• Nenhum resultado encontrado

O período pós-Segunda Guerra Mundial foi marcado pelas características assumidas pelo capitalismo após o grande desenvolvimento das forças produtivas que a guerra proporcionou na economia dos Estados Unidos. Um novo cenário marcado pela intensificação do processo de monopolização, centralização e concentração da produção por parte das empresas multinacionais promovia transformações substanciais nos países latino-americanos. Transformações que “reorientaram o sentido da industrialização nos países nos quais esta já havia começado, e iniciavam e orientavam a industrialização em vários países que até então não tinham desencadeado este processo.” Papel fundamental nesse processo foi desempenhado pela “aplicação dos investimentos das grandes empresas estrangeiras, particularmente, as estadunidenses, no setor manufatureiro” (BAMBIRRA, 2009: 33).

Ao mesmo tempo, na década de 1950, os países europeus e, em menor medida o Japão, recuperavam o potencial de suas economias devastadas pela guerra. Muitas multinacionais destes países passaram a competir com as empresas norte-americanos em setores significativos como o automobilístico e o siderúrgico. Nesse contexto, sobretudo na primeira metade da década, havia uma crescente disponibilidade de financiamentos públicos e privados, multilaterais ou bilaterais, que permitiam a expansão dos capitais estrangeiros para as regiões periféricas, entre essas a América Latina. Um fator que vinha ao encontro das propostas desenvolvimentistas dos governos Frondizi e Kubitschek.

Em meio a este processo, o capital estrangeiro passou se constituir em um importante objeto discursivo, principalmente, como delimitador dos grupos políticos. Os debates em torno da sua necessidade ou não, da função que desempenhava nas sociedades latino- americanas, de seu papel como instrumento do desenvolvimento nacional ou de manutenção e aprofundamento da dependência, polarizavam intelectuais, partidos e frentes políticas, empresários e sindicalistas, na quase totalidade dos países da América Latina. Termos como entreguistas, vendepatrias, xenófobos, entre outros, faziam parte do vocabulário político que

reproduzia tal polarização. No Brasil esta disputa assumia a forma nos grupos: nacionalistas e cosmopolitas. Uma divisão que representava não somente a oposição entre liberais e desenvolvimentistas, mas também, uma outra divisão dentro do próprio campo desenvolvimentista.

Apesar de haver concordâncias com relação ao núcleo básico desenvolvimentismo, qual seja, a industrialização promovida pela ação estatal, os diferentes desenvolvimentistas discordavam quanto a participação do capital estrangeiro e o grau de participação do Estado na economia. Foi a partir dessas discordâncias que Bielschowsky (1998) propôs a divisão dos grupos desenvolvimentistas brasileiros entre desenvolvimentistas do setor privado e desenvolvimentistas do setor público, e dentro deste último grupo a subdivisão “nacionalistas” e “não-nacionalistas”. Mesclando esta divisão proposta pelo autor com a tipologia da polarização nacionalistas e cosmopolitas, pode-se afirmar que o primeiro grupo era composto pelos “nacionalistas” do setor público. Tal grupo defendia uma maior intervenção do Estado e uma menor participação do capital estrangeiro na economia. Entre os cosmopolitas, por sua vez, estavam os desenvolvimentistas do setor privado, os “não- nacionalistas” do setor público e, especificamente, nos debates sobre o capital estrangeiro, os neoliberais. Esse grupo confiava mais na iniciativa privada e defendia uma maior participação do capital estrangeiro na economia.

Apesar de tal tipologia ter adquirido força usual no Brasil, essa pode muito bem ser generalizada para outros países da América Latina. Na Argentina, mesmo com o desenvolvimentismo não se constituindo como pensamento hegemônico69, a questão relacionada aos capitais estrangeiros gerava divergência entre os desenvolvimentistas cepalinos e os desenvolvimentistas frondicistas e frigeristas. O primeiro grupo se concentrava no Governo da Província de Buenos Aires, sobretudo, na Junta de Planificación Económica, cujos principais expoentes eram o governador Oscar Allende e o ministro da economia provincial Aldo Ferrer. Defendiam a necessidade de o Estado fazer esforços no sentido de utilizar recursos públicos nas atividades consideradas fundamentais para o desenvolvimento como petróleo, carvão e aço. Outros grupos também se somavam a essa posição como os ex- forjistas70 Arturo Jauretche71 e Raúl Scalabrini72 (BOSSIO, 2014) e a corrente do radicalismo

69 Carlos Altamirano (1998) afirma que tanto no exército, como no meio empresarial, como na imprensa, havia um predomínio das ideias liberais.

70 A Fuerza de Orientación Radical de la Joven Argentina – FORJA, foi um movimento composto por personagens importantes da intelctualidade e da política argentina, como Arturo Jauretche, Homero Manzi, Luis Dellepiane, Gabriel del Mazo, Raúl Scalabrini Ortiz, Manuel Ortiz Pereyra entre outros, fundado em 1939, a

de Córdoba, liderada por Amadeo Sabattini73. Porém, diferentemente dos desenvolvimentistas cepalinos e dos ex-forjistas, que apoiaram a eleição de Frondizi, os sabattinistas desde 1956 se somaram ao grupo radical de oposição aderindo inclusive, quando da divisão partidária, à Unión Cívica Radical del Pueblo de Ricardo Balbín74 (UZAL, 1989). Entre os sabattinistas estava o futuro presidente argentino Arturo Illia75 que em seu mandato (1963-1966) revogou as concessões de exploração do petróleo por empresas internacionais feitas no governo Frondizi.

No peronismo as posições sobre o capital estrangeiro refletiam uma certa ambiguidade. O segundo governo Perón, como proposta de enfrentamento da crise econômica, tomou um conjunto de iniciativas favoráveis ao capital estrangeiro, tais como: um acordo com a California Petroleum Company para exploração do petróleo; busca de créditos junto ao Eximbank; elevação do limite de remessas de lucros para o exterior; e acordos com as multinacionais Mercedes Bens e Kaiser Motors para o estabelecimento de uma indústria automobilística na Argentina (RAPOPORT, 2007). Apesar destas sinalizações de uma flexibilização no perfil nacionalista do movimento, em 1957, as 62 Organizaciones Gremiales Peronistas em seu Programa de La Falda76 propuseram uma série de medidas nacionalizantes como: o controle estatal do comércio exterior sobre a base de um monopólio estatal; a liquidação dos monopólios estrangeiros de importação e exportação; a denúncia de todos os

partir de uma ruptura com o radicalismo. O grupo propunha um nacionalismo democrático de esquerda em oposição tanto ao liberalismo, quanto aos grupos nacionalistas conservadores. Ver: SCENNA, 1983.

71 Arturo Jauretche foi escritor e político argentino, primeiramente ligado ao radicalismo, com quem rompe em 1939 e adere a FORJA. Em 1945, junto com os demais forjistas irá aderir ao peronismo autuando inclusive como presidente do Banco da Província de Buenos Aires entre 1946 e 1951, se distanciando do governo peronista quando da saída do então presidente do Consejo Económico Nacional, Miguel Miranda. Porém, não aderiu a oposição ao governo de Perón e foi contrário ao movimento e ao governo da Revolução Libertadora. Ver: SCENNA, 1983.

72 Raúl Scalabrini Ortiz foi escritor e historiador argentino, tendo se destacado na corrente revisionista da historiografia argentina. Foi fundador da FORJA, apoiador do peronismo, porém, diferente de outros forjistas nunca ocupou cargo no governo. Se destacou como forte opositor da Revolução Libertadora, sobretudo, durante o governo Aramburu. Ver: SCENNA, 1983.

73 Amadeo Sabattini foi médico e político, principal líder da União Cívica Radical na província de Córdoba, onde foi governador entre 1937-1940. Ver: UZAL, 1989.

74 Ricardo Balbín foi advogado, deputado provincial em Buenos Aires e deputado nacional, quando participou junto com Frondizi do “Bloco dos 44”, principal grupo de oposição ao governo peronista. Também juntamente com Frondizi participou da fundação do Movimiento de Intransigencia y Renovación – MIR, que propunha novas bases políticas e programáticas ao radicalismo. Foi candidato a presidência pela UCR, tendo Frondizi como companheiro de chapa, em 1951, sendo derrotado por Perón. Participou ativamente e apoiou incondicionalmente os governos da Revolução Libertadora, o que levou a um distanciamento em relação ao grupo frondicista e a posterior ruptura da UCR. Ver: UZAL, 1989.

75 Arturo Illía foi médico e político originado da UCR de Córdoba. Foi presidente da Argentina entre 1963 e 1966, quando foi deposto pelo golpe que iniciou o governo ditatorial do general Juan Onganía. Ver: Romero, 2006.

76 O Programa de La Falta foi definido no Plenario Nacional de Delegaciones Regionales de la CGT y de las 62 Organizaciones realizado em 1957, em La Falda, Córdoba.

pactos lesivos à independência nacional; uma política energética nacional, com a nacionalização das fontes naturais de energia e sua exploração em função das necessidades de desenvolvimento do país; e a nacionalização dos frigoríficos estrangeiros (BASCHETTI, 2012: 123-124).

Esta contradição entre as ações do segundo governo Perón e o Programa de La Falda proposto pelo sindicalismo refletia a indefinição programática inerente ao próprio peronismo. Uma indefinição que se acentuava diante da ausência da figura do líder em territórios argentinos e as disputas pelos rumos do movimento entre os grupos neoperonistas e os peronistas “duros”.

Uma ambiguidade que esteve presente nas condições impostas pelo peronismo que se tornaram compromisso no documento do Pacto Perón-Frondizi que garantiu o apoio do movimento a candidatura de um dos líderes da oposição ao governo peronista deposto em 1955. Entre as medidas que seriam adotadas pelo futuro presidente argentino estava a “Revisión de todas las medidas de carácter económico adoptadas desde el 16 de septiembre de 1955, lesivas a la soberanía nacional, y aquellas que determinaron un empeoramiento de las condiciones de vida del pueblo”. Sem definir uma posição sobre o capital estrangeiro o documento propunha ainda como de “fundamental urgência”: o restabelecimento da reforma bancária de 1946, a estruturação de uma política econômica de pleno emprego e o amplo estímulo à produção nacional, a elevação do nível de vida das classes populares e a garantia dos regimes de previdência social (COOKE, 2007: 656-657). Dessa forma, o peronismo se somava como o garantidor dos votos que possibilitaram a eleição de Frondizi sem propriamente definir uma posição unificada em relação ao papel do capital estrangeiro na economia nacional.

No Brasil, onde o sistema partidário era muito mais sólido do que o argentino, o Partido Trabalhista Brasileiro, mesmo com certa ambiguidade, demonstrou uma posição mais definida em relação ao capital estrangeiro em sua proposta de programa mínimo como condição para a aliança eleitoral com o Partido Social-Democrático de Kubitschek. Entre os pontos elaborados pela comissão formada pelos chamados petebistas “doutrinários”, entre esses Fernando Ferrari77 e Alberto Pasqualini78, estava a “Defesa da liberdade, garantia ao

77 Fernando Ferrari foi economista, deputado estadual no RS, entre 1947 e 1951, deputado federal, entre 1950 e 1963, quando acabou falecendo após um acidente aéreo. Em 1960, rompeu com o PTB por divergências com João Goulart e Leonel Brizola e passou a fazer parte do Movimento Trabalhista Renovador – MTR. Foi candidato a vice-presidente em 1960 e a governador do RS em 1962. Em 1955, foi um dos grandes responsáveis

trabalho e combate aos trusts”. Nesse ponto constavam a “defesa constante dos direitos dos trabalhadores e da economia nacional, particularmente no tocante a manutenção do monopólio do petróleo, à criação da Eletrobrás e ao combate aos trustes” (D’ ARAUJO, 1996: 107).

Em resposta ao programa mínimo do PTB, o então candidato ressaltou as consequências nacionalistas do seu programa de desenvolvimento, afirmando que, mais cedo ou mais tarde, “o investimento estrangeiro traria a independência econômica do Brasil através da construção de uma indústria nacional”. Ao mesmo tempo, confessou-se “ardente defensor da Petrobrás (embora as despesas de combustível do avião que ele utilizou na campanha tenham sido pagas por uma firma estrangeira de petróleo)”. Ao estabelecer esse limite ao capital estrangeiro, Kubitschek conseguiu, apesar de ser uma candidatura apoiada essencialmente por latifundiários, empresários e industriais do PSD, o apoio de um partido de fortes bases sindicais e, principalmente, a inclusão do herdeiro político do getulismo, João Goulart como candidato a vice-presidente na sua chapa (RIEDINGER, 1988: 160-161).

Obviamente, a questão programática não foi o único motivo para a aliança PSD-PTB na candidatura e no governo Kubitschek, pelo acordo eleitoral ficou também estabelecido que os trabalhistas ocupariam o Ministério do Trabalho e os órgãos ligados a previdência social. No primeiro ano e nos últimos do governo, o PTB ainda ocupariam o Ministério da Agricultura, primeiramente com Ernesto Dorneles e depois com Barros de Carvalho (BENEVIDES, 1976). Apesar deste outro e significativo fator, a defesa do papel do capital estrangeiro feita pelo futuro presidente junto aos trabalhistas indicava um dos principais argumentos de seus discursos presidenciais: o do capital estrangeiro como um auxiliar na tarefa de acelerar o desenvolvimento nacional.

Em seu balanço de seis meses de governo, realizado em 31 de julho de 1956, o presidente brasileiro, falando através da “Voz do Brasil”, afirmou que “quase todos” reconheciam “a necessidade em que nos achamos de receber capitais de fora, em que o

por aprovar na convenção do PTB uma resolução onde qualquer aliança eleitoral deveria ocorrer a partir de bases programáticas comuns. Ver: Lemos (2001).

78 Alberto Pasqualini foi advogado e professor, considerado um dos principais ideólogos do trabalhismo. Iniciou a carreira política como vereador em Porto Alegre pelo Partido Libertador, entre 1934 e 1937, tendo seu mandato interrompido com o Golpe do Estado Novo. Filou-se ao PTB em 1946, sendo candidato do partido ao governo do RS em 1947, quando foi derrotado por Walter Jobim do PSD. Em 1950, elegeu-se senador pelo mesmo Estado e tem destaca participação no projeto de criação da Petrobrás. Na busca da reeleição em 1954 é derrotado por Ildo Meneghetti do PTB. Esteve cotado para ser o candidato a vice-presidente em 1955. Em 1956, sofreu um derrame cerebral que o afastou da política e o levou a morte em 3 de junho de 1960. Ver: Grijó (2007).

dinheiro existente em outros países e que procura aplicação rentável venha ajudar o nosso desenvolvimento”. Era uma questão de “bom senso” e ninguém que o tenha poderia admitir que o Brasil deixasse de “disputar o auxílio de fora, não só no que toca aos investimentos financeiros, como também aos investimentos de técnicas”. Essa seria a “consciência” com que o governo agia, sem se refugiar “em doutrinas que importam no nosso isolamento, na restrição de nossa atividade, de nosso progresso, de nossa expansão harmonioso”. Dessa forma, o pensamento do governo seria o de “encorajar quem estiver disposto a colaborar com o Brasil, aqui investindo capitais em empreendimentos agrícolas e industriais”, para isso se pretendia “inaugurar uma política de segurança para o auxílio estrangeiro no campo da iniciativa privada” (KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, 1958a: 209-210).

Em que pese a importância dada neste discurso a necessidade de uma “política de segurança para o para o auxílio estrangeiro no campo da iniciativa privada” e o conjunto de medidas nesse sentido adotadas ao longo do governo Kubitschek, a principal medida que permitiu a penetração do capital estrangeiro no país é anterior ao governo. Em janeiro de 1955, ainda no governo Café Filho, o então ministro da Fazenda Eugênio Gudin implementou uma mudança cambial que modificou o quadro da economia brasileira, reduzindo consideravelmente o protecionismo que desde 1948 favorecia a indústria local, e se tornou extremamente útil para a execução do Plano de Metas. A Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito, a SUMOC, autorizou a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil, a Cacex, a emitir licenças para a importação de equipamentos para a indústria considerando-os como capitais investidos nas empresas, o que permitia seus ingressos no país sem a necessidade de cobertura cambial, ou seja, sem pagamentos de divisas e sem onerar a balança de pagamentos. Essa medida permitia ao investidor estrangeiro trazer o equipamento tanto para estabelecer uma nova empresa, como para ampliar uma empresa já existente. Tal medida representava um subsídio ao capital estrangeiro uma vez que, conforme Leopoldi (1991: 80), a “conversão do capital representado pelos equipamentos importados era feita pela taxa de cambio livre, o que equivalia a uma quantidade maior em cruzeiros”.

Assim, a Instrução 113 da SUMOC era um incentivo cambial para que empresas estrangeiras se instalassem no Brasil. Foi largamente utilizado pelo governo Kubitschek, sobretudo, na instalação de grandes complexos industriais. Vinha ao encontro ao objetivo do Plano de Metas, que “visava o aumento contínuo da capacidade de investimento no país, mediante a conjugação de esforços do capital privado (nacional e estrangeiro) com a assistência do setor público” (MOURA, 1991: 30). Mas acima de tudo representou um passo

decisivo na internacionalização da economia nacional e na caracterização do desenvolvimentismo de Kubistchek como um modelo de capitalismo associado.

O uso de tal medida proposta por um governo liberal, elaborada por um personagem identificado como “entreguista”, despertava fortes críticas, tanto por parte de setores da burguesia industrial paulista e do seu órgão de representação, a FIESP, como por parte dos setores nacionalistas que apoiaram a candidatura do presidente brasileiro. Por isso, a dupla função do discurso político do presidente brasileiro, de promover os valores que o emissor do discurso pretende atribuir a sua prática e de interpelar os sujeitos visando a adesão desses ao projeto político, tinha um direcionamento evidente: relativizar as críticas dos setores nacionalistas, positivando o papel desempenhado pelo capital estrangeiro na economia nacional.

Neste sentido, na Associação Comercial de Santos, em 25 de janeiro de 1957, Kubistchek (1958b: 32-33) defendeu ser forçoso que:

[...] nos capacitemos de que os melhores investimentos estrangeiros são os que visam ao lucro e que estes são sempre interessantes e os únicos e verdadeiramente desejáveis para uma nação como o Brasil, uma grande nação como o Brasil. Necessitamos de capitais geradores, de capitais produtivos, de investimentos que venham a dinamizar o ativo de nosso país.

[...]. Os capitais que vierem ajudar-nos nessa conquista devem ser considerados amigos. Não há capital colonizador a não ser nas colônias. Num país como o Brasil o que é colonizador é a ausência de investimentos, ausência de emprego de capitais. Não somos mais nação colonizável. [...].

Somos uma nação que atravessa sérias dificuldades, mas já somos um país importante, mesmo com nossos erros, e o nacionalismo que se preza, o nacionalismo a favor e não contra a nação precisa crer que ninguém é bastante forte para desviar o Brasil do seu caminho, que nenhuma influência maléfica será capaz de impedir o surto do nosso desenvolvimento.

Na busca de rebater um dos principais argumentos dos nacionalistas, sobretudo, das esquerdas, que denunciavam o caráter imperialistas e neocolonial do capital estrangeiro, o presidente brasileiro reivindicava a condição de complementariedade de interesses entre o desenvolvimento nacional e a busca de lucros dos investidores internacionais. Nesta complementariedade estaria a natureza que o capital estrangeiro assumia junto ao projeto de aceleração do desenvolvimento nacional.

A defesa do caráter positivo do capital estrangeiro também esteve presente no discurso presidencial de 01 de agosto de 1957, quando, novamente através da “Voz do Brasil”, se pode ouvir em tom de comemoração o fato de que estávamos “conseguindo atrair substanciais massas de capitais estrangeiros que, aliando-se à poupanças aborígenes” vinham “acelerando o crescimento de nosso parque industrial”, o que levava “a produção interna de artigos anteriormente importados” (Idem: 163). Nesse discurso, Kubitschek tocava em um dos objetivos fundamentais do projeto desenvolvimentista: a substituição de importações a partir da criação ou ampliação da indústria nacional.

Tal objetivo poderia ser atingido não somente a partir de empresas nacionais, mas também mediante a incorporação de subsidiárias de empresas multinacionais a produção local. Um exemplo utilizado por Kubitschek foi o da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. Em discurso pronunciado em Monlevade-MG, quando da inauguração de melhoramentos em uma unidade da referida companhia em 18 de outubro de 1960, o presidente brasileiro afirmou que:

Quando se apregoa a necessidade do capital estrangeiro para acelerar os nossos planos de desenvolvimento – o capital que se radica no país e de modo positivo contribui para aumentar a nossa taxa de crescimento – é justo que se aponte, como exemplo de investimento sadio e reprodutivo, o que a Belgo-Mineira realizou no Brasil. (KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, 1961:365).

A Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira surgiu em 1921, quando da incorporação de capitais do grupo belgo-luxemburguês ARBED a então Companhia Siderúrgica Mineira, fundada em 1917. A usina de Monlevade-MG foi inaugurada em 1937 e se constituiu em uma das principais unidades de produção siderúrgica no Brasil79. A utilização dessa empresa como exemplo demonstra que na visão desenvolvimentista de Kubitschek a indústria nacional era entendida não pela origem de seu capital, mas sim, pelo seu local de produção e a oposição capital nacional x capital estrangeiro era substituída pela oposição importação x produção de manufaturas no país.

Conforme o diagnóstico desenvolvimentista um dos principais problemas do subdesenvolvimento era a dependência da importação de produtos manufaturados e da

79 Informações extraídas do site da empresa ArcelorMittal que hoje controla a antiga Companhia Belgo-Mineira: http://longos.arcelormittal.com.br/empresa/arcelormittal-acos-longos/linha-tempo . Acesso em 13/09/2018.

exportação de produtos primários e materiais primas. Um problema que vinha se agravando

Documentos relacionados