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CAPÍTULO VINTE E OITO

No documento O processo criativo e seus caminhos (páginas 128-131)

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO VINTE E OITO

Cheguei na aula no horário, mas sem o poema. Por sorte, o Herrb não me chamou e nem perguntou se eu tinha trabalhado. Foi uma aula mais leve e o professor trabalhou o conto.

Todo mundo parecia bem familiarizado com o processo de fazer um conto. O Gabriel não foi à aula e isso me deixou um pouco chateada. No final da aula, o Herrb me devolveu o texto da Rita, que eu tinha entregue para ele. Veio todoooooooooooooo cheio de bolinhas, anotações e sugestões. Ele me olhou muito sério quando me entregou e disse:

-Vamos trabalhar?

Entendi que eu teria que me puxar mais se quisesse um dia ser a best-seller que sonhei. Junto com as anotações dele, encontrei um bilhetinho anexo, escrito a lápis: “Lyna, o plot está muito bom.” Ele pediu para eu arrumar tudo e devolver dentro de três semanas.

Agradeci e fui para casa.

Passei o resto do dia me perguntando porque o Gabriel não tinha ido na aula. A aula sem o “tecno divindade” não tinha o mesmo entusiasmo. Eu só teria o Daniel para me exibir. Convoquei meu espírito de vencedora e escrevi o tal conto assim que cheguei em casa.

A interminável

Saí de casa para encontrar dois russos em um hotel londrino. Passei por cachorros bem cuidados, que passeavam na calçada da direita. O frio atingia meus calcanhares. Desci a

Oxford Street sem pressa. O almoço com o segurança italiano

tinha sido muito proveitoso. Meu instinto de investigação não havia exagerado. Ele sabia alguma coisa sobre o assassinato dela.

Certamente a FSB estava envolvida. Lembro de ter observado os luminosos da Sony com dificuldade. Tive a cautela de eliminar possíveis seguidores em meu deslocamento até o hotel. Passei pela porta giratória com alívio. Avistei, junto ao bar, uma mulher com ares de espiã. Era alta, usava meias transparentes e um intrigante vestido marrom. Pedi um chá com leite para aguardar. Sabia que não poderia esperá-los por muito tempo.

Cibele é uma menina magra e barriguda. Filha da auxiliar de cabeleireira. Fica sentadinha em um canto do salão mexendo em uma bola de plástico. Vira e revira a tal bola no colo, como se estivesse procurando alguma coisa. Talvez pensasse que fosse um Atlas animado. Notava-se que ela conversava baixinho com amigos imaginários. Sabia que a bola era mágica.

Outro dia, cheguei para cortar o cabelo e ela estava na rua, jogando com outras crianças. Cada vez que elas tocavam na

bola, ouvia-se uma gargalhada forte e saudável. De repente, a bola atravessou a janela e bateu com tudo na cabeça da senhora que tingia os cabelos. Ela se levantou, dando um pulo. Começou a se mover e pular com jeito de quem tinha cinco anos.

Meus quarenta minutos de tolerância já haviam expirado. Virgínia não era de se atrasar. Por que será que ela não atendia o celular? Nosso voo partia às 16 horas. Eu ainda tinha que deixar o Tobi na veterinária. E se ela tivesse sido assaltada? Desistiria da viagem? Teria voltado para aquele otário do Manuel? Detesto esperar. Priorizamos tanto estas férias

“Alô. Quem?”

“Sim, é a Wania. Quem fala.”

“O quê? No hospital? Vou já para aí.” Terceiro andar. Emergência.

Lá estava ela, sentada com os pés sob a mala de nylon verde. Chorava com convicção.

“E é isso, doutora. Começo e não termino. Adianto e paro. Me animo e desisto. Devo ser imune aos finais.”

OBS. como eu não conseguia terminar nenhum dos três inícios que inventei e o tempo tinha se esgotado inventei esse final.

Enumerei, fiz as cópias e terminei o trabalho bem antes do dia da aula.

Fui bem feliz pro facebook e tinha uma mensagem do Gabriel: Li a pergunta dele, mas não entendi muito o que ele queria saber.

“Você já teve olhos azuis?”

Que pergunta mais nada a ver, como é que uma pessoa vai ter uma cor de olho diferente na vida? Kkkkkk. Será que ele acha que eu uso lente colorida, q brega, eu hein?! Respondi: nunca.

CAPÍTULO VINTE E OITO

Não acordei bem. Não acordei feliz. Não acordei empolgada.

Não sei bem por quê. Acho que uma mistura de desânimo com infelicidade fragmentada.

Estranho! Tomei café pensando na festa de quinze anos que estou produzindo e que vai rolar dentro de dois meses. A Debby tá tão animada para esse dia. Parece uma marca de felicidade, mas não consigo acreditar nesses rótulos efêmeros. Se gasta tanto dinheiro, tanto tempo elaborando detalhes e se bebe tanto em festas assim, que só fazemos loucuras, selfies e showroom de nós mesmas. Felicidade? Que conceito mais frouxo esse? Nestas baladas o “se dar bem” é igual a: “ser desejado”. E ser “desejado” é cair num lobby comercial de sorrisos branquinhos e perfeitos, e virar mais um objeto de consumo. Pior que isso dá prazer. Faz parte

do kit umbilical. A sociedade narcisista feita de “reality show”. Muitas destas festas assinam a tendência exibicionista. A autopromoção, a obsessão por imagem. Muita selfie e pouca espiritualidade. Se bem que a ilusão sempre foi combustível pra se enfrentar a realidade.

Quem consegue ser feliz só na realidade? Enganar, seja na arte, na fotografia, no face ou no mundo virtual, às vezes pode ajudar a enfrentar a dureza humana. As pessoas até precisam de uma história fantasiada. Não somos lineares nem verdadeiros o tempo todo. O escritor conta mentiras, eu minto às vezes e te digo que tem mentiras saudáveis. Engraçado que esta menina Debby até que tem uns valores bacanas. Ela tem a noção do ridículo do “espetáculo humano” que a gente tá vivendo.

A menina é bem low–profile mesmo tendo muita, muita grana. Claro que ela super se diverte com as amigas enquanto dançam e bebeeeeem aquele monte de vodka. A Debbie tem mil “BFs”, mas não é bobinha. Estuda legal, gosta de viajar, fazer esportes e ler. Curtiu quando eu dei a ideia de fazer de lembrancinha marcadores de livro de acrílico. Ficou muito maneiro.

E desse devaneio ridículo, fui pra rua agilizar outros trabalhos. Marquei duas reuniões, uma depois da outra, no mesmo Café, para não precisar me locomover muito, porque meu pé ainda doía.

Pensei no Celeb e nas ausências temporárias dele. Pensei no Daniel, bonitinho da aula do Herrb. Pensei no Gabriel e me arrepiei.

Estranho!

Como a aula de hoje foi transferida para final de tarde, e eu já estava com meu trabalho pronto, fiquei tranquila durante o resto do dia, mas foi uma tranquilidade diferente, um pouco nervosa, eu diria.

Estranho!

Qual não é minha surpresa quando eu entro na aula e tem um manequim branco, nu, pálido e sem vida em pé me olhando do lado do quadro-negro.

Tentei fingir que estava bem, mas não aguentei a pressão. Entreguei meu trabalho sobre o conto pro professor e fui embora. Ninguém entendeu nada, nem eu queria que entendessem. Certo que me acharam “estranha”.

É...

hoje eu desandei legal!

No documento O processo criativo e seus caminhos (páginas 128-131)