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Falar sobre capital social requer reportar-nos aos principais autores que sobre ele discorreram. Bourdieu (1982, p.99) foi o primeiro a conceituá-lo. Demonstrou que além dos valores de utilidade econômica percebidos por compradores em bens e serviços, havia valores intangíveis ligados a características sociais e psicológicas como percepção e apreciação individual ou coletiva que geravam valor nos bens, diferentemente do valor econômico, baseado nas identidades sociais dos indivíduos, gerando gosto individual díspar que produz nos indivíduos várias experiências, conseqüentemente um valor total do bem ou

serviço distinto do valor econômico, mas refletido nele, influenciando o valor econômico para mais ou para menos.

Ao capital gerado da diferenciação valorativa calcada no gosto social e na percepção e na apreciação individuais, Bourdieu denomina capital simbólico; e liga as diferenças de valoração relacionadas ao habitus7, vinculando-as a grupamentos e estratos sociais8 (Bourdieu, 1982, p.101). Daí descreve tipos de capital simbólico, definindo capital social como “agregado de recursos, reais ou potenciais, ligados à posse de uma rede durável de relações, mais ou menos institucionalizadas, de reconhecimento mútuo” (Bourdieu, 1985, p.243). O conceito de Bourdieu é amplo e pode ser utilizado para o Estado, o indivíduo e em organizações. Genérico, permite diferentes visões.

Coleman (1990, p.98) fala de “recursos socioestruturais que constituem um ativo de capital para o indivíduo e facilitam certas ações de indivíduos que estão dentro dessa estrutura”. Analisa o capital social na relação indivíduo e estrutura social. Juntamente com Coleman, Putnam (1993, p.183) também considera o capital social como a capacidade de interação dos indivíduos em uma comunidade. Coleman e Putnam buscam conceituá-lo como a coerência cultural e social interna de uma sociedade, normas e valores que governam interações entre pessoas e instituições nas quais estão envolvidas.

No contexto, amplia-se a importância do papel das instituições, que funcionam como mediadoras da interação social, uma vez que propagam valores de integração entre homens e mulheres. Putnam (1993, p.170 e 171) considera confiança, normas e cadeias de relações sociais (redes sociais) como componentes básicos do capital social.

Um aspecto essencial para consolidar projetos coletivos – os que necessitam do engajamento de muitos em ações específicas – é o sentimento de confiança mútua que precisa existir (em maior ou menor escala) entre as pessoas. A construção dessa confiança

7 Habitus: "sistemas de posições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas

estruturantes, quer dizer, enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações que podem ser objetivamente 'reguladas' e 'regulares', sem que, por isso, sejam o produto da obediência a regras objetivamente adaptadas a seu objetivo sem supor a visada consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-las; e por serem tudo isso coletivamente orquestradas, sem serem o produto da ação combinada de um maestro" (Bourdieu apud Miceli, 1987: XL). "(...) sistema de disposições duráveis e transferíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações, e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da mesma forma e graças às correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidas por estes resultados" (1987: XLI).

8 Estratos sociais (Classe objetiva): “conjunto de agentes que se encontram situados em condições de

existência homogêneas que impõem condicionamentos homogêneos e produzem sistemas de disposições homogêneas, apropriadas para gerar práticas semelhantes e que possuem um conjunto de propriedades comuns, propriedades objetivadas, às vezes garantidas juridicamente ou incorporadas, como os habitus de classe”.

está diretamente relacionada à capacidade relacional: de relacionamento mútuo, percepção mútua e inclusão em seu universo de referência.

Costa (2005, p.243) falando sobre a importância do capital social e da confiança a ele relacionada informa:

Esse tipo de inclusão ou integração diz respeito à atitude tão simples e por vezes tão esquecida que é justamente a de reconhecer, no outro, suas habilidades, competências, conhecimentos, hábitos(...) Quanto mais um indivíduo interage com outros, mais ele está apto a reconhecer comportamentos, intenções e valores que compõem seu meio. Inversamente, quanto menos alguém interage (ou interage apenas num meio restrito), menos tenderá a desenvolver plenamente esta habilidade fundamental que é a percepção do outro. Em outras palavras, reconhecer é a aptidão que um indivíduo desenvolve para perceber, detectar, localizar numa outra pessoa uma característica que não havia sido percebida antes e que, por isso mesmo, simplesmente não tinha existência no campo de sua percepção. Mas reconhecer é também, e ao mesmo tempo, dar valor a alguém, aceitá-lo em seu meio, integrá-lo como colega ou parceiro. Esta dinâmica do reconhecimento é com certeza uma das bases para a construção da confiança não apenas individual, mas coletiva. Redes sociais só podem ser construídas com base na confiança mútua disseminada entre os indivíduos. Isso pode se verificar em maior ou menor grau, mas de qualquer forma a confiança deve estar presente da forma a mais ampla possível.

O Capital Social, de acordo com Costa, só pode crescer e desenvolver-se por meio de redes de relacionamentos baseados na confiança, na reflexão sobre o outro e na aceitação mútua.

Buscando refletir sobre a confiança como um processo dinâmico bem como a respeito de sua característica social/cultural, Solomon & Flores (2002, p.31) escrevem:

A confiança é uma prática social, não um conjunto de crenças. É um aspecto da cultura e o produto de uma prática, não só questão de psicologia ou de atitude individual. O problema da confiança é prático: como criar e manter a confiança, como se mover da desconfiança para a confiança, de um abuso na confiança para a sua recuperação. A confiança é questão de relacionamentos recíprocos, não de previsão, de risco ou de dependência. A confiança é questão de tecer e manter compromissos, e o problema da confiança não é a perda da confiança, mas sim o fracasso em se cultivar o tecer de compromissos.

Para haver a coesão social, para a a consolidação de comunidades ou redes sociais a confiança como uma prática social precisa existir nessas comunidades/sociedades.

Unindo-se as reflexões de Costa (2005) e Solomon & Flores (2002) o reconhecimento individual e coletivo agregado à confiança como prática social pode fortalecer por meio do capital social a ação coletiva e a coletividade. Coletivos inteligentes só podem ser construídos fundados na confiança mútua disseminada entre indivíduos. Isso se pode

verificar em maior ou menor grau, mas, de qualquer forma, a confiança deve estar presente da forma mais ampla possível. Um importante fundamento do desenvolvimento e maturação social em um Estado ou em uma comunidade liga-se à criação e manutenção de instituições sociais sólidas baseadas em confiança.

Costa (2005, p.239 e 240) descreve:

Escolas, empresas, clubes, igrejas, famílias ainda funcionam como mediadoras da interação social, apesar das crises que estão enfrentando. Compreender seu papel e influência numa comunidade faz parte do processo de avaliação do capital social. Países arrasados por guerras civis ou invasões (Rwanda e Iraque, por exemplo) percebem uma degeneração acentuada de seu tecido social, causada justamente pela ausência do papel ativo das instituições. Reconstruí-las é o meio mais seguro para se restaurar parte do capital social perdido (que é, basicamente, a confiança perdida).

Há instituições decadentes ou obsoletas cujo destino é tornarem-se defensoras de valores desvinculados dos processos reais de mudança do social. Deixam de atuar como promotoras das inter-relações humanas e se tornam focos de conflitos e desagregação social (hospitais psiquiátricos remanescentes, reformatórios, presídios, arcaísmos religiosos etc.). O levantamento do capital social é um dos meios de se perguntar sobre o papel das instituições: elas realmente funcionam como mediadoras? A falência ou a crise de umas e o surgimento de outras não apontaria para mudanças nas relações humanas? Dentre as mais recentes, algumas têm servido sobretudo de apoio ao controle da sociedade, em vez de trabalhar para seu fortalecimento (indústrias de segurança, de manipulação genética, de biotecnologia)? (Costa, 2005)

Assim, a mensuração do capital social estaria fundada no levantamento do grau de interação de pessoas em comunidades, na maioria dos casos mediada por uma instituição. Daí o projeto conduzido por Grootaert (1998) propor levantar informações sobre o cotidiano das pessoas, saber se conversam com seus vizinhos, recebem telefonemas, freqüentam clubes, igrejas etc. Traduzindo para os três indicadores básicos do capital social de uma comunidade, é preciso saber a implicação dos indivíduos em associações locais e em redes (capital social estrutural), avaliar a confiança e a aderência às normas (capital social cognitivo) e analisar a ocorrência de ações coletivas (coesão social).

De acordo com Franco (2001), desses conceitos depreende-se existir algo (relacionado ao desenvolvimento/construção da riqueza) não possível de ser reduzido às formas conhecidas de capital propriamente dito nem de capital humano/intelectual (referente a

conhecimento, know how e à capacidade de criá-lo e recriá-lo). Franco (2001, p.50) enfatiza:

Envolve, portanto, saúde, alimentação, nutrição, educação, cultura, pesquisa e acima de todos, o empreendedorismo, a característica dos humanos dita às vezes imaginação criadora, que se revela como desejo, sonho e visão; desejo, e desejo de materializar o desejo; sonho, e capacidade de realizar o sonho; visão, e habilidade e competência para viabilizar a visão.

O autor continua destacando que pode-se constatar, empiricamente, na presença desse fator, em primeiro lugar (Franco, 2001, p.50 e 51):

a) sociedades (ou partes) exploram melhor oportunidades a seu alcance; b) organizações são mais eficientes; “custos de transação” são reduzidos; c) instituições funcionam melhor;

d) reduz-se a necessidade do uso de violência na regulação de conflitos; e) mais bens públicos e privados são produzidos;

f) mais atores sociais são constituídos; g) a sociedade civil torna-se mais forte.

Em segundo lugar, quanto maior a presença (ou a “quantidade” – infere-se por analogia com outros fatores de desenvolvimento/construção da riqueza que podem ser quantificados) desse fator, mais rapidamente, intensamente ou duradouramente se manifestam os efeitos antes assinalados. Em terceiro lugar, o fator depende das relações sociais estáveis e duráveis estabelecidas entre pessoas e grupos numa sociedade. Infere-se, portanto, que esse fator é função do conjunto dessas relações.

Contemplando de forma sistêmica os resultados das constatações anteriores, supõe-se que podem ser atribuídas a este fator desconhecido: a – a qualidade de ser fator ou variável de desenvolvimento/construção de riqueza; b – a natureza de algo que pode ser produzido, acumulado e reproduzido (forma ou tipo de capital); c – uma origem social; algo produzido, acumulado e reproduzido socialmente em função do tipo de relações sociais estabelecidas ou seguindo a configuração do conjunto dessas relações.

Fundamentado nessas considerações resolve-se denominar o fator ou a variável do desenvolvimento/construção de riqueza, cuja natureza é a de uma forma ou tipo de capital cuja origem é social, de “capital social” (Franco, 2001, p.51).

A partir dos conceitos de capital social verificados e da importância da confiança nas relações entre os atores sociais, na sociedade ocidental percebe-se que as organizações tornaram-se focais no processo de desenvolvimento do capital social devido a seu papel crescente de participantes dos mais variados aspectos da vida dos indivíduos. Portanto, pode-se pensar num capital social organizacional.