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3. O TURISMO EM RESORTS E O CLUB MED NO NOVO MILÊNIO

3.1. Cap Sur L’incomparable

A primeira etapa do Cap Sur L’incomparable foi a reforma do parque hoteleiro e a venda das unidades que não se encaixavam no novo perfil de serviços da rede e dos destinos de alto padrão. Isso porque, em sua fase de expansão, a rede não teria se preocupado em preservar o mesmo padrão de qualidade em seus villages, tendo em seu portfólio desde hotéis de alto padrão a acampamentos. No diagnóstico da rede, esta discrepância causava uma confusão para o consumidor. Em 2000, eram 122 villages em operação. Nove anos depois, existem cerca de 80 em todo o mundo.Na segunda etapa, a direção do Club Med refez o planejamento de marketing, produziu uma nova logomarca, lançou novo website com a possibilidade de se fazer reservas online e atualizou dos materiais de divulgação a esta nova estratégia. A campanha publicitária deste período, chamada “Faces”, foi vencedora da 52ª edição do Festival de Cannes, em 2006, na categoria criatividade. A campanha contém 11 faces ocultas em paisagens paradisíacas, localizadas nos destinos exóticos da rede, que são reveladas em tomadas aéreas. O slogan ““It's not where you go, it's who you meet” busca atrair um público menos “popular” para a rede.

O slogan desta campanha é emblemático para indicar a mudança no perfil de cliente que a rede busca atrair nesse momento. Durante a maior parte de sua existência, em especial

na sua fase inicial, a comercialização do villages era baseada principalmente na mensagem de que o Club Med era um lugar que reunia a todos, independentemente de classe social. Esse posicionamento, inclusive, foi questionado por alguns autores, como Ellen Furlough citada anteriormente. Para a historiadora, o Club Med desde o seu início foi uma experiência restrita a uma classe média branca. A frase “não é para onde você vai, mas quem você encontra” remete claramente a mensagem de que o hóspede encontrará um público seleto nos villages, seus pares sociais.

Com aproximadamente 20 mil profissionais em todo o mundo, o Club Med também treinou as equipes para se adequarem à nova estratégia. Por meio de publicações periódicas e sistemas de e-learning, o treinamento tinha como eixos centrais “vender” para clientes mais selecionados e com serviços personalizados, “gerir” com mais eficiência, reduzindo custos de operação e administração, e “desenvolver talentos”, oferecendo para os profissionais cursos de idiomas (francês e inglês) e em suas respectivas áreas de atuação. A estratégia adotada em todo o mundo foi tema de matéria no jornal francês Le Figaro180 que explicou o impacto dessa mudança na gestão dos recursos humanos.

Derrière cette appellation se cache une mutation en profondeur de l’inventeur du concept de club de vacances. Fini la période du marché de masse, l’heure est désormais à une offre beaucoup plus luxueuse. « Je me souviens encore de ce petit déjeuner fondateur à la Coupole, se rappelle Olivier Sastre, DRH du groupe. Là nous avons ébauché la direction à suivre : un Club haut de gamme, convivial et multiculturel. » Malgré cette impulsion, les choses n’ont pas été évidentes pour autant. (..) Malgré toutes ces mutations, le Club tient à conserver son âme. « Plus on change, plus on a besoin de points de repère », rappelle Olivier Sastre. Les rencontres avec les collaborateurs ont ainsi permis de définir en commun les cinq valeurs essentielles de la société : multiculturel, esprit pionnier, gentillesse, liberté, responsabilité. Il a ensuite fallu réorganiser l’ensemble des ressources humaines. La montée en gamme s’accompagne forcément d’un développement des compétences et de la formation. C’est à cette occasion qu’a été lancée l’Université des talents : un centre de formation maison qui annonce la couleur. Désormais au Club Med, on ne parle plus de « compétences » mais de « talents ».

Ou seja, ao mesmo tempo em que a rede anuncia passar por um período de profundas transformações reafirma os atributos que considera como os valores que nortearam a criação do Club Med. A mensagem para o cliente e potenciais GMs é a de que a rede nessa nova estratégia de negócio deixou de apostar no volume de negócios para investir na exclusividade. Ou seja, a intenção não é mais ser a maior rede de resorts do mundo, mas se tornar a principal especialista na comercialização de férias “multiculturais, de

180http://www.lefigaro.fr/emploi/2006/10/23/01010-20061023ARTWWW90462-

convivência e de alto padrão”, buscando, dessa forma, ocupar um lugar diferenciado em relação aos seus concorrentes.

Para sofisticar o produto, a rede passou a oferecer “amenidades” para os clientes. Foram criados serviços especiais para bebês e adolescentes. Para crianças até 23 meses, a rede oferece os serviços “Club Med Baby Welcome” que inclui no pacote materiais de puericultura à disposição dos pais, alimentação adaptada, carrinho de bebê e brinquedos. Um serviço a parte é Pyjamas Club no qual os GOs colocam o bebê para dormir. Para crianças até quatro anos existe o “Petit Club Med” e, até 11 anos, o “Mini Club Med”, que inclui aulas de esportes e até escola de circo. Na faixa etária entre 11 e menos de 18 anos, a rede oferece o “Passworld”, novo serviço voltado para público adolescente que é definido no catálogo Tridente 2007/2008 como um “espaço exclusivo nas proximidades do centro do village dedicado aos jovens (...). Eles descobrem atividades criativas, esportivas, artísticas ou, simplesmente, o prazer de ficar à toa (...)”. Além dos diversos esportes oferecidos (roller, escaladas, vela, esqui aquático, windsurfe etc), os adolescentes contam com diversas opções de atividades, desde experimentar ser DJ, ator, diretor de cinema e cantor a fazer jóias, tatuagens e objetos artesanais, entre outras. À noite são programadas para este público festas e/ou exibição de filmes na praia. O catálogo complementa “para a faixa entre 11 e 18 anos, o Club Med propõe tudo sem nada impor. Um verdadeiro estado de espírito livre e exclusivo que encanta a galera”.

A inclusão de todos esses serviços é realizada para alinhar o produto ao público família, conforme dito anteriormente, dissociando de forma “sutil” da idéia de um paraíso no qual a libertinagem seria permitida. Registro que esta é uma observação desta pesquisa e não está presente na fala dos executivos. Outras “amenidades” incluem a opção dos clientes escolherem quartos com variadas localizações e tamanhos, além de bebidas e petiscos nos bares (Bar & Snacking). Estas ofertas permitiram que a rede aumentasse o valor de suas diárias e, conseqüentemente, a rentabilidade.

A oferta dos villages também foi modificada. Os hotéis passaram a ser apresentados de acordo com a classificação, inicialmente, por “prazeres”. A rede oferece cinco propostas para cada perfil de hóspede: O Prazer de Viver o Excepcional, O Prazer de Desafiar sua Energia, O Prazer de se Renovar, O Prazer de Degustar Todos os Momentos e O Prazer de Descobrir. Com o lançamento da campanha “Um mundo de Felicidade”, em 2008, a segmentação continua a mesma, mas ao invés de chamar atenção do potencial

cliente para “o prazer” destaca-se a felicidade. Assim, os produtos passaram a ser comercializados como: Felicidade de Viver o Excepcional, Felicidade de Degustar todos os Momentos, Felicidade de Descobrir, Felicidade de Desafiar a sua energia e Felicidade de se Renovar.

Viver o Excepcional inclui os villages com o mais alto padrão, com quatro Tridentes181, de decoração, serviços, gastronomia e localização. O quarto village brasileiro, que será construído na Praia do Peró, deve ser encaixado nesta categoria. No catálogo Tridente 2006/2007, estes hotéis são apresentados como locais de exceção e se caracterizam pela “majestade” da localização, da arquitetura e da decoração. A mensagem vendida é o que GM é o verdadeiro rei destes palácios. Desafiar sua Energia, que contempla Itaparica, tem como característica a qualidade e variedade das atividades esportivas; Renovar faz referência aos villages com spa e atividades de bem estar, como em Trancoso; Degustar Todos os Momentos, do qual faz parte o village de Rio das Pedras, considerados os mais indicados pela rede para as famílias, adultos e crianças; e Descobrir, por se encontrarem em regiões com opções de excursões. Registra-se a forma pela qual os hotéis desta categoria são vendidos. Segundo a rede, estes villages “permitem uma abertura para os países que o recebem. Excursões e circuitos monitorados por guias turísticos apaixonados por sua profissão convidam você [turista] a explorar as regiões e entrar em contato com seus habitantes”182.

Essas classificações por prazeres e felicidades, embora sejam gerais, indicam o quanto a atuação da rede em nichos de mercado é uma das principais ferramentas utilizadas para fidelização dos seus clientes. A promoção para o público da Terceira Idade também pode ser outro exemplo de como atrair turistas que, supostamente, não estariam no perfil da rede, mas que possuem reservas financeiras suficientes para disponibilizar nos resorts. Conforme apontado anteriormente, a rede também dedica especial atenção às crianças, para que os pais possam “se divertir ou relaxar sem se preocupar com os filhos”.

A segmentação da rede é importante para compreender a forma como grupo francês quer posicionar seu produto no mercado e se relacionar com seus clientes. Conforme

181 A rede não adota o padrão de classificação hoteleira por estrelas. Os villages do Club Med são

definidos por Tridentes.

182 A forma pela qual a brochura descreve o serviço remete ao conceito de “bolha turística” que será

aponta Moraes183, as empresas podem adotar duas estratégias de marketing: a difusão e a segmentação. A estratégia de segmentação do Club Med não é única no mercado turístico. Podemos inscrevê-las no fenômeno que, segundo Moraes, ocorre a partir da década de 90 com a mudança do comportamento do turista em relação ao consumo. Essa transformação inclui a desmassificação do mercado na medida em que a produção em massa dá lugar a uma segmentação “quase infinita de produtos e serviços e a dominação de uma economia supersimbólica na qual o valor da empresa passa a ser determinados pela capacidade de criar novos produtos adaptados para este mercado heterogêneo”184. Com a grande competição internacional, capta mais clientes a rede que consegue inovar constantemente.

Paralelamente à implantação do Cap Sur L’incomparable, o Club Med realizou pesquisas com seus consumidores. Segundo a rede, o número de clientes “muito satisfeitos” aumentou em todas as regiões do mundo, chegando à média de 41%, sendo que os villages de padrão mais elevado e preços mais elevados conseguiram obter um índice de satisfação plena ainda maior que a média.

Em 2007, a rede lançou a campanha Magellan que remete ao navegador português Fernão de Magalhães. A ele é atribuída a primeira viagem circum-navegação da história, de 1519 a 1522. Partindo da Espanha para o Oeste, ele foi o primeiro europeu a navegar no oceano pacífico e a chegar às Ilhas Filipinas. De acordo com o grupo francês:

a analogia pretende fazer com as equipes entendam que é possível inovar mesmo diante de um panorama que leve a crer que tudo o que havia para inventar e criar já fora feito. A proposta de um serviço de luxo que agregue no mesmo ambiente pessoas de diferentes culturas e crenças é uma aposta inovadora185.

Será esta uma nova etapa da reconfiguração da aventura colonialista sugerida por Furlough? Apesar da relevância da análise apresentada pela autora, o mercado brasileiro de resort e o público interno do país que consume o produto Club Med parecem indicar outros caminhos para a discussão. Em vez do exótico, a busca por lugares seguros e, principalmente, a vivência de boas experiências e sensações,

183 MORAES, Claudia Corrêa de Almeida. Turismo- segmentação de mercado: um estudo introdutório in

Turismo: segmentação de mercado / Marília Gomes dos Reis Ansarah (org.). São Paulo: Futura, 1999.

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simbolizada pelos resorts, parecem ser um dos principais indicativos da procura por esses espaços. Esses aspectos serão retomados adiante.