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No capítulo XXIV de “O Capital” (“A chamada acumulação primitiva”), Marx adota um procedimento genealógico e, assim, expõe a origem violenta da propriedade capitalista, negando a ilusão de ser tal propriedade originada pelo trabalho. Expondo a lógica do processo revolucionário e anunciando a superação do modo de produção capitalista, Marx totaliza ou configura a teoria revolucionária em sua obra,

apresentando, ainda, um importante indício do sentido político do seu método de exposição dialético.

A temática “acumulação primitiva” é suscitada na interioridade do desdobramento expositivo de “O Capital”, em função desse “desdobramento” ter acarretado, tal como afirma Marx, a aparência de um círculo vicioso:

Vimos como o dinheiro se transforma em capital, como se produz mais-valia com capital, e mais capital com mais-valia. Mas a acumulação do capital pressupõe a mais-valia, a mais-valia, a produção capitalista, e esta, a existência de grandes quantidades de capital e de força de trabalho nas mãos dos produtores de mercadorias. Todo esse movimento tem, assim, a aparência de um círculo vicioso, do qual só podemos escapar admitindo uma acumulação primitiva, anterior à acumulação capitalista (“previous accumulation”, segundo Adam Smith), uma acumulação que não decorre do modo capitalista de produção, mas é seu ponto de partida (MARX, 2006, pág. 827).

Mas, o mencionado capítulo também adquire razão de ser pela necessidade de se contrariar a “lenda econômica” presente na economia política, para a qual, o trabalho originou a propriedade privada dos meios de produção, sendo ignorada, desse modo, a presença da violência na história real (MARX, 2006, pág. 827-828). A respeito dessa “lenda”, afirma Marx:

Pretende-se explicar a origem da acumulação por meio de uma história ocorrida em passado distante. Havia outrora, em tempos muitos remotos, duas espécies de gente: uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo econômica, e uma população constituída de vadios, trapalhões que gastavam mais do que tinham. (...) Aconteceu que a elite foi acumulando riquezas, e a população vadia ficou finalmente sem ter outra coisa para vender além da própria pele. Temos aí o pecado original da economia. Por causa dele, a grande massa é pobre e, apesar de se esfalfar, só tem para vender a própria força de trabalho, enquanto cresce continuamente a riqueza de poucos, embora tenham esses poucos parado de trabalhar há muito tempo (MARX, 2006, pág. 827) 53.

53 Considerando a temática “acumulação primitiva” tal como é exposta nos “Grundrisse”, Rosdolsky

proporciona maior clareza no que se refere à relação “lógica e história” em “O Capital” e, assim, ao método dialético-expositivo presente em “O Capital”. Tal como aponta o estudioso, após Marx apresentar nos “Grundrisse” a necessidade de ser investigada a origem da acumulação do capital, afirma o pensador que, mais importante do que refutar os apologistas burgueses, “é que nosso método mostra os aspectos onde é necessário introduzir a análise histórica” (MARX, “Grundrisse”, pág. 364-365 apud ROSDOLSKY, 2001, pág. 227). “Para analisar as leis da economia burguesa não é necessário, pois, escrever a história real das relações de produção. Mas a correta concepção e dedução delas, como relações historicamente originadas, conduz sempre as primeiras equações — como os números empíricos, por exemplo, nas ciências naturais — que apontam para um passado que jaz por trás desse sistema. Junto com a concepção certeira do presente, tais indícios fornecem também a chave para compreender o passado: um trabalho em separado, que esperamos poder abordar em alguma ocasião” (MARX,

No que se refere ao conteúdo do capítulo XXIV de “O Capital”, Marx inicia sua exposição histórica ou genealógica afirmando ser a dissociação entre o trabalhador e os seus meios de produção condição fundamental para a constituição da organização econômica capitalista, compreendendo a acumulação primitiva como um processo histórico a partir do qual ocorre essa “dissociação”. Descrevendo a expropriação dos camponeses de suas terras, base de todo processo capitalista, assim como descrevendo a perseguição aos camponeses expropriados, obrigados ao trabalho assalariado por uma legislação sanguinária, cujos instrumentos eram “o açoite, o ferro em brasa e a tortura”, Marx explicita a origem da classe trabalhadora e, paralelamente, ponderando os efeitos da revolução agrícola e outros fatores, Marx também aponta a origem do arrendatário capitalista e do capitalista industrial54 (MARX, 2006, pág. 828-873). Desse modo, Marx destaca o papel da violência na formação do modo de produção capitalista e, assim, nega a mitologia econômica segundo a qual a propriedade capitalista originou-se a partir de um trabalho primitivo, mas, também, tal como aponta Benoit (1996, pág. 38), expõe o princípio que fundamenta todo o modo de produção capitalista, em outras palavras, todo o processo contraditório desenvolvido em termos lógicos e históricos pelo percurso expositivo de “O Capital”. Mas essa violência que fundamentou o modo de produção capitalista, tal como também afirma o mencionado estudioso, será igualmente negada

“Grundrisse”, pág. 364-365 apud ROSDOLSKY, 2001, pág. 227; nota 3, pág. 546). Se, inicialmente, tal como afirma Rosdolsky, o movimento expositivo presente nos “Grundrisse” e, como podemos constatar, também presente em “O Capital”, expõe o desenvolvimento das categorias econômicas como o desenvolvimento dialético do que está contido no conceito de capital, sendo tais categorias fundamentadas historicamente, posteriormente, ao se impor a temática “acumulação primitiva”, a investigação genealógica se torna uma necessidade: “a forma dialética da exposição só é correta quando reconhece seus próprios limites” (MARX, “Grundrisse”, pág. 945 apud ROSDOLSKY, 2001, pág. 227). Desse modo, a partir das palavras do próprio Marx, Rosdolsky conclui que o método desse pensador acarreta considerarmos as “condições prévias do capital”, que embora “pertençam à história de sua formação história, de modo algum pertencem à sua história contemporânea” (idem).

54 Segundo Rosdolsky (2001, pág. 234), toda essa exposição ou discussão sobre a acumulação primitiva é,

frequentemente e equivocadamente, tratada como uma digressão de caráter histórico alheia à análise propriamente econômica, porém, é a acumulação primitiva um elemento constituinte da relação capitalista, estando “contida no conceito de capital”: “Mas o capital, para vir a ser, pressupõe alguma acumulação, que já está implícita na antítese entre o trabalho objetivado e o trabalho vivo, na vigência dessa antítese. Esta acumulação necessária para o devir do capital e incorporada como um pressuposto, como um momento no conceito de capital deve ser radicalmente distinguida da acumulação do capital que já chegou a ser capital, para a qual têm de existir capitais previamente” (MARX, “Grundrisse”, pág. 226 apud ROSDOLSKY, 2001, pág. 551, nota 42). Nesse sentido, destacando o caráter econômico da “violência de classe”, Benoit (1996, pág. 38) expõe as seguintes palavras de Marx: “A força é o parteiro de toda sociedade velha que traz uma nova nas suas entranhas. Ela mesma é uma potência econômica” (MARX, 2006, pág. 864). Benoit, ainda, as comenta: “A violência é uma potência econômica, justamente porque essa violência nada mais é do que a expressão e o desenvolvimento das contradições econômicas historicamente postas pelas classes em luta”.

pela violência da classe trabalhadora, surgindo a partir dela um novo princípio: o modo socialista de produção55.

Marx anuncia a negação da violência que fundou a sociedade capitalista e, assim, a própria sociedade capitalista, no item “7. Tendência histórica da acumulação capitalista” do capítulo XXIV de “O Capital”, expondo, paralelamente, a lógica do processo revolucionário, totalizando ou configurando nesse processo sua teoria revolucionária. Nesse contexto expositivo, Marx caracteriza a indústria clássica, afirmando tratar-se daquela propriedade na qual o trabalhador é proprietário livre das condições de trabalho com as quais opera, supondo sua existência o parcelamento da terra, a dispersão dos meios de produção, a ausência da cooperação, da divisão do trabalho no mesmo processo produtivo, do domínio social, do controle da natureza e do livre desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Com o desenvolvimento da indústria clássica, Marx aponta que surgem os meios materiais necessários a sua superação por outra forma de propriedade, sendo as relações, ou a organização social da produção, perturbada por forças e paixões:

Chegado a certo grau de desenvolvimento, esse modo de produção gera os meios materiais de seu próprio aniquilamento. A partir desse momento, agitam-se no seio da sociedade forças e paixões que se sentem acorrentadas por ele. Tem de ser destruído e é destruído. Sua destruição, a transformação dos meios de produção individualmente dispersos em meios socialmente concentrados, da propriedade minúscula de muitos na propriedade gigantesca de poucos; a expropriação da grande massa da população, despojada de suas terras, de seus meios de subsistência e de seus instrumentos de trabalho; essa terrível e difícil expropriação constitui a pré-história do capital56 (MARX, 2006, pág. 875).

55 “A violência da luta de classes é o fim do primeiro livro de O capital, fim que, na verdade, é princípio

(Grund, arché), princípio pressuposto no modo de exposição desde o começo. Mas este princípio está

pressuposto no modo de exposição não porque seja um princípio a priori, ele está lá no começo enquanto pressuposto, mas só na medida em que ele já está lá objetivamente e historicamente posto enquanto princípio do modo de produção capitalista. O que fez exatamente o desenvolvimento dialético do modo de exposição foi demonstrar qual é o princípio histórico que está posto sob as contradições do modo de produção capitalista. Mas, para justamente não cair no dogmatismo do entendimento, primeiramente, colocou o princípio como pressuposto para através do desenvolvimento realizar a sua ex-posição. No entanto, ao avançar do começo para o princípio (e isto foi sendo feito a cada desenvolvimento lógico que ganhava determinações históricas), as contradições se desenvolviam e as categorias da Economia Política burguesa e da economia burguesa eram negadas: a esfera da circulação (paraíso das ilusões) - a produção de mais-valia absoluta e relativa (manifestação da luta de classes) -, reprodução simples, acumulação de capital (transmutação das leis de propriedade e quebra definitiva da troca de equivalentes), acumulação primitiva (separação violenta dos produtores dos meios de produção, violência da luta de classes como

princípio do capitalismo, violência como fim e novo princípio, negação da negação (socialismo)”

(BENOIT, 1996, pág. 39).

56 O teor das forças e das paixões desencadeadas pelo desenvolvimento de certas condições materiais que

Sendo a propriedade privada do trabalhador superada pela propriedade privada capitalista, são os trabalhadores transformados em proletários e suas condições de trabalho em capital. No entanto, com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, no qual o trabalho é socializado e o solo e os meios de produção tornam-se meios coletivamente empregados, os proprietários particulares capitalistas são expropriados e a propriedade dos meios de produção torna-se comunitária em função das próprias leis do modo de produção capitalista que tornam a revolução um processo inevitável:

Essa expropriação se opera pela ação das leis imanentes à própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Cada capitalista elimina muitos outros capitalistas. Ao lado dessa centralização ou da expropriação de muitos capitalistas por poucos, desenvolve-se, cada vez mais, a forma cooperativa do processo de trabalho, a aplicação consciente da ciência ao progresso tecnológico, a exploração planejada do solo, a transformação dos meios de trabalho em meios que só podem ser utilizados em comum, o emprego econômico de todos os meios de produção manejados pelo trabalho combinado, social, o envolvimento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com isso, o caráter internacional do regime capitalista. À medida que diminui o número dos magnatas capitalistas que usurpam e monopolizam todas as vantagens desse processo de transformação, aumentam a miséria, a opressão, a escravização, a degradação, a exploração; mas cresce também a revolta da classe trabalhadora, cada vez mais numerosa, disciplinada, unida e organizada pelo mecanismo do próprio processo capitalista de produção. O monopólio do capital passa a entravar o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho alcançam um ponto em que se tornam incompatíveis com o envoltório capitalista. O invólucro rompe-se. Soa a hora final da propriedade particular capitalista. Os expropriadores são expropriados. O modo capitalista de apropriar-se dos bens, decorrente do modo capitalista de produção, ou seja, a propriedade privada capitalista, é a primeira negação da propriedade individual, baseada no trabalho próprio. Mas a produção capitalista gera a sua própria negação, com a fatalidade de um processo natural. É a negação da negação. Esta segunda negação não restabelece a propriedade privada, mas a propriedade individual tendo por fundamento a conquista da era capitalista: a cooperação e a posse comum do solo e dos meios de produção gerados pelo próprio trabalho (MARX, 2006, pág. 875-877).

compreendido pelo desenvolvimento da forma “valor”. Tal como havia explicitado, a forma “valor” se desenvolve refletindo a necessidade de troca entre os produtores e, assim, a contradição entre o trabalho privado e o trabalho social. Constituindo-se a forma “mercadoria” como forma “dinheiro” e surgindo, assim, a possibilidade da retenção do “valor” (entesouramento), acentua-se a ânsia pela apropriação do “valor” com o aumento da produção e da circulação das mercadorias, representando a sua propriedade poder social ou possibilidade de acesso a toda riqueza socialmente produzida (Cf. pág. 20-30; 38-41; 45- 46).

Tal como podemos perceber, Marx explicita nas passagens citadas a lógica da revolução, estando essa lógica coerente com as suas palavras mencionadas no prefácio da obra “Para a Crítica da Economia Política”:

Em uma certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas essas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social. (...) Uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar, antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade (MARX, 1999, pág. 52).

Essa lógica da revolução, expressa em termos gerais, foi exposta pelo movimento expositivo de “O Capital” que, a partir da forma “mercadoria”, desdobrou lógica e historicamente a contradição “valor-de-uso e valor”, concretizando o conceito “capital” e explicitando que, paralelamente, ao desenvolvimento das forças produtivas não apenas se cria as condições materiais necessárias à superação do modo de produção capitalista, mas certo efeito sob a consciência da classe trabalhadora que a impele e a desperta para a constituição de um projeto revolucionário. Nesse sentido, considerando o mesmo prefácio citado, podemos ainda constatar as seguintes palavras de Marx que destacam a configuração das condições materiais sobre a configuração da consciência revolucionária:

Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência desse conflito e o conduzem até o fim. Assim como não se julga o que um indivíduo é a partir do julgamento que ele faz de si mesmo, da mesma maneira não se pode julgar uma época de transformação a partir de sua própria consciência; ao contrário, é necessário explicar essa própria consciência a partir das condições de vida material, a partir do conflito existente entre as forças produtivas e as relações sociais de produção (MARX, 1999, pág. 52).

Desse modo, constata-se de forma clara como o método de exposição de “O Capital” reflete uma teoria sobre a superação do modo de produção capitalista (teoria revolucionária), sendo essa conclusão, mais uma vez reforçada, pela nota que finaliza o processo expositivo do livro I de “O Capital”:

O progresso industrial — e a burguesia é o portador inconsciente e passivo desse progresso — transmuta a separação dos trabalhadores pela concorrência na sua unificação revolucionária através da associação. Ao desenvolver a grande indústria, a burguesia sente que lhe foge aos pés o fundamento da produção capitalista, em virtude do qual se apropria dos produtos. Ela produz, antes de tudo, seus próprios coveiros. Sua ruína e o triunfo do proletariado são igualmente inevitáveis. (...) Entre todas as classes que hoje se confrontam com a burguesia, a única realmente revolucionária é o proletariado. As outras decaem e desaparecem com a expansão da grande indústria, enquanto o proletariado é dessa o produto mais autêntico. Todos os setores da classe média, o pequeno industrial, o pequeno comercialmente, o artesão, o camponês, combatem a burguesia para assegurar sua existência como classe média em face da extinção que os ameaça. (...) São reacionários, pois procuram fazer andar para trás a roda da história (MARX e ENGELS, “Manifesto do Partido Comunista”, pág. 11 e 9 apud MARX, 2006, pág. 877, nota 252).

A partir da mencionada nota, pode-se, ainda, visualizar um importante indício do sentido político de “O Capital”, afinal, tal como se pode verificar, Marx o finaliza citando um manifesto e, assim, vinculando o seu trabalho teórico com o seu trabalho político57. Em uma passagem de “O Capital”, constata-se, inclusive, o interesse de Marx pela leitura de sua obra por parte da classe proletária, evidentemente, por razões de interesse político: “A melhor recompensa para o meu trabalho é a compreensão que O

Capital rapidamente encontrou em amplos círculos da classe trabalhadora alemã”

(MARX, 2006, pág. 22). Considerando o ímpeto revolucionário de Marx e a sua relação com a classe trabalhadora, torna-se possível deduzir o sentido político do seu método dialético-expositivo: negando as ilusões proporcionadas pelo modo de produção capitalista a respeito da liberdade, da igualdade e da propriedade, assim como explicitando a revolução como a única solução viável a todos os problemas enfrentados pelo trabalhador, tal como a exploração, o desemprego, as oscilações salariais, etc., o

57 Redigindo, favoravelmente, à tese da presença de uma teoria revolucionária em “O Capital” e,

destacando o sentido político da obra, afirma Benoit (1996, pág. 40): “Não por acaso, o capítulo XXIV termina citando o Manifesto. Em certo sentido, O capital é realmente um desenvolvimento do Manifesto

comunista e é inseparável de diversos textos vinculados diretamente à luta de classes da classe operária.

Por exemplo, o Manifesto inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores, texto escrito pelo próprio Marx em 1864, portanto durante a redação do livro I de O capital, possui uma relação direta com esta obra também no seu próprio conteúdo”.

método de Marx proporcionaria clareza à consciência da classe trabalhadora, direcionando-a na organização da sua verdadeira luta, ou seja, à superação do modo de produção capitalista58.

Contra a existência da teoria revolucionária, pode ser objetado que “O Capital” não é finalizado com o capítulo XXIV e, assim, com a “expropriação dos expropriadores”, ou seja, com a “negação da negação”, mas com o capítulo XXV, cuja temática é a “teoria moderna da colonização”. Pode-se, inclusive, acrescentar que “O Capital” é ainda sucedido por mais dois livros ou volumes que não são considerados no desdobramento dessa dissertação. Contra a primeira objeção, pode ser dito, a partir de Benoit (1997, pág. 12, nota 8), baseado nas observações de M. Rubel (MARX, Oeuvres

de K. M. economie I, Pléiade, pág. 1705-1706), que Marx foi obrigado a alterar o livro I

de “O Capital” para evitar a censura, especialmente em países como a Rússia czarista, finalizando o seu escrito com o capítulo XXV, ou seja, com a “primeira negação” (expropriação da propriedade dos produtores) e não com a “negação da negação” (expropriação dos expropriadores), sendo o seu conteúdo revolucionário camuflado. No que se refere à segunda objeção, o trabalho de Benoit é igualmente útil: o estudioso considera não apenas o fato de tais livros não terem sido finalizados por Marx, mas, também, o fato significativo de ser o livro III de “O Capital” finalizado com um capítulo sobre as classes sociais. Mencionando uma carta de Marx direcionada à Engels (30/04/1868, MEW-32, pág. 75), Benoit comprova a intenção do pensador em finalizar a obra com a luta de classes, ou seja, com aquilo que faria “a dissolução de toda essa merda”, digo, do modo de produção capitalista. Considerando, ainda, o prólogo do livro III, Benoit transcreve as palavras de Engels:

58 Em sua leitura de “O Capital”, Benoit interpreta o método de exposição de Marx nesse sentido,

equivocando-se, porém, tal como irei expor, ao afirmar a presença de uma teoria programática ou estratégica presente na obra para direcionar a classe trabalhadora: “A consciência que percorreu todo o percurso (a do leitor ou do operário alienado) coincide agora com a consciência do autor (Marx) ou com a consciência daqueles que já conheciam todo o percurso (os que constituem a "vanguarda" da classe, e que historicamente, pela primeira vez, teriam vislumbrado tal caminho). O princípio posto agora no começo