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4. ORDEM AMBIENTAL INTERNACIONAL

4.5 Legítima defesa ambiental e intervenção humanitária

Um Estado pretendendo justificar uma ação unilateral com efeitos extraterritoriais pode argumentar que essa ação é apropriada em face do direito internacional tradicional, nas normas internacionais em desenvolvimento para prevenir danos ambientais ou, ainda, que são justificadas como o exercício de um direito de uma legítima defesa.

Ao discorrer sobre o assunto, Bilder mencionara, a propósito do princípio da legítima defesa, o discurso do ex-Diretor Executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), Maurice Strong, acerca de ações estatais ambientalmente danosas (como utilizar tecnologias para a modificação do clima como uma forma de “roubar” chuva de um outro país) seriam caracterizadas como uma “agressão ambiental”.292 A utilização da palavra “agressão” denota a possibilidade do uso da legítima defesa de forma análoga como ocorre contra uma agressão militar.

De acordo com a doutrina dominante, o uso da legítima defesa tradicionalmente está limitado a respostas legítimas e proporcionais de necessidade urgente. O artigo 51 da Carta das Nações Unidas incorporara esse princípio, contudo, somente quanto à defesa contra um ataque

292 BILDER, Richard B. The role of unilateral action in preventing international environmental injury. Vanderbilt

Journal of Transnational Law, vol. 14, n. 1. Madison: University of Wisconsin Legal Studies Research Paper Series Archival Collection, 1981, p. 71.

armado. Ainda, o artigo dispõe que a ação unilateral de legitima defesa é apropriada somente até que o Conselho de Segurança da ONU tome medidas multilaterais para lidar com a ameaça.293

Podem-se imaginar várias situações de natureza ambiental nas quais o princípio da legítima defesa possa ser invocado, sobretudo quando houver uma compulsão ao ato para assegurar a própria sobrevivência do Estado.

No incidente relativo aos testes nucleares no Atol Francês no Pacífico Sul que deram ensejo a um disputa na Corte Internacional de Justiça da ONU entre França e Nova Zelândia, alegou-se que a realização daqueles teste poderia ameaçar a própria vida e segurança das populações vizinhas, além de ocasionar danos à saúde e ao meio ambiente.294 Outros incidentes como determinados desastres ambientais ou ocorrências envolvendo a responsabilidade de Estados podem enquadrar-se nesse viés, como o o vazamento de petróleo em plataformas marítimas, a emissão de poluentes em zonas fronteiriças, o represamento de águas a montante de recursos hídricos essenciais a outros países e jusante, por exemplo.

É possível conceber, inclusive, uma vertente análoga com relação ao propósito fundamental do respeito aos direitos humanos universais, consagrado logo no artigo primeiro da Carta, em seu parágrafo terceiro.295 O conceito da intervenção humanitária é particularmente sugestivo de um direito de ação unilateral para proteger interesses ambientais comunitários.

Contudo, o recurso a ações unilaterais esbarra no princípio geral da não intervenção, estabelecido no parágrafo sétimo, artigo segundo da Carta de São Francisco:

Art. 2o. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados

no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios [...] 7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem

293 “Artigo 51. Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no

caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais”. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas (1945). Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/1945CartadasNaçõesUnidas.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2013.

294 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Nuclear tests case (France v. New Zeland). Disponível em:

<http://www.icj-cij.org/docket/files/59/9447.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2013.

295 “Artigo 1. Os propósitos das Nações unidas são: […] 3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver

os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas (1945). Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/1945CartadasNaçõesUnidas.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2013.

tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capitulo VII.

Trata-se de um dos consectários do princípio da resolução pacífica dos conflitos e da proscrição do princípio do jus ad bellum como instrumento de política nacional, tão presente em tempos de realpolitik.

Segundo este princípio, “todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas” (Carta das Nações Unidas, artigo 2o, §4o.)

Em todo caso, para fazer face a estes conflitos, as Nações Unidas dispõem de instrumentos de intervenção coletivos, quando se destaca a função do Conselho de Segurança como guardião da paz e da segurança internacionais.

Em primeiro lugar, de acordo com o artigo 34 da Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança poderá investigar sobre qualquer controvérsia ou situação suscetível de provocar atritos entre as Nações ou dar origem a uma controvérsia, a fim de determinar se a continuação de tal controvérsia ou situação pode constituir ameaça à manutenção da paz e da segurança internacionais. Nesse sentido, dispõe o Artigo 39 da Carta das Nações Unidas que:

Artigo 39. O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”.296

Dentre as medidas disponíveis, além do emprego de forças armadas, o Conselho de Segurança poderá aplicar sanções econômicas ou o rompimento das relações diplomáticas como se verá em mais detalhe a seguir.297

296 “Artigo 39 - O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato

de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/1945cartadasnaçõesunidas.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2013.

297

“Artigo 41 - O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças

armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos , postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das relações diplomáticas”. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/1945cartadasnaçõesunidas.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2013.

Enfim, o que se quer referir aqui é que, em tese, é possível que incidentes envolvendo questões ambientais podem suscitar ações de legítima defesa ou de intervenção humanitária, em consonância com os preceitos já descritos de direito internacional.