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1.2. O contexto histórico dos discursos desenvolvimentistas de Juscelino Kubitschek

1.2.1. O cenário internacional

No cenário internacional, a segunda metade da década de 1950 foi marcada pela possibilidade de um congelamento nos tensionamentos da Guerra Fria. A ideia de uma “coexistência pacífica” com vista a acomodação das áreas de influência soviética e norte- americana abria o caminho para a adoção da negociação em detrimento da hipótese do enfrentamento entre as duas potências. Uma proposição que ganhou força na URSS a partir de dois fatores: a morte de Stalin, em 1953, e o domínio da tecnologia bomba atômica, o que permitiu a igualdade de força bélica em relação aos Estados Unidos. Por sua vez, os Estados Unidos demonstraram que aparentemente havia abandonado a ideia da guerra preventiva, passando a reconhecer a existência de uma área de influência soviética, quando tiveram uma posição de neutralidade diante da Invasão da Hungria em 1956.

Paralelamente a este aparente congelamento do conflito entre as duas grandes potências do pós-Segunda Guerra, foram se produzindo rachaduras tanto no Bloco Capitalista, como no Bloco Socialista. No primeiro bloco, a França, sobre a presidência do general Charles De

Gaulle passou a adotar uma postura de independência nacional. Colocando o país fora da aliança que constituiu a Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, o gaullismo recusava o princípio de integração proposto pelo governo norte-americano, interpretando-o como um sistema de dependência prejudicial aos interesses econômicos franceses (DELMAS: 1979, 204). Outro país que também passou a buscar termos mais positivos de cooperação com os Estados Unidos foi o Japão. Ao iniciar a sua recuperação econômica, os japoneses passaram a sentir que uma posição mais autônoma era uma necessidade para a manutenção de um modelo de desenvolvimento que se pautava pela exportação de tecnologia.

Mas era na Europa que os sinais de independência, sem romper com o capitalismo, eram mais evidentes. Após o esgotamento do Plano Marshall e a emergência de sinais evidentes de recuperação econômica, os países da Europa Ocidental passaram a buscar um caminho autônomo de desenvolvimento a partir da integração econômica. Foi assim que, em 1951, se criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e, em 1957, a partir do Tratado de Roma, se constituiu a Comunidade Econômica Europeia, CEE. Esta última era uma reação as negociações do Acordo Geral de Tarifas e Comércio, GATT, iniciadas em 1947 com vistas a impulsionar a liberalização do comércio e combater as práticas protecionistas a partir da regulamentação das relações comerciais internacionais. No entendimento dos líderes europeus estas negociações estavam sendo prejudiciais aos interesses de seus países e somente a constituição de um bloco econômico regional poderia combater os efeitos desta. Foi assim que Alemanha Ocidental, França, Itália e os países do Benelux, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, passaram a construir a CEE. (CARBAUGH: 2004: 295).

No Bloco Socialista, o surgimento das dissidências e das tentativas de autonomia em relação a liderança soviética surgiram após a ascensão de Nikita Kruschev ao poder. Conforme Hobsbawm (1995: 387), a crise começou “com a morte de Stalin, em 1953, mas sobretudo com os ataques oficiais à era stalinista em geral e, mais cautelosamente, ao próprio Stálin, no XX Congresso do PCUS, em 1956”. As reações de Moscou variaram de um país para outro. Na Polônia, as lideranças da URSS acabaram aceitando pacificamente um governo de cunho mais reformador. O mesmo não ocorreu na Hungria, onde uma revolução acabou levando ao poder um governo reformador liderado por Imre Nagy. Como reação as medidas de fim do unipartidarismo, de saída do Pacto de Varsóvia e de adesão ao neutralismo, tropas soviéticas invadiram a Hungria em 1956, esmagando a dissidência e reconduzindo o país a tutela da URSS.

A dissidência mais significativa no Bloco Socialista foi a China. A Revolução Chinesa que levou Mao Tse-Tung ao poder em 1949, ocorreu com uma séria de especificidades que conduziram o país a ser interpretado como um “modelo” alternativo a Revolução Russa. Ciente destas especificidades e do peso político do vizinho asiático, “Stalin, realista, teve o cuidado de não forçar as relações com o gigantesco partido irmão efetivamente independente” (HOBSBAWM: 1995, 387). Tal prudência não foi continuada por Kruschev que tentou enquadrar os comunistas chineses na doutrina da “coexistência pacífica”. O ponto de ruptura foi a negativa do governo soviético em revelar os segredos da bomba atômica. A partir de então, os chineses, que fizeram uma revolução independente de qualquer apoio soviético, passaram a retomar os debates sobre os territórios contestados nas fronteiras dos dois países, rejeitando os tratados que haviam sido assinados no século XIX quando a Rússia ainda era um Império Tzarista. Dessa forma, a China que via na coexistência pacífica um freio às suas ambições tornou-se uma alternativa no campo socialista a URSS. Uma alternativa que propagava a política de Krushev como uma negação dos princípios do próprio marxismo e, a partir do maoísmo, condenava qualquer possibilidade de construção do socialismo conjuntamente com o capitalismo (DELMAS: 1979, 93).

Em que pese o significado das dissidências na bipolarização da Guerra Fria, a mudanças mais significativa no cenário mundial da segunda metade da década de 1950 foi a emergência do Bloco dos Países Não-alinhados. Esta emergência foi consequência direta dos processos de descolonização dos países africanos e asiáticos impulsionada na pós-Segunda Guerra Mundial. Independentes, boa parte destes países viram na política de partilha do poder entre Estados Unidos e União Soviética um limite aos seus projetos nacionais. Foi com o objetivo de, primeiramente, buscar uma posição mais autônoma que 29 Estados participaram em 1955 da Conferência de Bandung, na Indonésia. Este encontro representou um significativo avanço para o movimento anticolonialista afro-asiático, demonstrando um despertar de consciência em um grupo de países que possuíam 1,5 bilhões de habitantes, 55% da população mundial, e que tinham apenas 8% da renda mundial. Ao mesmo tempo, foi um passo decisivo na emergência do Terceiro Mundo, na posição de neutralismo diante da Guerra Fria e refletiu a ascensão dos nacionalismos anti-imperialistas propagados por Nehru, na Índia, Nasser, no Egito, e Sukarto, na Indonésia. (VIGEVANI: 1990, 9-12).

A constituição do Bloco dos Países Não-alinhados teve impacto imediato na Organização das Nações Unidas. O novo grupo representou uma alternativa política não ligada ao poder bipolar da Guerra Fria e a lógica da fixação das áreas de influência. Por isso, a

reação das duas superpotências mundiais foi bastante negativa. Os Estados Unidos consideravam o não-alinhamento, na expressão de John Foster Dulles, “imoral” e uma linha auxiliar do “imperialismo comunista”. Os soviéticos, por sua vez, consideravam os não- alinhados como “cães de guarda do imperialismo”. (MOURA: 1991, 27).

A América Latina não ficou alheia a esta nova dinâmica que o cenário internacional vinha apontando. No imediato pós- Segunda Guerra Mundial os norte-americanos conseguiram através do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, o TIAR, assinado em 1947, e da Organização dos Estados Americanos, criada em 1948, impor aos países latino- americanos uma rígida dominação imposta por uma visão de segurança hemisférica. Na década de 1950, a já referida realidade da crise econômica e social despertou em inúmeros grupos sociais latino-americanos a consciência de que muitos de seus interesses nacionais se chocavam com os interesses dos Estados Unidos. As experiências, referidas no início deste capítulo, dos governos Perón, na Argentina, do segundo governo Vargas, no Brasil, do governo Arbenz, na Guatemala, bem como, a Revolução Boliviana de 1952, e a deposição do presidente Pérez Jimenez, na Venezuela, foram frutos deste contexto, onde o nacionalismo assumia ares anti-imperialistas. A culminância deste processo foi a Revolução Cubana de 1959 que levou ao poder, primeiramente, um projeto nacionalista que gradativamente, a medida em que aumentavam as hostilidades com os Estados Unidos, foi se convertendo ao socialismo.

Este clima internacional refletiu de diferentes maneiras nos governos Juscelino Kubitschek e Arturo Frondizi, sobretudo, pelo momento distinto em que estes ocorreram. Fausto e Devoto (2004: 359) destacam que:

[...]. Kubitschek assume em 1956, num remanso da Guerra Fria marcado pela ascensão de Kurschev, quando não havia nem sombra do clima de exasperação para com a América Latina que afloraria três anos mais tarde, quando a vitória da Fidel Castro em Cuba. Já Frondizi toma posse dois anos depois, quando o anticomunismo estava novamente em ascensão, para logo se tornar um tópico dominante. Essa conjuntura reduzia a margem na política externa para gestos que indicassem independência em relação aos dois grandes blocos e, sobretudo, complicava as relações com os militares.

Dessa forma, apesar da proximidade, a pequena diferença de momentos entre as duas experiências desenvolvimentistas representou uma maior margem de manobra para o governo

brasileiro em relação ao governo argentino. Primeiramente, pelo fato de que o congelamento momentâneo das hostilidades entre Estados Unidos e URSS permitiu ao governo Kubitschek uma postura mais pragmática no campo das relações internacionais. Este contexto momentâneo permitiu o aproveitando da disponibilidade de capitais originários de uma Europa reconstruída que iniciava um novo processo de expansão como forma de contrapeso as rígidas exigências norte-americanas para a liberação de investimentos. Ao mesmo tempo, o presidente brasileiro pode, mesmo não sendo propriamente um nacionalista no sentido econômico que o termo vinha adquirindo, se utilizar de um discurso “nacionalista triunfante”22 como forma de consolidar uma coalizão política e amenizar a polarização.

Frondizi, por sua vez, não teve esta margem de manobra. De um lado, os capitais europeus começavam a ser cada vez mais escassos diante das prioridades estabelecidas pela Comunidade Econômica Europeia. De outro, o novo clima que se estabeleceu na América Latina com a Revolução Cubana, principalmente, a partir de 1961 com a vitória dos revolucionários sobre os mercenários e contrarrevolucionários treinados pela CIA na Invasão da Baia dos Porcos e a imediata declaração do caráter socialista da revolução. Este fato impulsionou o anticomunismo principalmente no setor militar argentino e aumentou o grau de pressão do Departamento de Estado norte-americano sobre os países latino-americanos. Esta mudança no cenário hemisférico reduziu drasticamente as possibilidades de manutenção de uma política externa autônoma, ao mesmo tempo em que aguçou a polarização política vivenciada pela sociedade argentina.

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