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ESQUECENDO-SE DE QUE estava na propriedade da condessa e que havia muitos desconhecidos à sua volta, Bela correu até seu pai e o abraçou, chorando.

Maurice a segurou com força, acariciando seus cabelos, acalmando-a com palavras carinhosas, exatamente como fazia quando ela era pequena.

– Shh, Bela, shh. Está tudo bem. Venha, minha querida, deixe-me olhar para você – ele disse, segurando-a pelo braço. – Pensei que nunca mais fosse vê-la, minha filha. Nunca. E aqui está você… Bem na minha frente!

A felicidade de seu pai a deixou feliz. O aperto em seu peito diminuiu. Ela tirou o lenço do bolso e enxugou as lágrimas. Ele realmente estava ali.

– Senti tanto a sua falta, minha linda garota. Como meu coração se alegra em revê-la – prosseguiu Maurice. – Como chegou até aqui? Você conseguiu escapar daquela fera perversa?

Bela, então, se deu conta de que a última vez que seu pai a vira, ela estava presa em uma cela no castelo da Fera, a mesma cela em que ele estivera preso antes de ela tomar seu lugar.

– Eu não fiquei presa na cela por muito tempo – Bela explicou. – Lumière, o criado da Fera, logo me deixou sair. Eu vivo no castelo agora, papai, e sou muito bem tratada. Tenho amigos lá…

Uma sombra passou pelo rosto de Maurice.

– Amigos? – ele indagou. – Naquele lugar abandonado por Deus? Você tem carcereiros, Bela. Convive com objetos perigosos.

Perigosos?, Bela pensou. Madame Samovar? Plumette?

– Eu sei que pode não ter tido essa impressão, papai, mas eles são muito bons! – ela o interrompeu. – Na verdade, sou apaixonada por uma pequena xícara de chá chamada Zip, e…

Mas seu pai não estava ouvindo o que ela dizia.

– Você convive com uma criatura que se veste como homem, mas se comporta como um animal e ataca a tudo e a todos – continuou ele. – Não

acredite por um segundo que ele, ou qualquer um que seja próximo a ele, seja seu amigo!

Bela ficou confusa com as palavras afiadas de seu pai. Ele sempre fora um homem de mente aberta, disposto a ouvir outros pontos de vista, mesmo quando eram contrários aos seus.

– A Fera foi assustadora no início, sim, papai, mas quanto mais tempo passo com ele, mais ele me surpreende. Acho que ele pode ser verdadeiramente muito gentil – afirmou a jovem.

Maurice ignorou suas palavras.

– Ele dominou você pelo medo, Bela. Isso está claro para quem quiser ver.

Você fala bem dele apenas por medo, minha filha, acreditando que, se não o fizer, sua situação ficará ainda pior.

Bela, que até poucos minutos sentia raiva da Fera por ter aprisionado primeiro seu pai e depois ela mesma, agora se sentia obrigada a defendê-lo.

Aquela tremenda mudança de sentimento a deixou confusa.

A cabeça de Bela lhe dizia que defender a Fera era uma loucura; que não fazia sentido nenhum. Mas seu coração enxergava além de sua mente, e se expressou com uma lógica muito profunda.

– Papai, você se lembra de Androcles?

– Sim, claro. Nosso… Ah, nosso vizinho.

– Nosso vizinho? – Bela repetiu, piscando para ele.

A condessa estava certa. Ele tinha envelhecido. O choque de ter sido preso no castelo da Fera e, depois, de ter perdido sua única filha tinha cobrado seu preço.

– Não, papai – ela disse gentilmente. – Androcles, das Fábulas de Esopo!

Você costumava ler para mim todas as noites…

– Claro, claro… – disse Maurice rapidamente.

– A Fera é como o leão, que tem um espinho alojado profundamente em si – explicou a jovem.

As sobrancelhas espessas de Maurice se ergueram.

– Você viu este espinho, então?

– O espinho está no coração dele, papai. Algo terrível aconteceu com ele.

Porém, Maurice não estava disposto a ser benevolente em relação àquela situação.

– Por que estamos perdendo tempo falando sobre a Fera? Eu não me importo com ele. Tudo o que me interessa é você – disse Maurice. – Como

chegou aqui, Bela? Quando conheceu a condessa?

Bela explicou como havia encontrado o caminho para Nunca Mais.

– Um livro encantado, é isso mesmo? – perguntou Maurice, quando sua filha terminou.

– Sim. A condessa o colocou onde eu pudesse encontrar. Ela descobriu o que aconteceu conosco, papai. Quer nos ajudar. Conhecia minha mãe e gostava dela. Foi isso que ela me contou.

A expressão dura de Maurice se tornou mais suave. Seu olhar ficou melancólico, como sempre acontecia quando o assunto era a esposa.

– Isso parece mesmo com a condessa. Ela é uma boa alma. E sempre foi. – Aqui, em sua casa, posso escolher uma rosa para minha filha sem que ela me aprisione – ele disse ao se virar e arrancar uma flor branca para Bela.

Bela pegou a rosa das mãos do pai. No entanto, ao fazê-lo, viu uma mancha escura nas pétalas.

– Papai, você está sangrando! Deve ter se ferido com um espinho.

– Não é nada – assegurou Maurice, mas gotas de sangue, tão escuras que quase pareciam pretas, caíam no chão.

Bela ainda estava com seu lenço nas mãos e o enrolou no dedo de seu pai.

– Aqui – ela disse. – Vai ajudar a estancar o sangramento.

No mesmo momento, no entanto, ela não pôde deixar de notar como as mãos de seu pai estavam geladas.

– Você está tão frio! – disse ela, tentando aquecê-lo com suas mãos.

Suas mãos frias, seus movimentos rígidos, o fato de ter esquecido quem era Androcles… Todos aqueles fatos haviam perturbado muito Bela.

– Está se cuidando, papai? – ela perguntou com pesar. – Está tomando seu óleo de fígado de bacalhau? Não está deixando as janelas abertas à noite, está? Você sabe como a casa fica fria…

– Estou bem, Bela – ele disse com tranquilidade. – É com você que estou preocupado. Não quero que volte para o castelo da Fera. Deve haver alguma maneira para que possa ficar aqui.

– Mademoiselle Bela! – disse uma voz. – É você?

Era Henri. Ele caminhava na direção deles alegremente e com um sorriso em seu belo rosto.