• Nenhum resultado encontrado

– VOCÊ AASSUSTOU! – O boneco disse, acusando Bela e aproximando-se dela de maneira ameaçadora. – Ela estava me contando como é a sensação de voar!

– Eu… Me desculpe – Bela balbuciou. – Não queria fazer isso.

– Agora nunca vou saber! – gritou a criatura, batendo o pé.

A jovem recuou, assustada, pensando que o boneco fosse persegui-la. Em vez disso, ele deu alguns passos lentos e rígidos e, então, caiu no choro. Gotas de óleo preto vazavam de seus olhos e escorriam por suas bochechas. Otto limpava o rosto com o lenço de Bela, que estava tão surpresa que só conseguia ficar parada boquiaberta.

Lucanos voou até seu ombro:

– Fique parada e fale calmamente. Não deixe que essa coisa se irrite.

– Eu posso ouvi-los, sabia? E não sou uma coisa. Meu nome é O-O-Otto – a criatura disse entre soluços.

Bela, tocada pelas lágrimas do boneco mecânico, esqueceu-se do medo e deu um passo hesitante em sua direção.

– Não precisa temer, pois eu não poderia persegui-la nem se eu quisesse – disse Otto exaurido. – É difícil me mover. Minhas articulações são rígidas.

Agora que a condessa tem o que ela quer, no caso, você, ela não mantém mais as ilusões. Tudo está acabando. As coisas que exigiram mais esforço para ganhar vida, como eu, durarão um pouco mais, mas os pomares, as flores, tudo isso já está se acabando.

Enquanto falava, uma nova rachadura surgiu em uma das paredes do escritório. Ao vê-la, o boneco começou a chorar novamente.

– Otto, por que está chorando? – Bela perguntou, colocando uma mão delicadamente em seu ombro.

– Porque gostei de estar vivo! – respondeu, enterrando o rosto no lenço.

– Não temos tempo para isso, Bela – advertiu Lucanos.

Contudo, a jovem não lhe deu atenção, atentando apenas a Otto, que havia limpado o rosto e guardado o lenço novamente no bolso da camisa.

– Fui feito em Paris. A condessa viu uma apresentação minha lá e me comprou do meu fabricante. Eu sempre tinha muito ciúme dos humanos que iam me assistir – ele explicou. – E agora, quando fui quase humano, quase consegui entender o que se sente. Por que se ri ou se chora. Quase senti o que sempre quis sentir… O amor.

Otto fez uma pausa e sorriu, mas seu sorriso não era de todo feliz.

– Eu vi como os humanos amam – ele continuou. – É incrível. Uma vez, quando meu fabricante estava me colocando no baú, depois de um show, vi um pai tirar o filho do caminho de uma carruagem que vinha em alta velocidade.

O pai salvou o filho, mas morreu em seu lugar. – Otto sacudiu a cabeça impressionado com a memória. – Como deve ser poderoso o amor, pois somente um sentimento tão intenso é capaz de levar alguém a fazer isso.

– É – refletiu Bela, pensando em seu pai e em como ela havia tomado seu lugar no castelo da Fera para que ele pudesse continuar livre.

– Eu queria saber como é isso, no entanto, nunca vou conseguir.

O boneco levou a mão ao bolso, pegou o lenço e o entregou a Bela.

Bela observou o tecido e viu que o que parecia ser sangue, na verdade, era óleo.

– É o máximo que posso fazer. É alguma coisa. Eu… Eu tentei te amar, Bela, quando fingi ser seu pai – disse Otto. Com sua mão de papel machê, tocou a bochecha da jovem com delicadeza. – Eu tentei, mas não consegui.

Acho que para amar é preciso ter um coração, e eu não tenho.

– Oh, Otto – Bela disse, abraçando-o com força.

Enquanto acariciava as costas de Otto, ela viu, atrás dele, uma janela com esfarrapadas cortinas de seda vermelha. Então, se lembrou da tesoura que trazia no bolso.

– Espere aqui – instruiu Otto, soltando-o.

Rapidamente, a moça foi até a janela, puxou um pedaço da cortina para baixo e colocou o tecido no chão; alisando a seda, começou a recortar.

Lucanos aproximou uma de suas patas da orelha.

– Tempo? – ele disse, como se ela tivesse perguntado a ele a respeito de quanto tempo ainda tinham. – Ah, não se preocupe com isso! Nós temos todo o tempo do mundo! Só precisamos pegar Morte antes que ela saia do castelo e vá causar mais estragos mundo afora, então, Bela, fique tranquila, use o tempo que precisar. O dia todo, se for o caso.

Foi uma tarefa difícil; a tesoura era pequena e não tinha sido feita para

cortar tecido, mas, depois de alguns minutos, sentada sobre seus calcanhares, a jovem segurou o que havia feito: um esfarrapado coração de seda vermelha.

Bela colocou sua tesoura de volta no bolso e chamou Aranae:

– Você poderia me ajudar?

A aranha, apesar de estar impaciente, pegou o coração com suas patas.

Então, foi até Otto e subiu em seu peito. Otto olhou para Bela sem entender o que acontecia, mas ela apenas acenou com a cabeça para ele e ficou esperando, mordendo os lábios.

Trabalhando rapidamente, Aranae colocou o coração de pano sobre o lugar no peito de Otto onde estaria seu coração, se ele fosse humano. Usando as presas, perfurou buracos no coração e, com seus fios de aranha, costurou o coração na blusa do boneco. Quando terminou, Aranae deu um tapinha no coração e desceu.

Otto recuperou a respiração. Suas bochechas ganharam cor. Ele olhou para o coração com admiração, então, sorriu para Bela.

– Agora eu sei! Agora eu sei o que significa estar vivo! O amor é a própria magia. E é forte. Muito forte! – Ele girava com os braços abertos. – Eu te amo, Bela! Eu te amo, aranha! Também amo você, besouro!

O coração de Bela ficou cheio de alegria. Ela sorriu para Otto.

Lucanos seguia tenso.

– Isso é tão bom, Otto. Estou feliz por você. De verdade – ele disse. – Mas, se não conseguirmos a moeda de Henri e depois sairmos daqui, Bela vai morrer.

Otto, ainda girando, disse:

– Vou ajudar vocês! Adoro ajudar!

Lucanos fechou os olhos e esfregou a testa:

– Otto, se quer nos ajudar, pare de girar e nos diga onde está Henri. Conte como podemos tirar a moeda dele. Temos que saber o que fazer, porque duvido muito que consigamos usar um coração recortado para trazê-lo para o nosso lado.