

Pieranti também explica que há uma interligação entre os pressupostos que justificam a regulação técnica e a regulação econômica da comunicação de massa, pois “a ação estatal é necessária graças à escassez de recursos que, se mal administrados, podem inviabilizar a atividade econômica e gerar prejuízo ao interesse público” (PIERANTI, 2009, p. 354). Entretanto, no cenário brasileiro, as regulações técnica, econômica e de conteúdo não seguem um tratamento conjunto, ficando a comunicação eletrônica de massa abarcada em demasia pela regulação técnica. Apesar da inclusão, a partir da década de 1980, do Poder Legislativo no processo de outorgas de concessões, autorizações e permissões, os parâmetros objetivos e impessoais normalmente atrelados à regulação técnica não são encarados com a seriedade devida, em virtude das interferências de interesses privados neste assunto. Quanto à regulação econômica, Pieranti ressalta que

A regulação econômica da comunicação de massa, no Brasil, se sujeita à situação bem diferente da existente no caso da regulação técnica. O decreto-lei nº 236, de 1967, apresentou regras ainda embrionárias para a regulação econômica da radiodifusão com vistas à restrição da concentração do mercado, mas, além de revelarem brechas significativas, não foram acompanhadas por evoluções na legislação. A Constituição Federal de 1988 chegou a ensaiar um tratamento do tema ao vedar monopólios e oligopólios no âmbito da comunicação, no entanto, a sua não regulamentação tornou inócuo esse dispositivo. Eventuais mudanças no panorama da regulação econômica, como a abertura do setor de investimentos estrangeiros e de empresas, ao invés de se preocuparem com o pluralismo e com os direitos fundamentais citados na definição do termo, garantiram apenas o aporte de novos recursos às entidades beneficiadas por outorga (PIERANTI, 2009, p. 356).