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Tal como aponta Benoit (1996, pág. 23), o segundo capítulo de “O Capital” (“O processo de troca”) parte do resultado da análise anteriormente empreendida a respeito do fetichismo da forma “mercadoria”. Afinal, após ser evidenciado no primeiro capítulo que a mercadoria não detém vida própria, Marx inicia o segundo apontando a necessidade de considerarmos seus donos, dirigindo sua atenção aos proprietários privados: “não é com seus pés que as mercadorias vão ao mercado, nem se trocam por decisão própria. Temos, portanto, de procurar seus responsáveis, seus donos” (MARX, 2006, pág. 109). Desse modo, Marx considera a relação estabelecida entre os possuidores das mercadorias e, nesse contexto, compreendendo essa “relação” como contraditória, totaliza ainda mais a sua exposição sobre a gênese do dinheiro. Aprofundando a unificação dialética entre o “lógico” e o histórico” em seu procedimento expositivo, que consiste direcionar-se do abstrato ao concreto, explicitando claramente ser a mercadoria e o desdobramento de suas contradições lógicas na forma “dinheiro” o resultado do desenvolvimento histórico do processo de troca, Marx acentua o caráter transitório das categorias econômicas, assim, a negação do caráter absoluto dessas categorias e, consequentemente, do próprio modo de produção capitalista.

Ao considerar as relações de troca entre os possuidores de mercadorias, Marx afirma que a troca é um processo puramente individual para cada proprietário, pois cada um só a efetiva quando o produto que substitui a sua mercadoria satisfaz a sua própria necessidade, porém, ao mesmo tempo, a troca é para cada proprietário um processo social, pois cada um almeja realizar sua mercadoria como valor em qualquer outra de seu agrado, detenha ou não sua mercadoria valor-de-uso para o proprietário da mercadoria de seu interesse. Eis a dificuldade que emana dessa contradição: o processo de troca não pode ser ao mesmo tempo social e individual para cada indivíduo sem prejudicar a relação de troca. Marx prossegue afirmando que todo possuidor considera cada mercadoria alheia como equivalente particular da sua e, ainda, a sua própria mercadoria como equivalente geral das demais. Eis o problema: pensando todos da mesma forma inexiste equivalente geral, sendo assim é impossibilitada a equiparação dos valores e a troca entre as mercadorias (MARX, 2006, pág. 110-111).

Em função da necessidade de troca e da dificuldade de efetivá-la em razão das contradições apresentadas, surge o dinheiro como a solução do problema: é eleita uma

mercadoria individual para representar os valores de todas as demais mercadorias. Originando-se no processo de troca, a forma “dinheiro” apresenta-se como o resultado de um processo histórico, exteriorizando a contradição presente na interioridade da mercadoria e efetivando a própria forma “mercadoria”.

O dinheiro é um cristal gerado necessariamente pelo processo de troca, e que serve, de fato, para equiparar os diferentes produtos do trabalho e, portanto, para convertê-los em mercadorias. O desenvolvimento histórico da troca desdobra a oposição, latente na natureza das mercadorias, entre valor-de-uso e valor. A necessidade, para o intercâmbio, de exteriorizar essa oposição exige forma independente para o valor da mercadoria e persiste até que, finalmente, é satisfeita com a duplificação da mercadoria em mercadoria e dinheiro. Os produtos do trabalho se convertem em mercadorias no mesmo ritmo em que determinada mercadoria se transforma em dinheiro (MARX, 2006, pág. 111-112).

Após apresentar a historicidade da forma “mercadoria” e da forma “dinheiro” sob nova perspectiva, ou a partir de novas determinações, Marx prossegue sua exposição explicitando o desenvolvimento histórico do próprio processo de troca desde sua forma mais simples até sua forma mais complexa. Nesse contexto, desde que tenhamos atenção, é possível constatar, mais uma vez, a configuração histórica que fundamenta cada forma de expressão do valor tal como foi apresentada no primeiro capítulo de “O Capital”, algo que explicita, novamente, a realidade transitória das categorias econômicas e da própria sociedade capitalista que as fundamenta.

Considerando o desenvolvimento histórico do processo de troca, Marx (2006, pág. 112) afirma que um objeto útil só pode se tornar valor-de-troca e, assim, mercadoria, depois de existir como não valor-de-uso para seu possuidor, algo que só ocorre quando a quantidade dos seus objetos úteis ultrapassa suas necessidades, ou seja, quando há produto excedente. Marx afirma serem as coisas alienáveis por serem extrínsecas ao homem, porém, para a alienação dos objetos ser recíproca, é necessário que os homens se confrontem, reconhecendo-se mutuamente como proprietários particulares desses objetos e, assim, como pessoas independentes entre si. Não existindo essa condição de independência recíproca entre os “membros de uma comunidade primitiva”, tenha ela a forma de família patriarcal ou de estado inca, a troca de mercadorias inicia com o contato com outras comunidades ou com membros de outras comunidades. Mas após os produtos de uma comunidade primitiva constituírem-se como mercadorias em outra comunidade, elas também se constituem como mercadorias

na própria comunidade em que foram originadas, e isso, como que por “contágio”. Nesse primeiro momento, Marx afirma ser a relação quantitativa de troca algo “inteiramente casual”, devendo ser recordado que o pensador já teria afirmado que no estágio primitivo o produto do trabalho transforma-se apenas ocasionalmente em mercadoria, vinculando explicitamente esse momento histórico à forma simples de expressão do valor (Cf. MARX, 2006, pág. 87) (Cf. pág. 27).

Prosseguindo sua exposição a respeito do desenvolvimento histórico da relação de troca, Marx afirma que com a permuta arraiga-se, gradualmente, a necessidade de objetos vindos de fora, tornando-se a troca um “processo social regular” em função de sua repetição. Nesse processo, os homens passam a produzir parte de seus objetos no intuito de trocá-los por outros, consolidando a dissociação entre os objetos direcionados à satisfação direta das necessidades e os objetos destinados à troca, ou seja, entre o valor-de-uso e o valor. Assim, tal como aponta Marx (2006, pág. 113), o costume social imprime aos produtos o caráter de magnitude de valor. Tornando-se o processo social de troca algo regular e sendo parte do produto do trabalho produzido para a realização da troca, é certo que o mencionado processo deixa de ser ocasional, assim como é certo que passa a existir uma multiplicidade de produtos do trabalho direcionados exclusivamente para troca. Sendo considerada a transição lógica da forma “simples” de expressão do valor para a forma “extensiva”, torna-se perceptível que essa transição ocorre a partir da multiplicidade das expressões simples, algo que reflete, na verdade, o desenvolvimento histórico das relações de troca e da produção material. É igualmente significativo, para a captação da correspondência entre a forma extensiva do valor e o mencionado período histórico, ser recordado que é justamente essa forma de expressão do valor que, pela primeira vez, destaca o trabalho homogêneo ou o valor contido na mercadoria (Cf. MARX, 2006, pág. 84-85) (Cf. pág. 25).

Adiante, Marx afirma que com o desenvolvimento numérico e qualitativo das mercadorias presentes no processo de troca, surge a necessidade histórica da forma “valor” ser dissociada do valor-de-uso ou da necessidade individual do permutante. Essa necessidade histórica que, de acordo com Marx, exige uma “forma de equivalente geral ou social”, advém da contradição de ser o processo de troca das mercadorias para cada proprietário em particular um processo individual e, ao mesmo tempo, social. De acordo com Marx, sem a superação dessa contradição, sem a eleição de uma mercadoria a partir da qual se compara valores e se realiza a troca com mercadorias de outros proprietários,

o intercâmbio seria impossibilitado. Eis o fundamento histórico da forma lógica “equivalente geral” do valor.

Por fim, Marx prossegue sua exposição afirmando que a forma de equivalente geral “surge e desaparece com o êfemero contato social que lhe deu vida”, sendo atribuído de forma transitória e alternada a diversas mercadorias. Essa situação, porém, é alterada “com o desenvolvimento da troca de mercadorias”, sendo a forma de equivalente geral fixada em tipos especiais de mercadoria, ou, ainda, aderindo à forma “dinheiro”. De acordo com Marx (2006, pág. 114), a forma “dinheiro” passa a se localizar nas mercadorias à medida que a troca de mercadorias transcende laços locais e que se cristaliza mais trabalho abstrato no valor das mercadorias. Em função da materialidade do ouro e da prata poder sofrer variação quantitativa, ou seja, ser algo passível de ser decomposto e recomposto, assim como por seus espécimes isolados possuírem idêntica qualidade, tornam-se esses metais equivalentes universais (dinheiro). Sendo a forma dinheiro “o reflexo, que adere a uma única mercadoria, das relações existentes entre todas as mercadorias”.