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Capacidade contributiva e o princípio da vedação ao confisco

No documento PROGRAMA DE PÓS (páginas 63-69)

2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE INFORMAM UMA TRIBUTAÇÃO

2.5 O princípio da capacidade contributiva

2.5.3 Capacidade contributiva e o princípio da vedação ao confisco

Se, por um lado, a capacidade contributiva impende a proteção do mínimo existencial, tornando intributável parte da riqueza indispensável a sobrevivência humana digna, por outro lado, proíbe que a tributação do excedente de riqueza ultrapasse o limite da capacidade econômica contributiva a ponto de se considerar confiscatório. Portanto, a vedação de tributo com efeito de confisco é, pois, uma decorrência lógica do princípio da capacidade contributiva, pois a exação que ultrapasse a capacidade de contribuir denotará caráter confiscatório.

Cabe, preliminarmente, esclarecer o conceito do vocábulo confisco, Castilho (2002, p, 36-37) concebe a seguinte acepção de confisco: “Confisco, ou confiscação, é o vocábulo que se deriva do latim “confiscatio”, de “confiscare”, tendo o sentido de ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentença judiciária, fundados em lei”. Enfim, “confiscar é tomar para o fisco, desapossar alguém dos seus bens em favor do Estado”

(AMARO, 2006, p.144).

10 Art. 15. Compete à União decretar impostos sobre:

[...]

§ 1º - São isentos do imposto de consumo os artigos que a lei classificar como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica.

A regra geral, nos ordenamentos jurídicos, é a proibição do confisco. No Brasil, por exemplo, a Constituição garante o direito de propriedade no art. 5º, XXII e art.

170, II e veda o confisco ao estabelecer, no art. 5º, XXIV, prévia e justa indenização nos casos que autoriza a desapropriação de bens. Confisco, portanto, é a subtração de bens de propriedade particular, em benefício do Estado, sem justa indenização.

Entretanto, a Constituição permite, como pena acessória, a perda de bens do condenado, em favor do Estado, na forma prevista em lei (art. 5º, XLV e XLVI, b).

Assim, a exceção só é admitida na forma de sanção por ato ilícito.

O confisco, portanto, distingue-se conceitualmente de tributo, por apresentar natureza de sanção, algo que, por definição, é vedado aos tributos. O tributo é uma imposição pecuniária que não constitua sanção de ato ilícito.

Derzi (2010) faz uma interessante distinção, com base na corrente doutrinária formal (que desvincula as normas tributárias daquelas reguladoras dos direitos e garantias fundamentais), esclarecendo que “tributo é, tecnicamente, uma obrigação legal, de caráter pecuniário, enquanto desapropriação é forma originária de aquisição de propriedade, e o confisco, espécie de sanção”. Portanto, trata-se de

“três institutos distintos e paralelos, sem ponto de contato”.

Analisando o enunciado do art. 150, IV, que dispõe sobre a vedação do tributo com efeito de confisco, tecnicamente, deduz-se que o tributo não se confunde com o confisco, porém, a instituição de tributos excessivamente onerosos pode acarretar a perda de patrimônio, da propriedade, o que geraria efeitos semelhantes ao do instituto do confisco.

A tributação em si não tem a natureza de confisco, aliás o dever fundamental de pagar tributo é o preço para se garantir a própria liberdade. Célebre, e ainda atual, é a clássica afirmação de Montesquieu (1996, p. 228) de que: “Podem-se cobrar tributos maiores na proporção da liberdade dos súditos; e forçados a moderá-los à medida que a servidão aumenta [...]”.

Coêlho (2008, p. 275) aponta uma estreita relação entre a vedação do tributo com efeito de confisco e o direito de propriedade ao concluir que: “Se não se admite a expropriação sem justa indenização, também se faz inadmissível a apropriação através da tributação abusiva”.

Questão espinhosa é saber até que ponto a tributação pode avançar sobre o patrimônio do cidadão, sem que se configure confisco. Não há norma jurídica regulando especificamente o limite quando, por meio de tributo, se atinja o campo do

confisco. Existem situações que podem caracterizar o confisco, como, por exemplo, o imposto que absorvesse toda a renda do contribuinte; o tributo que tomasse parcela substancial do patrimônio. Mas não existe um percentual a partir do qual o imposto passa a ser considerado confiscatório (AMARO, 2006).

Amaro (2006, p. 145), esclarecendo as dificuldades de se estabelecer um parâmetro para delimitar a natureza confiscatória do tributo, aduz que:

O princípio da vedação de tributo confiscatório não é um preceito matemático; é um critério informador da atividade do legislador e é, além disso, preceito dirigido ao intérprete e ao julgador, que, à vista das características da situação concreta, verificarão se determinado tributo invade ou não o território do confisco.

Baleeiro (2010, p. 900-901) concebe como tributo de natureza confiscatória “os que absorvem parte considerável do valor da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem exercício de atividade lícita e moral”.

Depreende-se de todo o exposto, que o princípio que veda a utilização do tributo com efeitos confiscatórios não impede uma carga tributária elevada, mas aquela que, no caso concreto, é capaz de subtrair a propriedade, inviabilizar atividades profissionais ou econômicas das pessoas físicas ou jurídicas.

Ademais, há determinadas hipóteses em que a tributação severa se justifica, por razões de política fiscal, como, por exemplo a tributação com finalidades extrafiscais. Costuma-se denominar extrafiscal o tributo que não tem a finalidade precípua de prover o Estado de meios financeiros, mas antes visa, preponderantemente, intervir em situações econômicas ou sociais. Pode-se citar alguns exemplos como os impostos que visam ordenar a propriedade de acordo com a sua função social, os que visam intervir em circunstâncias conjunturais ou estruturais da economia e, também, aqueles impostos proibitivos que visam desestimular o consumo de produtos supérfluos ou que são prejudiciais à saúde humana.

Assim, há muito, percebeu-se que os tributos não são totalmente neutros e com a intensificação e aprofundamento dos estudos econômicos e financeiros, mais especificamente nas Ciências das Finanças, revelou-se as extraordinárias funções dos impostos para atingir finalidades diversas da mera arrecadação de recursos para manutenção da máquina estatal. Agora, o Estado não arrecada tributos apenas para obter receitas (finalidade fiscal), mas também para perseguir objetivos outros

(finalidade extrafiscal) como as barreiras alfandegárias, o equilíbrio da balança comercial, repressão à poluição, a redistribuição de rendas, a diminuição das desigualdades sociais e regionais, entre outros (TIPKE; YAMASHITA, 2002).

Cabe esclarecer, entretanto, que a capacidade contributiva restará satisfeita pela tributação proporcional à riqueza manifestada por cada um. É o que se denomina proporcionalidade tributária. A proporcionalidade tributária, tecnicamente, consiste na utilização de uma alíquota ou percentual sempre uniforme e invariável, qualquer que seja o valor da riqueza a ser tributada. Técnica muito utilizada na Idade Média, mas que não é considerada idônea a atender o princípio da capacidade contributiva, principalmente, diante do novo contexto constitucional contemporâneo que instaurou um novo modelo de Estado Social Democrático de Direito no qual se deve perseguir uma igualdade material e não apenas formal. Para isso, faz-se mister reduzir as desigualdades sociais existentes na sociedade e a progressividade tributária surge como instrumento mais adequado para realização desse desiderato.

Entendendo da mesma forma, Costa (2002, p. 78-79) reforça a importância da progressividade tributária como instrumento mais apropriado à realização da igualdade material, ao afirmar que:

Com efeito, se a igualdade, na sua acepção material, concreta, é o ideal para o qual se volta todo o ordenamento jurídico-positivo, a progressividade dos impostos é a técnica mais adequada ao seu atingimento. Isto porque a graduação meramente proporcional à capacidade contributiva dos sujeitos não colabora para aquele fim. Diversamente, na tributação progressiva aqueles que detêm maior riqueza arcarão efetivamente mais pelos serviços públicos em geral, em favor daqueles que pouco ou nada possuem, e, portanto, não podem pagar.

A progressividade tributária exige que a tributação seja mais do que proporcional à riqueza de cada um. E isso pode ser operacionalizado aplicando-se alíquotas mais elevadas, numericamente, à medida que aumenta a riqueza a ser tributada. Isso produz um efeito redistributivo capaz de amenizar as desigualdades sociais. É o que se pretende investigar neste trabalho e, mais especificamente, com relação à tributação progressiva da Renda.

3 A TRIBUTAÇÃO PROGRESSIVA NO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO

Atualmente o estudo do princípio da capacidade contributiva acendeu o debate sobre qual critério ou instrumento é mais adequado a sua realização. Será suficiente uma tributação proporcional em que o tributo cresce na mesma proporção da riqueza que se tributa? Será que essa forma de tributar realiza a equidade vertical e alcança a isonomia tributária?

A progressividade tributária para muitos, trata-se de um princípio instrumental da capacidade contributiva e para outros, um critério ou técnica de tributação. A tributação progressiva consiste na aplicação de alíquotas adequadas à base de

cálculo, portanto, trata-se de uma técnica tributária instrumental para concretização do princípio da capacidade contributiva ao aplicar alíquotas maiores à medida que se aumenta a base de cálculo do imposto. Em relação ao imposto de renda, por exemplo, quanto mais alta a renda mais elevada será a alíquota a ser aplicada.

A Constituição consagrou vários critérios técnicos no sentido de se implantar um sistema tributário mais justo. Esses critérios técnicos são instrumentos normativos vinculados aos meios e fins constitucionais e devem ser aplicados pelo legislador ordinário sob pena de inconstitucionalidade. Esses instrumentos técnicos permitirão a intervenção econômico-social, induzindo, incentivando ou inibindo comportamentos por meio da carga tributária menor ou mais gravosa. Dentre esses instrumentos técnicos, um dos mais importantes é o da progressividade cuja finalidade é buscar a justiça distributiva ao tributar com maior intensidade os mais ricos para transferir para as camadas mais pobres em forma de bens ou serviços.

Como exemplo, tem-se a utilização da alíquota progressiva dos impostos sobre a renda.

O Sistema Tributário pode e deve ser utilizado como instrumento de redistribuição da renda e da redução das desigualdades, pois, afinal os recursos arrecadados junto à sociedade – através de tributos – retornam em seu próprio benefício. E isso se faz por meio de gastos sociais e também por uma tributação progressiva, cobrando mais dos que tem maior capacidade econômica contributiva, sem descurar do princípio da vedação ao confisco e, também, aliviando o peso dos mais necessitados, preservando, assim, o mínimo existencial.

O artigo 145 da Constituição de 1988 determina que a progressividade seja obrigatória, permitindo auferir a capacidade contributiva do contribuinte. Assim, a tributação deve ser preferencialmente direta, de caráter pessoal e progressiva, de modo a alcançar a justiça social por meio de tratamento tributário equânime. Justiça tributária implica, pois, que o Estado possa instituir um sistema tributário que, dentre outras condições, assegure que todos contribuam em conformidade com os seus recursos. A progressividade tributária pressupõe que a relação tributo versus capacidade contributiva aumente com o nível de renda, isto é, a medida em que se aumenta a base de cálculo aumenta-se contribuição de modo mais que proporcional.

Uma questão muito importante, para presente pesquisa, consiste em demonstrar um fundamento que justifique a necessidade da utilização da progressividade, nos sistemas tributários atuais. No item seguinte analisar-se-á

algumas teorias que foram utilizadas para fundamentar uma tributação baseada na progressividade dos impostos.

No documento PROGRAMA DE PÓS (páginas 63-69)