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Antes de analisar o capítulo XXI de “O Capital”, “capítulo” que introduz a sétima seção da obra (“Acumulação do Capital”), reproduzo algumas considerações de Hector Benoit a respeito do percurso expositivo, proporcionando, desse modo, não apenas uma percepção sintética do seu desdobramento até o momento exposto, mas, ainda, do significado da última seção a ser analisada. Mas, além de reproduzir as mencionadas considerações de Benoit, atenho-me, igualmente, às palavras do próprio Marx, que, ao introduzir a sétima seção de sua obra, apresenta os pressupostos da acumulação capitalista e os pressupostos do seu método de exposição dialético para tratar do tema, proporcionando, desse modo, elementos para compreendermos a aplicação desse método em todo “O Capital”.

No que se refere às considerações de Benoit (1996, pág. 35), afirma o estudioso que com o desenvolvimento expositivo de “O Capital”, mais especificamente, até ser finalizada sua quarta seção, Marx desmascara ou nega a aparência do modo de produção capitalista tal como transparece no primeiro parágrafo de sua obra (Cf. MARX, 2006, pág. 57) (Cf. pág. 15), ou seja, como “imensa coleção de mercadorias”, explicitando tratar-se, na verdade, de uma “imensa coleção de contradições”, da qual se destaca como contradição fundamental a “luta entre as classes”. Segundo Benoit, o mencionado desdobramento de “O Capital” desmascarou ou negou, igualmente, a ilusão do modo de produção capitalista corresponder ao “melhor dos mundos possíveis”, ao “paraíso dos direitos inatos do homem”, à “liberdade” e à “igualdade”, cuja positividade teria sido expressa por Marx no término da segunda seção de sua obra (Cf. MARX, 2006, pág. 206). Porém, tal como aponta, pelo menos até o momento não foi ainda negado o direito à propriedade, sendo a contradição “luta entre as classes” ainda conservada como uma antinomia, ou seja, como uma contradição que não pode ser superada42. Nesse sentido,

42 A contradição “luta de classes” é apresentada pelo próprio Marx como uma antinomia no capítulo VIII

de “O Capital”. Nesse capítulo, o pensador declara não determinar a lei da troca de mercadorias nenhum limite temporal à utilização da mercadoria “força de trabalho” ao ser vendida pela mercadoria “dinheiro”. Em função desse fato, por um lado, intentando prolongar ao máximo a jornada de trabalho, afirma o capitalista o seu direito como comprador, ou seja, o seu direito de consumir o valor-de-uso da mercadoria adquirida através da troca de equivalente, por outro lado, intentando limitar a jornada de trabalho, afirma

recordando o movimento da “luta de classes” tal como transpareceu em “O Capital”, Benoit afirma que a classe trabalhadora lutou por sua conservação e, assim, contraditoriamente, pela conservação do sistema capitalista: lutou pela limitação da jornada de trabalho (seção III), contra as consequências do desenvolvimento da produtividade (seção IV) e por melhores salários (seção VI)43. No entanto, o movimento expositivo de “O Capital” ainda não foi interrompido e, assim, tal como afirma o estudioso, os pressupostos do processo de produção capitalista não foram todos expostos e negados, não tendo sido os segredos da fórmula do capital (D-M-D’) plenamente desvelados. Até o momento, Benoit assinala que Marx considerou a compra da mercadoria “força de trabalho” pelo capitalista e a utilização do seu valor-de-uso, em outras palavras, o entrelaçamento da esfera da circulação com a esfera da produção (D- M), revelando, assim, a existência da mais-valia. Na sétima seção de “O Capital”, Benoit aponta expor Marx o terceiro momento da fórmula do capital (D’) e o retorno do capitalista ao processo produtivo, sendo revelado, nesse contexto, novos segredos do modo de produção capitalista.

No que se refere, por sua vez, às palavras de Marx a respeito dos pressupostos da acumulação do capital e do seu método de exposição dialético, expõe o pensador, inicialmente, a configuração do movimento circular do capital: o seu primeiro passo consiste em ser convertida uma soma de dinheiro em meios de produção e força de trabalho (esfera da circulação); o segundo passo, por sua vez, consiste em produzir mercadorias através dos meios de produção e da força de trabalho adquiridos, cujos valores são maiores do que aquele que foi despendido pelo capital desembolsado (esfera da produção); por fim, o terceiro passo consiste na venda das mercadorias, na realização do seu valor em dinheiro e na reconversão desse dinheiro em capital (esfera da circulação) (MARX, 2006, pág. 657). Considerando ser o movimento circular do capital pressuposto da acumulação capitalista, Marx pressupõe, ao considerar o tema “acumulação do capital” ser essa circulação normalmente efetivada, abstraindo qualquer eventualidade:

o trabalhador o seu direito como vendedor, ou seja, o seu direito de trocar sua mercadoria por um equivalente, não sendo espoliado com a utilização abusiva de sua mercadoria. Diante essa situação, a luta entre a classe capitalista e a classe trabalhadora é desencadeada, não havendo qualquer fator que proporcione a dissolução desse conflito: “ocorre assim uma antinomia, direito contra direito, ambos

baseados na lei da troca de mercadorias. Entre direitos iguais e opostos, decide a força” (MARX, 2006,

pág. 273 - grifos do autor).

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Por ora, pressupomos que o capitalista que produz a mercadoria vende-a pelo seu valor, sem nos preocuparmos em analisar a sua volta ao mercado, ou as novas formas que o capital assume na esfera da circulação, ou as condições concretas da reprodução ocultas nessas formas. Pressupomos ainda que o produtor capitalista é o proprietário de toda a mais-valia ou o representante de todos que participam com ele do butim. Encaramos a acumulação, de início, de um ponto de vista abstrato, como simples fase do processo imediato de produção44 (MARX, 2006, pág. 657-658).

Marx justifica o modo de exposição adotado, afirmando que, por um lado, trata- se dos pressupostos reais do processo de acumulação e, por outro, que a análise do processo em sua pureza, ou, abstraída de outras circunstâncias, propiciam maior clareza na compreensão do mecanismo:

Quando ocorre de fato a acumulação, é porque o capitalista conseguiu vender a mercadoria produzida e reconverter o dinheiro recebido em capital. Além disso, o fracionamento da mais-valia em diversas partes em nada muda a natureza dela nem as condições necessárias em que ela se torna fator de acumulação. Qualquer que seja a proporção da mais-valia que o produtor capitalista conserve para si mesmo ou ceda a outrem, é sempre ele quem dela primeiro se apropria. Nossos pressupostos para o estudo da acumulação constituem, portanto, pressupostos do processo real de acumulação. Por outro lado, o fracionamento da mais-valia e a circulação que serve de veículo à acumulação obscurecem a forma fundamental do processo de acumulação. A análise do processo em sua pureza exige, por isso, que se ponham de lado todos os fenômenos que dissimulam o funcionamento interno do seu mecanismo (MARX, 2006, pág. 658 - grifo do autor).

A mencionada justificativa de Marx aplica-se, tal como pode ser percebido pela discussão precedente, não apenas ao tema “acumulação de capital”, mas à própria obra “O Capital”, afinal, o intento de proporcionar clareza ao objeto “mecanismo de acumulação” corresponde ao intento geral de proporcionar clareza à totalidade obscura “sociedade capitalista45”. Nesse processo de intermediação categorial próprio da dialética, Marx proporciona a percepção da essência do modo de produção capitalista, apresentando-o como uma “rica totalidade de determinações e relações diversas” (MARX, 1999, pág. 39), expondo ainda essa realidade em seu “movimento real”, espelhando, assim, no “plano ideal, a vida da realidade pesquisada”, expondo sua

44 Tal como afirma Marx (2006, pág. 657), a análise detida do processo de circulação é realizada no livro

II de “O Capital”, enquanto a análise das formas que adquirem a mais-valia, após a sua fragmentação pelas mãos de diversos capitalistas, é realizada no livro III de “O Capital”.

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concepção dialética do objeto “modo de produção capitalista” que, “afirmando-o, encerra, ao mesmo tempo, o reconhecimento da negação e da necessária destruição dele”, pois o capta em seu “caráter transitório” (MARX, 2006, pág. 28-29), pela relação entre o desenvolvimento contraditório do modo de produção capitalista e o aprofundamento da tensão entre as classes.