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2. As perspectivas marxistas em relação ao sistema internacional: o imperialismo e

2.1. O caráter internacional do capitalismo

Já no Manifesto Comunista (1848), Marx e Engels destacavam como característica particular do capitalismo a necessidade de expandir-se pelo planeta:

“Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para grande pesar dos reacionários, ela retirou a base nacional da indústria. As indústrias nacionais tradicionais foram, e ainda são, a cada dia destruídas. São substituídas por novas indústrias, cuja introdução se tornou essencial para todas as nações civilizadas. Essas indústrias não utilizam mais matérias-primas locais, mas matérias-primas provenientes das regiões mais distantes, e seus produtos não se destinam apenas ao mercado nacional, mas também a todos os cantos da Terra. Ao invés de necessidades antigas, satisfeitas por produtos do próprio país, temos novas demandas supridas por produtos dos países mais distantes, de climas os mais diversos. No lugar da tradicional auto-suficiência e do isolamento das nações surge uma circulação universal, uma interdependência geral entre os países. E isso tanto na produção material quanto na intelectual. (...) A estreiteza e o isolamento nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis, e das muitas literaturas nacionais e locais surge uma literatura mundial.”66

Como Marx demonstraria n’O Capital, a vocação mundial do modo de produção capitalista é um pressuposto do movimento histórico posto pelo capital. Isso é explicitamente evidenciado tanto no primeiro roteiro elaborado por Marx em 1857 para sua crítica da economia política – onde se previa que o último livro da obra seria dedicado aos temas do mercado mundial e às crises, sendo o penúltimo ao comércio exterior, ocupando assim tais temas a posição de síntese dialética de sua exposição –,67 como também no próprio O capital, se olharmos, por exemplo, o material histórico presente nos últimos capítulos do seu primeiro livro. E embora a maior parte das tensões históricas analisadas por Marx nestes capítulos diga respeito à constituição do capitalismo na Inglaterra, o autor nunca deixou de anotar o caráter capitalista das

66 MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. “Manifesto do Partido Comunista”. In. COUTINHO, Carlos Nelson (org.) et

all, O Manifesto Comunista – 150 anos depois. Rio de Janeiro: Contraponto/São Paulo: Perseu Abramo, 1998. p.11-

12, grifo nosso. Note-se que alguns parágrafos à frente deste trecho Marx também afirma que “a burguesia vive em conflito permanente: inicialmente contra a aristocracia; mais tarde, contra segmentos da própria burguesia, cujos interesses passaram a se opor ao progresso da indústria; e sempre contra a burguesia dos demais países.” (grifo

nosso). Op. Cit, p. 17. A propósito, o trecho que inclui a o termo interdependência é citado por Joseph Nye em

trabalho recente. NYE, Joseph. O paradoxo do poder americano. Por que é que a única superpotência mundial não pode actuar isoladamente.Lisboa: Gradiva, 2005 [2002]. p.100.

67 Em seu estudo seminal sobre a obra madura marxiana, Roman Rodolsky assinala como em 1857 Marx concebeu um primeiro roteiro para exposição de sua crítica da economia política onde se previam seis livros: 1) sobre o capital; 2) sobre a propriedade da terra; 3) sobre o trabalho assalariado; 4) sobre o Estado; 5) sobre o comércio exterior; 6) sobre o mercado mundial e as crises. ROLSDOLSKY, Roman. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001, p.28-29. Jorge Grespan entende que nesse primeiro roteiro o tema da crise ocupava uma posição de “síntese conclusiva”. GRESPAN, Jorge. O negativo do capital. O conceito de crise na crítica de Marx à economia política. São Paulo: Hucitec, 1999, p.33.

repúblicas italianas do fim do século XV, nem de relacionar a expansão do sistema europeu a partir das grandes navegações do século XVI com a implantação do modo de produção capitalista.

Com a Lei geral da acumulação capitalista, Marx demonstra como a centralização e a concentração do capital são movimentos imanentes è sua reprodução, o que explica o caráter internacional e expansionista desse modo de produção:

“Cada capitalista liquida muitos outros. Paralelamente a essa centralização, ou à expropriação de muitos capitalistas por poucos, desenvolve-se a forma cooperativa do processo de trabalho em escala cada vez maior, a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração planejada da terra, a transformação dos meios de trabalho em meios de trabalho que só podem ser utilizados coletivamente, a economia de todos os meios de produção graças a seu uso como meios de produção do trabalho social e combinado, o entrelaçamento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com isso, o caráter internacional do regime capitalista.”68

Mais do que isto, já no final da década de 1870, Marx notou a crescente relação entre os países no plano internacional, e numa carta a Nikolai Danielson escreveu que

“[as ferrovias] forneceram, em uma palavra, um ímpeto nunca antes imaginado à concentração de

capital, e também à acelerada e imensamente aumentada atividade cosmopolita do capital emprestável, assim abrangendo todo o mundo numa rede de fraudes financeiras e endividamento

mútuo, a forma capitalista de fraternidade ‘internacional’.”69

O movimento do capital, posto em especial quando da objetivação do modo de produção especificamente capitalista, a partir do advento da Revolução Industrial, não se encerra em territórios econômicos nacionais – como, aliás, o demonstraram as crises que Marx presenciou, particularmente as de 1847-48, 1857-58, 1866 e 1873.

A depressão de 1873-1896 levou a uma queda de preços e lucros na agricultura, e o aumento do comércio internacional levou a uma onda protecionista em quase todos os países capitalistas. A proteção nacional em relação ao comércio externo, ao mesmo tempo em que procurava driblar a crise na agricultura, também favoreceu a industrialização da Europa continental, como foi notavelmente o caso da Alemanha. Em suma, a resposta à crise agravava a tendência à centralização de capital (na forma de trustes e cartéis) e ao colonialismo; assim, mudava qualitativamente o papel dos Estados nacionais na acumulação e reprodução capitalista, e, aos poucos, a concorrência entre capitais assumia a forma da concorrência entre Estados, como pontuaria Hilferding. O militarismo, como acentuaria Rosa Luxemburgo, se tornava então um elemento central do Estado nos países capitalistas avançados: por um lado, promovia a disputa de

68 MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983. Volume 3. p.832, grifo nosso.

69 MARX, K. Marx and Engels Correspondence. Nova York: International Publishers, 1968, apud CORREA, Hugo Figueira de Souza. Teorias do imperialismo no século XXI: (in) adequações do debate no marxismo. Tese de doutorado em Economia. Universidade Federal Fluminense, 2012, p.55. A correspondência mencionada é de 10 de abril de 1879. Grifos do original.

territórios, e por outro, abria mais um campo de investimento de capital e de valorização do valor, com uma alta participação direta do Estado.

Marx, tendo explicado o caráter capitalista do colonialismo moderno, e o caráter expansionista do capital, propiciou a base sobre a qual se construiriam as teorias do imperialismo. Assim, foi sobre seus ombros que se produziram as mais importantes teorizações críticas sobre o que de forma positiva apareceu no vocabulário político europeu com o uso do termo “imperialismo”.

A partir da teoria do modo de produção capitalista de Marx, autores como Rudolf Hilferding (1877-1941), Rosa Luxemburgo (1871-1919), Karl Kautsky (1854-1938), Nicolai Bukharin (1888-1938) e Vladimir Lenin (1870-1924) teorizariam sobre o imperialismo.70