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Durante séculos, nações imperialistas como a Grã Bretanha, França, Holanda, Espanha e Portugal estenderam suas áreas de influência para territórios coloniais, enquanto outras nações europeias permaneciam alheias a este processo.

A Alemanha, em particular, devido à histórica fragmentação interna - herança do seu passado medieval – manteve-se reclusa, até que um evento mudaria para sempre a história da humanidade: a unificação de Estados Germânicos sob o Segundo Reich, por obra do Chanceler

A unificação alemã representava uma séria ameaça ao sistema de equilíbrio de poder que havia sido consagrado desde os Tratados de Westfália e reafirmado no Congresso de Viena, e que as demais potencias europeias cuidaram tanto em conservar, como o assinala Henry Kissinger:

O equilíbrio de poder do sistema de Viena, com o qual estava familiarizada a Grã- Bretanha, se havia alterado radicalmente. A Alemanha unificada estava reunindo a força necessária para dominar por si só toda a Europa: feito ao qual a Grã-Bretanha sempre se havia oposto.42

O resultado disto, como se sabe, foi a Guerra Franco-Prussiana e, mais tarde, a formação da Tríplice Entente - entre o Reino Unido, França e Rússia - e a Tríplice Aliança - entre Alemanha, o Império Austro-Húngaro e Itália. Quanto o confronto ainda era incerto, uma corrida armamentista se estabeleceu entre a Grã-Bretanha – maior potência marítima da época - e Alemanha.

Esta - tendo chegado atrasada na corrida pelos Impérios Coloniais – passaria a ensaiar sua própria política expansionista na busca do “seu lugar ao sol da África”, como no célebre discurso de Bernhard von Bülow no Reichstag em Dezembro de 1897, como Ministro das Relações Exteriores alemão:

Os dias quando os Alemães davam a um vizinho a terra, a outro o mar, e reservava para si mesmos o céu, onde a doutrina pura reina – estes dias se foram. Nós vemos como nossa principal tarefa promover e cultivar os interesses da nossa navegação, do comércio, e nossa indústria, particularmente no Leste. [...] Em suma, não queremos que quem quer que seja fique à nossa sombra, mas também exigimos nosso lugar ao sol. Fiel à tradução da política alemã, envidaremos todos os esforços para proteger nossos interesses no Leste Asiático...sem agressões desnecessárias, mas sem fraqueza também.43

Gondon A. Craig oferece um relato fidedigno das circunstâncias por trás desse revés histórico da política externa germânica, sob a propalada Wilhelmine New Course. A demissão de Bismarck do cargo de Chanceler, em março de 1890, marcaria uma mudança radical no direcionamento da política externa da Alemanha Imperial, sob o comando do impetuoso Wilhelm II, último Imperador Germânico, que seriam o estopim de “uma corrente de calamidade que conduziriam à tragédia”:

42 KISSINGER, Henry. op. cit., p. 141.

43 SOUNDHAUS, Lawrence. World War One, the Global Revolution. New York: Cambridge University Press,

A aceleração do desenvolvimento econômico da Alemanha foi encorajado pela unificação do país, e, após a interrupção da crise de 1873 e as recessões intermitentes nos anos seguintes, fora renovado em 1890 a toda a força. Nos dez anos que se seguiram à demissão de Bismarck, a Alemanha havia passado de uma sociedade predominantemente rural para uma urbana, e, como a indústria urbana buscava suas matérias primas do mundo para seus moinhos e fábricas e transformava-as em bens manufaturados que não podiam ser absorvidos no mercado interno, de um país que olhava para dentro para um que olhava para fora. O Imperialismo Germânico – se a isso podemos chamar a aquisição de territórios ultramarinos – havia parado após os ganhos iniciais de Bismarck no meio dos anos oitenta, a extensão de interesses alemães pelo globo não o haviam.44

É notável como a Alemanha utilizou-se de um fator decisivo para impulsionar a expansão internacional dos seus negócios: aquilo que o austríaco Rudolf Hilferding denominara de o “capital financeiro”, através da fusão entre o capital industrial – em processo de crescente concentração e centralização – ao capital bancário. Nessa época, esse setor se expandia fortemente na Alemanha, como percebemos do depoimento de Craig:

Os principais agentes nessa marcha ao exterior foram os grandes conglomerados bancários, particularmente os chamados D-Banks, o Deustsche Bank, the Dresdener Bank, the Darmstadter Bank, e o Diskonto-Gesellschaft. Essas grandes organizações, que controlavam aproximadamente 40 por cento dos depósitos comerciais alemães, foram fundadas em parte para promover o crescimento industrial, mas seu propósito também era, como o declarou uma de suas publicações, ‘para fomentar relações comerciais entre a Alemanha e outros países’. Eles o faziam através de investimentos em bancos estrangeiros, participando das suas operações ou estabelecendo sucursais próprios e utilizando o seu capital para apoiar oportunidades comerciais. O seu sucesso nos anos 1890 foi notável, como ilustrado pela criação do Deustsch-Asiatische Bank na China, e das subsidiárias do Dresdener e Deutsche banks pela América Latina, suas atividades, já notadas, na África do Sul, e seu investimento em capital e aquisição de concessões em ferrovias no Império Otomano. Nesse sentido, pode-se dizer que a Alemanha era uma potência mundial, antes de agir como uma.45

A adoção do padrão-ouro a taxas fixas pela maioria dos países desenvolvidos no fim do século XIX, havia facilitado o comércio, os financiamento, os investimentos, a migração e os pagamentos internacionais.

A exemplo do que ocorria na Alemanha, países desenvolvidos estenderiam a sua influência sobre outros, independentemente da dominação territorial típica do Imperialismo clássico. Isto seria embrião do sistema capitalista global e do advento das companhias multinacionais, sobretudo quando do fordismo, que mais tarde passariam a ser um agente relevante nas relações internacionais.

44 CRAIG, Gordon A. Germany: 1866-1945. Oxford: Oxford University Press, 1981, p. 248 (tradução nossa). 45 Ibidem, p. 248-249.

Aliado a isto, surgiria outro elemento da maior importância para a formação geopolítica mundial, precipitado pela invenção do motor de combustão interna e da indústria do petróleo no final do século XIX. Em pouco tempo, o “ouro negro”, com o advento de novas tecnologias para a sua utilização, passou a ser um dos principais - se não o principal - item da pauta de comércio internacional, como o é ainda hoje.

Como se viu, com as pretensões germânicas ultramarinas, a Alemanha passou a desenvolver uma nova frota de navios que apoiassem o empreendimento colonial. O feito passou a incomodar outras potenciais colonialistas como a Grã-Bretanha, especialmente após o episódio envolvendo o novo navio de guerra alemão, o Panther, no porto marroquino de Agadir.

Estes eventos precipitaram a decisão da Marinha britânica – já sob o comando de Churchill – de converter sua frota de navios movidos a carvão por outros movidos a petróleo; na disposição de assegurar seu domínio colonial na África, sobretudo Egito e Palestina.46

Com esta decisão estratégica, a Grã-Bretanha já sabia que iria navegar por águas perigosas. Embora tivesse uma boa fonte de carvão em suas ilhas, o motor de combustão interna permitia navios mais ágeis, robustos e baratos. Contudo, a matéria prima do valioso combustível teria de ser buscada em outras regiões do mundo, nomeadamente no golfo pérsico, notadamente na Pérsia (Irã) e no Iraque, em meio aos despojos da fragmentação do Império Turco Otomano.

A disputa pelo domínio destes territórios e outras áreas de influencia econômica entre concertos rivais, sobretudo na Ásia, África, Oriente Médio e Leste Europeu, seriam decisivos para a escalada de tensões que viriam a desencadear as Grandes Guerras do século XX, que modificaram profundamente as estruturas até então vigentes e, consequentemente, a própria ordem internacional.

Quando o terrorista sérvio Gravilo Princip disparara seu tiro fatal contra o Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono Austro-Húngaro, a sequencia de eventos que daí se desencadearam tornaram o confronto entre as grandes alianças entre as potencias de então inevitável.

Já são conhecidas as consequências nefastas da Primeira Guerra Mundial e não cabe aqui reproduzi-las. Contudo, o fato que aqui merece destaque é que este conflito foi o epitáfio de uma ordem internacional secular, sobretudo quanto aos antigos impérios absolutistas dos séculos passados.

Como resultado do conflito, ruíram o Impérios Austro-Húngaro, o Turco Otomano, sem falar no Império Russo, forçado a se retirar do conflito no ano de 1917 em meio a revolução bolchevique. Dinastias antigas que denominaram o cenário mundial como os Habsburgo, os Romanov, caíram em desprestígio e saíram definitivamente de cena.

Por outro lado, o relato de John Reed no “Dez dias que abalaram o mundo”,47 dava notícia das profundas transformações defenestradas na Revolução Russa. Surgiria, assim, um sistema rival do capitalismo então dominante. Pela primeira vez na história, a ordem política e econômica do sistema capitalista foi posta em cheque, desafiada por outros modelos rivais, especialmente o comunismo e o fascismo que ganhariam força diante das crises estruturais ocasionadas pela desintegração da ordem vigente nos séculos anteriores, sob o apogeu do liberalismo clássico.

Em paralelo, os desequilíbrios econômicos vivenciados nos séculos XIX e XX, sobretudo nas grandes crises de 1873 e 1929 puseram um fim a uma longa era de liberalismo econômico, desencadeando reações protecionistas em grande parte dos países industrializados, num contexto de rivalidade econômica entre eles.

O intervencionismo estatal - sobretudo a partir da Grande Depressão dos anos de 1930 - foi a fórmula encontrada pelos países para fazer face a uma crescente concorrência internacional, muitas vezes distorcida por artifícios cambiais e uma forte tendência de concentração econômica, nomeadamente com o surgimento de monopólios e oligopólios em diversos setores e o advento de companhias multinacionais.

Como resultado disto, verificou-se o ressurgimento de uma nova espécie de mercantilismo econômico, com o fortalecimento do papel do Estado Nacional na afirmação de políticas intervencionistas, dirigismo econômico, de estímulo às exportações e restrições as importações, frequentemente de caráter discriminatório e arbitrário.

Sabe-se que os conflitos econômicos ocasionados pela implementação dessas políticas nos países desenvolvidos, foi também em grande parte responsável pelas grandes guerras que redundaram na dissolução da ordem anterior e a completa reordenação do mundo contemporâneo, como se percebe do relato de Frieden:

47 REED, John. Dez dias que abalaram o mundo / John Reed ; tradução Bernardo Ajzenberg. São Paulo: Penguin

No início dos anos 1900, a integração econômica internacional era encarada como uma verdade absoluta. Essa foi a norma que por 60 anos conduziu a liderança econômica mundial do Reino Unido, e que por 40 anos regeu as outras principais nações industriais e agrícolas. Relações de livre comércio, finanças internacionais, investimento e imigrações internacionais sem obstáculos e uma ordem monetária comum sob o padrão ouro foram, por gerações, os princípios organizadores do mundo moderno. Mas foram necessários alguns meses para que toda a estrutura da globalização entrasse em colapso. A primeira Guerra Mundial estourou em agosto de 1914 e arrastou as fundações preexistentes da ordem econômica global. Durante anos, os líderes econômicos e políticos do mundo tentaram, sem sucesso, restaurar a economia internacional pré-1914. A ordem internacional se desintegrou e implodiu brutalmente na Grande Depressão de 1930 e na Segunda Guerra Mundial.48

Freiden concluira que, antes de 1914, vivia-se um verdadeiro processo de globalização, em condições muito semelhantes das atuais. Aquela globalização, segundo ele, havia sido uma escolha, não um fato consumado. Contudo, aquela ordem internacional - cujos componentes econômicos, políticos, sociais e culturais definiram o mundo por décadas antes de 1914 - desapareceria do mapa. Assim, advertira que, embora exista uma opinião generalizada de que a globalização de hoje seja um processo tão inevitável quanto irreversível, pode não ser assim:

Assim como ocorreu há cem anos, muitos agora tomam a economia mundial integrada como um fato. Referem-se a ela como o estado natural das coisas e esperam que esse modelo dure para sempre. No entanto, as bases sobre as quais o capitalismo global se ergue atualmente não são muito diferentes das de 1900, e o potencial para um rompimento é tão presente nos dias de hoje quanto era naquela época.49

Mal ou bem, a desintegração daquela ordem deu lugar a outra, sob novos fundamentos e paradigmas. Prosperaria, finalmente, o idealismo wilsoniano revivido sob a égide da Carta das Nações Unidas e a eliminação da guerra como política de Estado, como contraponto da realpolitik europeia.

Na segunda metade do século XX – após um largo período de bipolarização entre países de economia de mercado e de economias planificadas, esse breve século terminaria, segundo Hobsbawn, em 1989, com a simbólica queda do muro de Berlim: o fim da era soviética e o triunfo do capitalismo global.

48 FRIEDEN, Jeffry A. Capitalismo global: história econômica e política do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar

Ed., 2008, p. 13-14.

Foi o Francis Fukuyama denominara “o fim da história”50, contradizendo Marx quem havia profetizado que as contradições do sistema capitalista conduziriam o mundo a uma utopia comunista, destino final dum processo dialético histórico pautado pela luta de classes.51

A tese de Fukuyama, publicada pela primeira vez em seu ensaio no periódico The

National Interest, em 1989, retratara o triunfo capitalista, pondo-se um fim à Guerra Fria:

O que podemos estar testemunhado não é só o fim da Guerra Fria, ou a passagem de um período particular da história do pós-guerra, mas o fim da história mesmo: isto é, o ponto final da evolução ideológica da humanidade e a universalização da democracia liberal ocidental como a forma final de governo humano.52

Pecequilo sintetizara bem as causas e consequências do sentimento triunfalista da Fukuyama e seus seguidores e a concepção de uma “comunidade de princípios compartilhados”:

De acordo com Fukuyama, ao longo dos séculos, as transformações históricas sempre foram geradas pelo conflito de parâmetros ideológicos, mantendo uma dinâmica de antagonismo entre os homens. A biopolaridade havia sido mais uma destas fases de disputa opondo o ideário liberal ao comunista, representados pelos EUA e a antiga URSS, desenvolvendo-se uma solução final (Fukuyama, 1989). Por mais de quatro décadas, esta disputa transcorreu até que a superioridade do modelo liberal, capitalista na economia, democrático na política, impôs-se por sua maior eficiência e benefícios, decretando o desaparecimento de seu rival. Com isso, houve a disseminação gradual e natural destes parâmetros por todo o sistema, em direção à homogeneização de formas de pensamento e ação. Positivamente, as sociedades humanas passaram a partilhar os mesmos valores e propósitos, eliminando-se fontes de divergência entre os homens dada a supremacia do pensamento único. Portanto, na ausência de uma ideologia alternativa que pudesse contrapor-se ao liberalismo, o mundo finalmente emergia como uma comunidade de princípios compartilhados, estabelecendo-se em definitivo o fim da história e o nascimento de uma nova era de cooperação internacional entre os homens.53 Aliás, Fukuyama esclarecera que, em verdade, a tese dialética marxista adviera da crença de Hegel para quem a história culminaria num momento absoluto – um momento final em que uma forma racional de Estado e Sociedade restaria vitoriosa; sendo, nesse caso o modelo liberal democrata, cujas origens, para Hegel, se remontariam aos ideais da Revolução Francesa.

50 FUKUYAMA, Francis. The end of history? National Interest. Disponível em

<http://www.wesjones.com/eoh.htm>. Acesso em 27 jun. 2012.

51 MARX, C.; ENGELS F. El manifiesto comunista. Madrid: Editorial Cenit, 1932.

52 FUKUYAMA, Francis. The End of History? The National Interest, Summer 1989 (tradução nossa).

http://ps321.community.uaf.edu/files/2012/10/Fukuyama-End-of-history-article.pdf. Acesso em: 06 abr. 2013.

53 PECEQUILO, Cristina Soreannu. Introdução às Relações Internacionais. 2a ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 174-

Sob esse direcionamento unívoco, surgiria a visão idealista da cooperação internacional entre os homens com a globalização, interdependência, transnacionalização, revoluções culturais e tecnológicas, conforme se verá a seguir.