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Capital natural: as vantagens comparativas dos países em desenvolvimento no comércio

3. A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE EM PERSPECTIVA

3.7. Capital natural: as vantagens comparativas dos países em desenvolvimento no comércio

Como se viu, a instituição de um tributo, ou uma forma de compensação, pela utilização de bens ambientais de uso comum do povo – inapropriáveis, portanto - com o fito de internalizar externalidades de um modo geral e mais amplo, atende ao comando da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, além de segurar uma estratégia nacional que mantenha as vantagens competitivas de países ricos em recursos naturais no longo prazo.

Esta foi a opinião refletida, inclusive, em estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no Brasil, para uma proposta de reforma do sistema tributário brasileiro, referindo-se, inclusive, à questão da competividade no comércio internacional:

É lugar-comum alegar que a competitividade da economia brasileira seria prejudicada caso se introduzam os tributos ambientais. Mais uma vez, se a meta ambiental é para ser cumprida, convém que o instrumento utilizado seja aquele que ofereça o menor custo de implementação. Logo, a questão da competitividade, à semelhança da questão distributiva, está em conflito com as metas ambientais e não com o instrumento tributário. Mais ainda, considerando-se as atuais tendências de se incorporar cada vez mais a variável ambiental nas questões de comércio internacional, a existência de tributos ambientais não só reduziria os custos de controle ambiental, como geraria adicionalmente uma imagem ambiental positiva para o país.185

184 ARAGÃO, Alexandra. Direito Constitucional do Ambiente da União Europeia. In CANOTILHO, José Joaquim

Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Sociedade de Risco e Estado. Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 4a ed. São Paulo: Saraiva, p. 158.

185 MOTTA, Ronaldo Seroa da; OLIVEIRA, José Marcos Domingues de; MARGULIS, Sérgio. Proposta de

Aliás, em termos do comércio internacional, já há muito se tem a percepção de que os países em desenvolvimento não repassam no preço das suas exportações os custos ambientais de seus produtos, sob a alegação errônea de que isto sim representaria uma vantagem comparativa, como na verdade não o é – dado que não beneficia as comunidades diretamente afetadas que arcam, sozinhas - com tais custos a nível sócio-ambiental.

O já aludido Relatório Brundtland – com base em estudos realizados pela Comissão - tratou dessa questão de forma brilhante e pioneira, nos seguintes termos:

O processamento de algumas matérias-primas – como polpa e papel, petróleo e alumina – pode ter efeitos colaterais sobre o meio ambiente. De modo geral, os países industrializados tiveram mais êxito que os em desenvolvimento em conseguir que os preços dos produtos de exportação reflitam os custos dos danos ao meio ambiente e do controle desses danos. Assim, no caso das exportações dos países industrializados, tais custos são pagos pelos consumidores das nações importadoras, inclusive as do Terceiro Mundo. Mas, no caso das exportações dos países em desenvolvimento, esses custos continuam recaindo inteiramente sobre eles mesmos, quase sempre sob a forma de danos à saúde humana, à propriedade e aos ecossistemas. Em 1980, as indústrias de países em desenvolvimento que exportava para membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) teriam incorrido em gastos de US$5,5 bilhões com o controle direto da poluição, caso tivessem que obedecer aos padrões ambientais então adotados pelos EUA, segundo estudo realizado para esta Comissão. Se fossem também computados os gastos com controle da poluição ligados às matérias-primas que entram na composição do produto final, os custos teriam chegado a US$14,2 bilhões. Os fatos também indicam que as importações feitas pela OCDE a países em desenvolvimento incluem produtos que causam em média mais danos ao meio ambiente e aos recursos do que o total das importações da OCDE. Estes custos hipotéticos de controle da poluição provavelmente subestimam os custos reais de danos causados ao meio ambiente e aos recursos nos países exportadores. Além disso, tais custos só se referem à poluição do meio ambiente, e não a dos danos econômicos decorrentes do esgotamento dos recursos. O fato de esses custos permanecerem ocultos significa que os países em desenvolvimento podem atrair mais investimentos para a exportação de produtos manufaturados do que no caso de haver um sistema mais rigoroso de controle do meio ambiente mundial. Muitos planejadores do Terceiro Mundo consideram o fato benéfico, pois dá aos países em desenvolvimento uma vantagem comparativa em produtos “poluição-intensivos” que deve ser explorada. Consideram também que, se cobrassem mais pelos custos reais, a posição competitiva de seus países ficaria prejudicada em alguns mercados; por isso, encaram qualquer pressão nesse sentido como uma forma de protecionismo disfarçado dos produtores já estabelecidos. Mas é do interesse a longo prazo dos próprios países em desenvolvimento que uma parte maior dos custos de produção relativos ao meio ambiente relativos a meio ambiente e recursos se reflita nos preços. Essas mudanças devem partir dos próprios países em desenvolvimento.186

Diante destas constatações, deve-se reconhecer que:

186 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2a. ed.

a) preços dos produtos de exportação nos países em desenvolvimento, via de regra, não refletem os custos dos danos ao meio ambiente e do controle desses danos; b) é do interesse dos países em desenvolvimento, a longo prazo, que os preços dos produtos de exportação incorporem uma maior parte dos custos de produção relativos ao meio ambiente; e

c) que esta iniciativa deve partir dos próprios países em desenvolvimento.

Sendo assim, sobrevêm a utilidade da aplicação de instrumentos econômicos, tais como a tributação ambiental, como uma forma direta e transparente para promover estes ajustes de forma concertada.

Há quem possa criticar a instituição de um tributo ambiental, sobretudo aqueles que se atêm à concepção de Coase que desconfia da capacidade do Estado e busca uma saída “negociada” para o problema, através dos mecanismos de mercado.

Com efeito, a instituição de tributos evidentemente causa um impacto sensível nos preços, além de onerar toda a cadeia produtiva e o consumo, com possíveis impactos, inclusive, na balança comercial a curto e médio prazos.

Contudo, parece ser uma consequência necessária e premente da conjuntura atual, sobretudo se considerarmos o aparato normativo, as metas ambientais existentes, além das exigências reais da crise ecológica e econômica que se avizinha.

Além disso, no comércio internacional, como se viu, a tributação da exportação de matérias primas deverá, no curto prazo, implicar numa perda de competividade em matéria de preços, mas não em qualidade.

Ademais, no longo prazo, poderá estimular a atração de investimentos para a indústria manufatureira, invertendo-se a lógica do subdesenvolvimento crônico de países que estão há décadas em “vias de crescimento”, como o Brasil.

A atração desses investimentos, aliado à políticas de inovação e transferência de tecnologias, seria um componente decisivo para o futuro desses países, através do desenvolvimento do seu capital humano, acompanhado da valorização do seu capital natural.

Aliás, como também observado no Relatório Brundtland, boa parte da exploração de matérias primas nos países em desenvolvimento, notadamente em áreas ecologicamente sensíveis como petróleo, produtos químicos, metais e papel já é explorada por empresas transnacionais

originárias dos países industrializados que também dominam o comércio mundial de vários produtos primários.187

Por outro lado, devem também haver incentivos a outras condutas desejáveis, mediante a adoção de subsídios estatais, por exemplo, como para estimular a consecução de uma economia verde - como se verá adiante – além do investimento em setores como o de saneamento básico, gestão de resíduos, reciclagem, saúde e educação; permitindo-se assim a manutenção dos níveis de desenvolvimento econômico desejável, sem que isto implique na destruição da fonte das riquezas do país ou comprometer o abastecimento ou a riqueza das gerações futuras.

Outrossim, como medida distributiva, governos podem reduzir internamente a carga de tributos de produtos destinados ao atendimento das necessidades básicas do consumidor como os alimentos, produtos de higiene, medicamentos, ou a determinados grupos sociais com necessidades especiais, como já ocorre na política tributária em diversos setores.

Como asseverado por Motta, em estudo do IPEA, a contribuição ambiental não prioriza a geração de receitas fiscais, mas cria incentivos a práticas mais eficientes de controle ambiental.

Sendo assim, sua aplicação criará uma receita que poderá ser usada tanto para fins sociais como também para reduzir a carga fiscal de outros tributos. Quer dizer: “a contribuição tem o potencial de gerar dois bônus: um de melhorar a qualidade ambiental e outro de diminuir o impacto da carga fiscal”.188