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FORMAÇÃOECONSTITUIÇÃODAGEOGRAFIADACIRCULAÇÃO:

PROPOSITURASDOSCLÁSSICOS

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A fragilidade do método decorre do papel que se é levado a atribuir aos a priori e aos fatores exteriores que lhes concernem. A utilização de analogias é um risco, ainda mais gravequandosevaiàsuaprocuranomundofísicoparautilizá lasdepoisnodomíniosocial(SANTOS,2002:42).



Instiganos compreender as posturas díspares dos dois principais representantesdachamadaGeografiaTradicional,oalemãoFriedrichRatzeleo francês Paul Vidal de La Blache, frente ao desenvolvimento das técnicas de circulação.Ambosanalisaramatécnica,arelaçãohomemmeioeapresentaram uma preocupação com a influência exercida pelo meio, sobre a circulação (as condiçõesnaturais).Todavia,sediferenciamemtrêselementosfundamentais:

1. Ratzel é organicista, ao passo que La Blache leva bem menos em consideraçãoasanalogiascomaBiologia;

2. RatzeldámaisênfaseaoaspectopolíticodacirculaçãodoqueLaBlache;

1TributaremosàArroyo(2001:501),apropositurade“umavoltaaosclássicos”paraanálise

3. Enquanto La Blache se preocupou com uma geografia histórica lenta, Ratzel buscou entender a vanguarda das inovações tecnológicas como fundamentosestratégicos,sobretudoparaosEstados;

Ratzel,maiorrepresentantedaescolaalemãdeGeografia,pensoudiretamente os rumos da Alemanha enquanto potência imperialista. Para o autor, a representaçãodoEstadoeraade“umorganismoenraizadoaosolo”(RATZEL, 1903 apud MATTELART, 1994: 260), e, como todo o organismo, deveria se caracterizar por movimentos fisiológicos de fluidos e de órgãos. A circulação, portanto,seriaaaçãoresponsávelporreligartodasasparteseelementosdesse organismo.Todavia,Ratzelconsideravaqueoorganicismodeveriater“valorde hipótese” e não ser somente uma “analogia esclarecedora” elaborada pelos discípulosdeSpencer,oqualRatzelfoiumcrítico,pois,mesmoreconhecendoa organicidadedoEstado,Ratzelconsideravaquequantomaisumasociedadese desenvolvia, mais ela se afastaria do “simples modelo orgânico” (MATTELART, 1994:260).

QuantomaisumEstadosedesenvolve,maisoconjuntodasua evolução se manifesta como uma ultrapassagem do fundamentoorgânico;domesmomodo,acomparaçãodireta do Estado com um organismo assenta melhor aos Estados primitivos do que aos Estados evoluídos (RATZEL, 1903 apud MATTELART,1994:260).

Ratzel expressa o “fenômeno das comunicações, das suas redes e circuitos”, através do polissêmico termo Verkehr, que traduzido para o francês significa “commerce” (comércio), “relations” (relações), “mouvement” (movimento), “mobilité” (mobilidade) ou “circulation” (circulação) (MATTELART, 1994: 261). Eminglês,otermoVerkehraindapodesertraduzidocomo“tráfego”,alémdos significados em francês. Os franceses adotaram o termo “circulação”, mais coerente com a proposta “fisiológica” de Ratzel e com o que se pretendia na

França, que era seguir as noções de física e fisiologia social (Auguste Comte e SaintSimon).

No seu mencionado livro “Politische Geographie oder die Geographe der

Staaten, des Verkehrs und des Krieges”, Ratzel se aprofunda um pouco mais

sobreacirculaçãosoberanadoespaço(HÜCKEL,1906).

Aexpansãogeográfica,eespecialmentepolítica,portatodosos caracteres distintivos dos corpos em movimento, que se distende e se contrai alternadamente em progressões e regressões,movimentoscujoobjetivoésempreaconquistado espaço, em via da fundação dos Estados, sejam pastores nômades, sejam agricultores sedentários (RATZEL, 1903 apud HÜCKEL,1906:402).

A definição de circulação de Ratzel leva em consideração a ideia de espaço continente, se configurando como uma ação do homem que eleva o “movimento no espaço, de pessoas e objetos a partir de regiões ou pontos determinados, com o objetivo de equilibrar as trocas, os recursos e os dons naturais da terra e dos homens” (RATZEL, 1903 apud HÜCKEL, 1906: 403). Expunha Ratzel, que desde que se desenvolveram eficientes tecnologias de transportes e de comunicações, a civilização não precisou produzir tudo que consumia no lugar de vivência, encontrando, portanto, mais uma forma de proteção a partir do meio (DOUGLAS, et al, 1996: 315). Entretanto, a originalidade de Ratzel não está nesse axioma, mas na proposta de “ecúmeno dacirculação”,tãocriticadaporHückel(1906),masqueexpressa,poranalogia, apropostarecentedeCastells(2006)acercado“espaçodefluxos”.Ratzel,por meio da ideia de “ecúmeno da circulação”, expressa o reconhecimento da existênciadediversosmodosdecirculaçãoqueformamdiferentesredes,desde as periféricas, desprovidas do progresso tecnológico até as redes mais complexas,providasdaexistênciademeiosesistemasdecirculaçãoavançados.

Hückel(1906:402)compreendequeaabordagemdeRatzelsobreacirculação sedivideemtrêsfrentesdeanálise: 1.Definição,leisecondiçõesnaturaisdacirculaçãonasuperfíciedoglobo; 2.Teoriaedesenvolvimentohistóricodasviasdecomunicação; 3.Asviaseosmeiosdecirculaçãoterrestre. ParaRatzel,ohomemédependentedomeionatural,sendoqueascondições naturais de circulação impõem obstáculos que são transponíveis perante o progressotécnico,masquedefinemoseixoscomerciaisdomundoeasdemais viasdepassagem(‘elementosdasuperfícieterrestre’).Ascondiçõesnaturaisda circulação também definem a “distância como um sério obstáculo” (RATZEL, 1903 apud HÜCKEL, 1906: 410), mas que no processo de desenvolvimento históricodasviasdecomunicaçãovãoseorganizando,emconsonânciacomas condições disponibilizadas pelo meio natural, linhas de maior e de menor resistênciaacirculação.

Ohomem,porumasériederazõesrelacionadasàsua“sobrevivência”,sevolta à transposição desses obstáculos através do progresso técnico, que proporcionará ganhos de velocidade. Isso se faz por meio do “movimento histórico”,demarcadoemgrandepartepela“artepolítica”emsabermobilizá lo, ou seja, “a vida está em movimento; a História, que é a soma e a conseqüência da vida dos homens, conseqüentemente está em movimento” (RATZEL, 1987: 90). Com efeito, completa Ratzel, “a força política elementar consistenamobilidade”,assim,“quantomaismóveléumpovo,maisocupao espaço”. Esta propositura confere ao discurso de Ratzel, um valor estratégico dadoàocupaçãodoespaçoatravésdacirculação.

Nesse processo, formamse “grandes artérias” que se multiplicam com o comércio,compondoumsistemaemqueacirculaçãolocal(veias)alimentaas vias e rotas de grande circulação (artérias). Vias entrecruzam “regiões de passagem” e “regiões entrepostos”, delimitando as “funções” territoriais a partirdacirculação.Movimentoqueéresponsávelpelatransformaçãodoglobo emumúnicoorganismoeconômico(HÜCKEL,1906:418),paraosinteressesdo Estado.Porextensão,acirculaçãoéoprincipalagentededesenvolvimentodos Estados(HÜCKEL,1907:14),concorrendoparaisto,oprogressodosserviçosde informações através dos telégrafos que, segundo Ratzel, é a forma mais importantedecirculaçãodopontodevistapolítico(HÜCKEL,1907:9).

La Blache, diferentemente de Ratzel, se preocupou mais com a realização de umageografiahistóricalenta.“Ahistóriadeumpovoéinseparáveldaáreaque ele habita”, afirma La Blache logo na primeira frase de seu “Quadro de Geografia da França” de 1903 (a). Com esta ideia o autor conclama uma “geografiadofixo”,expressamaisclaramenteatravésdaseguinteafirmação:“o estudo atento daquilo que é fixo e permanente nas condições geográficas da Françadeveseroudevetornarsemaisdoquenuncaonossoguia”(LABLACHE, 1903 b: 386, grifos nossos). Segundo Thrift (1995: 218), a essência da obra lablachianaé“umhinoàFrançadoscamponeses”,poisparaLaBlache(1903b):

Arobustaconstituiçãoruralqueoclimaeosolodãoaonosso país é um fato cimentado pela natureza e pelo tempo. Ele se exprime por um número de proprietários não igualado em partealguma.Sobreistoseapóiaumasolidezquetalveznãose encontreemnenhumpaísnomesmograuquenonosso,uma solidez francesa. Entre os povos de civilização industrial que nossãovizinhos,vemoshojeoshabitantesretiraremcadavez mais sua subsistência do exterior; a terra, entre nós, permanece a nutridora de seus filhos. Isto cria uma diferença no apego que ela inspira.  Revoluções econômicas como aquelas que se desdobram nos nossos dias imprimem uma agitação extraordinária à alma humana; elas põem em

movimentoumamultidãodedesejos,deambiçõesnovas;elas inspiram em alguns, lamentações, em outros, quimeras. Mas estedilemanãodevenossubtrairofundodascoisas.Quando uma rajada de vento agita violentamente uma superfície de água muito clara, tudo vacila e se mescla; mas, em um determinado momento, a imagem do fundo se desenha outra vez(LABLACHE,1903b:145).

O pensamento exposto acima expressa uma das concepções de La Blache ao longo de sua carreira, e não pode ser representativa de toda a sua obra, mas entendemoscomoelementoessencialdasuaproposta,istoé,acompreensão dosprocessosdeapropriaçãodatécnicapelohomemesuautilizaçãonomeio emquehabita.Mas,paraRuyMoreira,existem,narealidade,“trêsLaBlaches”:

Podese falar de três La Blaches, arigor dois, considerando os temasecategoriasdeseuslivrosprincipais.HáoLaBlachedo

Quadros de geografia da França, publicado em 1903, no qual

estuda a identidade da França a partir do seu quadro de diferenciaçõesregionaiseéconsideradoamatrizdefundação da geografia regional [...]. Há o La Blache dos Princípios de

geografia humana, obra póstuma e incompleta de 1922, na

qual estuda as paisagens das diferentes civilizações, advindas darelaçãolocaldohomemcomoseumeio,eéconsideradoo textofundadordeumageografiadacivilização,subalternizada diantedageografiaregional,masquesobressaiéogênerode vida.Há,porfim,oLaBlachedeAFrançadeLeste,de1917,em queanalisaaespecificidadedaregiãofronteiriçadaFrançacom a Alemanha, que podemos considerar um típico estudo de geografia política, porém limitado a este trabalho (MOREIRA, 2006:36).

ÉosegundoLaBlachequenosinteressaaqui,oLaBlachequeprocurouanalisar a civilização e o capitalismo industrial (sem, contudo, analisar as contradições inerentes a esse processo). Segundo Moreira (2006: 37), essa “geografia da civilização”deLaBlache“é,emsuma,umacombinaçãodageografiafísicacom a geografia humana”, em uma tentativa de se atingir a totalidade, diante de uma economia industrial e de um paradigma fragmentário que acabou se

tornandoasomadosconhecimentosacercadaciênciageográfica,emprincípios doséculoXX.

EmrelaçãoàRatzel,LaBlacheconduziuumaabordagemmaislimitadafrenteao desenvolvimento das técnicas de circulação de seu tempo, negligenciando a análise do transporte de informações via telecomunicações, de modo que a abordagem de La Blache se revestiu de uma campânula frente aos acontecimentosemcurso,provadissoéaabordagemdadaporBerman(1986: 152et.seq.)apartirdomodernistaBaudelaire(em“Aperdadohalo”).Berman fala de uma Paris em intensa transformação em termos de mobilidade em funçãodotráfegomoderno,comacriaçãodosbulevaresqueproporcionaram uma melhoria nos fluxos carroçáveis e, ao mesmo tempo, o perigo para os transeuntes.

Com isso, a vida dos bulevares, mais radiante e excitante que toda a vida urbana do passado, era também mais arriscada e ameaçadora para as multidões de homens e mulheres que andavamapé.Éesse,pois,opalcodacenamodernaprimordial de Baudelaire: “eu cruzava o bulevar, com muita pressa, chapinhandonalama,emmeioaocaos,comamortegalopando na minha direção, de todos os lados”. O homem moderno arquetípico, como o que vemos aqui, é o pedestre lançado no turbilhão do tráfego da cidade moderna, um homem sozinho, lutando contra um aglomerado de massa e energia pesadas, velozes e mortíferas. O borbulhante tráfego do bulevar não conhece fronteiras espaciais ou temporais, espalhase na direção dequalquerespaçourbano,impõeseuritmoaotempodetodas as pessoas, transforma todo o ambiente moderno em “caos”. O caos aqui não se refere apenas aos passantes — cavaleiros ou condutores,cadaqualprocurandoabrirocaminhomaiseficiente para si mesmo — mas à sua interação, à totalidade de seus movimentos em um espaço comum. Isso faz do bulevar um perfeito símbolo das contradições interiores do capitalismo: racionalidade em cada unidade capitalista individualizada, que conduzàirracionalidadeanárquicadosistemasocialquemantém agregadastodasessasunidades(BERMAN,1986:153).

Robic(19961997)criticaaposturadosseguidoresdeLaBlachearespeitodas considerações sobre a circulação. Robic considera que existe um exacerbado “elogiodacirculação”apartirdaobradeLaBlache,aopassoquenarealidade, este autor desenvolveu uma geografia endógena com fulcro no nacionalismo econômico, tendo como referência uma suposta França autosuficiente, que nãodependeriadocomércioexterno.

La Blache ensaia uma discussão mais aprofundada sobre a circulação na obra póstuma “Principes de Géographie Humaine” de 19212. Nas várias páginas dedicadasàcirculação,LaBlachefazumageografiahistóricadiscutindodesdea noção de mobilidade do homem vivendo em estágios tribais, nômades e bárbaros (abordagem tendendo à etnografia), até a utilização das tecnologias (sem,noentanto,discutilateoricamente)edasformasdecirculaçãonoinício doséculoXX.Naparteemquediscuteacirculação,LaBlachedemonstracerta admiração pelos processos em curso na sua época e pelas rápidas transformações (econômicas, políticas e sociais) possibilitadas pelos meios de transportes. No entanto, apesar de La Blache fazer uma série de reflexões importantesàluzdoseutempo,oseufascíniopelasformasmaistradicionaisde vida, do “primeiro La Blache” de que trata Ruy Moreira, ainda seja latente. Assim, La Blache, acaba deixando para trás elementos como as telecomunicações,incorporaçõeseinovaçõestecnológicasnostransportes. OprincipalfocodeLaBlacheémesmoarelaçãohomem–meioporintermédio datécnica,desdeocorpo,passandopelousodeanimais,atéchegaràstécnicas maisavançadasdetransportes.SegundoLaBlache(1956:292294passim),os artefatos “para transpor obstáculos” produzidos pelo homem, demonstram “umamúltiplaeclosãodeinvençõeslocaisfortementemarcadaspelocunhodo

2 Obra póstuma publicada a partir dos seus manuscritos por Emmanuel de Martonne. Nesse

meio”.Paraoautor,“averdadeirapátriadeumainvençãoéomeionoqualse torna fecunda e diversifica as suas aplicações”. Em sua geografia histórica, La Blache busca, portanto, um ponto de partida, que é essa “ontologização” homem–meioparachegaraumaanálisedaformaçãoeestruturaçãoderedes. Esse processo tem início a partir das necessidades do homem em transpor obstáculos, de modo que antes da via é inventado o meio para transporte e comunicação.Tendoemvistaaexistênciadestapossibilidadedemovimentodo homem, e também com base em uma longa exposiçãogeo eetno gráficas, La Blache estabelece uma comparação entre lugares, admitindo diferenças profundas em relação aos diferentes estágios das técnicas (LA BLACHE, 1956: 3112).

Comestaperspectiva,observaseemLaBlachequeadiscussãoacercadotema circulação é, sobretudo, uma discussão da técnica e econômica.  Nesse contexto, uma das principais contribuições é a análise sobre rede, considerando, principalmente, “a diferença entre as regiões servidas” por ferrovias(1956:317).Apesardeconsiderarqueosobstáculosfísicosdeixaram de ser irredutíveis, La Blache observa que algumas regiões dispõem de mais ferrovias,sendoqueas“vantagenspolíticasecomerciaissãobastantegrandes paraqueoscapitaissemeçamcomessadificuldade.Oinvestimentocresceuem proporçãodoslucros”3.

3[...]aredeestáaindalongedeenvolvertodaaparteterrestredoglobo.Escapamlheainda

grandes superfícies no interior da Ásia, da África e da América do Sul; e enquanto nalguns pontosoritmodapulsaçãoseaceleraatéafebre,muitasregiõespermanecemindiferentese, senãoinertes.Pelomenosobstinadamentefiéisaosprocessosarcaicosdetransportegerados pelo meio geográfico. Este contraste era bem menos vincado outrora. O estado atual das comunicaçõesfazsurgirsobluzcruaosefeitosdoisolamento;pelomenos,estenãoparecia outroraumaanomalia,umaespéciedeinfraçãoàscondiçõesgerais.Foramosprogressosdo comércio ao serviço de uma indústria exigente de matériasprimas, ávida de mercados, que aumentaramoafastamento,abrindoquaseumabismoentreasregiõesenglobadasnarede

Nessa obra, La Blache apresenta incursões saintsimonistas para analisar a relação entre rede e planejamento, fazendo considerações importantes a respeitodamanutençãodasferroviasemplenofuncionamento.Segundoele,as ferrovias só podem ser plenamente exploradas se percorrerem grandes distâncias. Isso serviria tanto para uma ocupação pelo Estado, no ‘sentido estratégico’,quantoparaummelhoraproveitamentoeconômico.Oplanoéque as ferrovias sejam mundiais (LA BLACHE, 1956: 3234). A noção de rede transcendeaabordagemestanquesobreossistemasdemovimento,tendoum sentido “multimodal”, ou seja, o senso de que a formação de redes para a circulaçãodecoisasdetodasasordensetipos,sobretudomercadorias(queéo que La Blache idealiza), ocorre a partir de todos os meios de transportes possíveis.

De todos estes sistemas de comunicações formase uma rede quepodemosqualificardemundial.Comefeito,abarca,senão atotalidadedoglobo,pelomenosumaextensãoassazgrande paraquequasenadaescapeaoseuabraço.Éoresultadototal das combinações múltiplas, realizadas, em meios diferentes, pelo carril, pela navegação marítima ou pela interior4 [...]. O que devemos ver na variedade dos obstáculos vencidos é o desejo de realizar adaptações capazes de reduzir ao mínimo tudooqueanexaotráficodeprodutosalimentares,edemolde aevitaràcirculaçãoomaiornúmeropossíveldetransbordose degastosacessórios(LABLACHE,1956:345).

mundial e aquelas que lhe escapam. Criaramse assim diferenças regionais profundas (LA

BLACHE,1956:322,grifosnossos).

4 Vidal de La Blache exemplifica a sua afirmação: “Nos Estados Unidos, a navegação dos

Grandes Lagos ligandose aos caminhos de ferro que acolhem e prolongam o tráfico; na Inglaterra,umdesenvolvimentoextraordináriodamarinhamercante,dispondodeumacarga que a hulha completa; nos Países Baixos e na Alemanha, embarcações fluviais de grande tonelagemquepenetramatéaocoraçãodocontinente,ecaminhosdeferroquecombinamos seus tráfegos com o Sudeste da Europa; na África, utilização dos grandes rios – Nilo, Níger, Congo e Zambeze –, ligados por caminhos de ferro, quer ao mar, quer entre seus troços navegáveis;finalmente,oataqueàÁsiaCentral,enquanto,pelocanaldeSuez,seefetuavaa junção de dois domínios do comércio marítimo, distintos noutro tempo” (LA BLACHE, 1956: 345).

Em suma, apesar de a preocupação central de La Blache estar focada na geografiahistórica,emqueanoçãodetransposiçãodeobstáculos,apartirda fixação das estradas ao solo, adquire importância essencialmente técnica e econômica, o autor é original ao não aderir ao fisiologismo para analisar a circulação, vislumbrando a rede como possibilidade de análise geográfica em termosdeescalaedediferençasregionais.Todavia,LaBlachenãoabandonoua noção de organismo como um dos fundamentos de seu raciocínio para compreender a ação humana (GOMES, 2005: 198 et. seq.). É importante ressaltartambém,queLaBlachefezumaopçãoanalíticapeloviésdatécnicae pelo viés econômico, porém não desconsiderou a influência política da circulação5,apenasfoimenosincisivoqueRatzel.

No século XIX, passaramse também à construção massiva de estradas em função do desenvolvimento de veículos motorizados, compondo o principal objeto da análise lablachiana. De forma poética e metafórica em relação aos sedimentos biológicos da vida, La Blache estabelece uma relação importante entre a circulação pelas estradas e a civilização (podese dizer formações socioespaciais).Segundooautor,dopontodevistadaorganizaçãohistóricada circulação,emprimeirolugarvemomeiodetransporte,depoisocaminhoque poderá formar a estrada. Esta,por sua vez, fixasee possibilita a formação de várias formas fundamentais para a existência da sociedade. A existência e a elaboraçãode“métodos”paraacirculaçãodevemseàexistênciadeobstáculos e o esforço exigido, que fazem com que haja a necessidade de fixação das estradas.

5Nasuageografiahistóricadasestradasesuagênese,oautorconsideraqueasviasromanas

possibilitaram um “progresso decisivo na evolução dos meios de transporte”, “assegurando

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