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O caráter substitutivo da prisão domiciliar com relação à prisão preventiva

No âmbito da prisão preventiva, é possível em determinados casos fazer a substituição da preventiva cumprida em estabelecimento penal pela prisão domiciliar, de modo que o agente deve preencher certos requisitos para sua obtenção. Outrossim, há importantes estudos e decisões recentes dos tribunais viabilizando e abrangendo as determinações para que seja cumprida essa medida cautelar, em substituição.

Lopes Jr. (2018, p. 672), aduz que a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito ou do processo e em grau de recurso, podendo se manter assim

até a revogação, substituição ou o trânsito em julgado da sentença, que, neste último caso, se a sentença for condenatória, então dará lugar à execução da pena. Inclusive, a partir da sentença condenatória, o magistrado deve analisar fundamentadamente a necessidade de imposição ou a manutenção da prisão preventiva, embasando-se no art. 312 do Código de Processo Penal.

Para a aplicação de medidas cautelares, é importante observar os critérios definidos nos artigos 282 e 312 do Código de Processo Penal. A prisão cautelar preventiva é vista como instrumento apto a garantir a ordem pública, quando houver risco à persecução penal, por conveniência da investigação e instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal, ou em casos expressamente previstos, com o objetivo de evitar a prática de infrações penais. Ainda, se houver no caso concreto indícios suficientes de autoria e materialidade, bem como a liberdade do sujeito possa causar significativo perigo.

E é a partir dos pressupostos presentes no art. 312 que o Estado legitima a extravagância e desnecessidade dessa aplicação. Nesse sentido, há a crítica do Estado punitivo, nas palavras de Minagé (2019, p. 211):

Consequentemente, utilizam a Prisão Preventiva como principal instrumento idôneo para o domínio e controle dos riscos. A prisão se justifica pela precaução, ou seja, surge um novo paradigma: O paradigma da prevenção. Da forma que está posta na legislação em vigor, a prisão preventiva se torna regra e o preso, em tese presumidamente inocente é colocado da posição inversa de demonstrar a desnecessidade daquela prisão. Cria-se a ideia de direito fundamental à segurança que tem como obstáculo, justamente os direitos fundamentais individuais, principalmente a liberdade.(grifo do autor)

Outrossim, com o intuito de preservar as garantias e direitos fundamentais impostos pela Constituição Federal, principalmente, os direitos à vida digna e à liberdade, o da presunção de inocência e do devido processo legal, surge a possibilidade de invocar medida diversa da prisão preventiva, qual seja, a prisão domiciliar.

Desta forma, sobre a possibilidade de substituição da preventiva pela domiciliar, discorre Minagé (2019, p. 316):

A Lei nº 13.257, de 08 de março de 2016 alterou significativamente os ditames do instituto da prisão domiciliar. Atualmente foi inserido o inc. V

no art. 318 do Código de Processo Penal pela Lei 13.257/16 que dispõe sobre políticas públicas para a primeira infância. A prisão domiciliar, se apresenta, nesses termos, como verdadeiro direito daqueles que incorreram em suas definições.

Cuida-se, nesse aspecto, de interpretar a finalidade do instituto e seu impacto no processo penal pátrio. Para fazer a correta e mais viável interpretação, será necessário analisar os aspectos subjetivos daquele que se encontra preso preventivamente, visto que, via de regra, a prisão preventiva é medida extrema que deve ser aplicada somente em casos excepcionais quando não se mostrar suficiente e adequada qualquer uma das demais medidas cautelares, restritivas de liberdade, mas não tão drásticas.

Ademais, no aspecto geral, as prisões cautelares se estruturam a partir de uma base principiológica que permite a coexistência de uma prisão sem sentença penal condenatória transitada em julgado com o exercício da garantia da presunção de inocência. Os princípios de maior ênfase na estruturação são os da provisionalidade, da excepcionalidade e proporcionalidade.

Como aduz Lopes Jr. (2018, p. 590), além da motivação de todas as decisões, o princípio da provisionalidade deverá ligar uma situação fática aos motivos que ensejaram a decretação da medida cautelar, de modo que, ao desaparecer qualquer uma das “fumaças” (fumus commissi delicti e/ou periculum libertatis) legitimadas, deverá cessar a prisão. Já o princípio da excepcionalidade, em conformidade com o artigo 282, §6º, do Código de Processo Penal é aplicado no sentido da prisão preventiva ser o último instrumento a ser utilizado, quando outra medida cautelar não for cabível ao caso em concreto, enfatizando a real necessidade de análise sobre a adequação e suficiência das demais medidas.

No processo penal, o fumus commissi delicti e o periculum libertatis3são elementos essenciais para a decretação de uma prisão preventiva, que deve ser fundamentada com a percepção em qualquer um desses institutos, bem como, são imprescindíveis também para as demais cautelares de coerção pessoal, como as medidas alternativas previstas no art. 319, do Código de Processo Penal, ou mesmo a própria prisão domiciliar.

3Nas palavras de Lopes Jr. (2018, p. 583), fumus commissi delicti significa a prova da existência do crime e dos

indícios de materialidade. E, o periculum libertatis, representa o perigo decorrente do estado de liberdade do imputado, traduzidos do latim. São requisitos essenciais para a decretação da prisão preventiva.

Assim, Lopes Jr. (2018, p. 584) conceitua que, o fumus commissi delicti se caracteriza como requisito no sentido da probabilidade da ocorrência de um delito, ou seja, prova da existência do crime e de indícios suficientes de autoria. E, o periculum libertatisse caracteriza sobre a situação de perigo criada através da conduta do imputado, que poderia vir a causar risco de frustração da função punitiva ou graves prejuízos ao processo, caso respondesse à persecução penal em liberdade.

Em seguimento, na definição dos princípios norteadores das prisões cautelares, Lopes Jr. (2018, p. 597) aduz que, o princípio da proporcionalidade surge como norteador da conduta do magistrado frente ao caso concreto, tendo em vista que este terá a importante decisão de ponderação da gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, sem perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis.

Portanto, para a aplicação da prisão preventiva como medida cautelar, será necessário o preenchimento dos requisitos com embasamento nos princípios norteadores para que a prisão ocorra dentro da legalidade. Ademais, uma medida cautelar não deve ter ligação ou se converter em uma pena antecipada, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência.

Assim, afirma Minagé, (2019, p. 318):

É imprescindível buscar a genuína finalidade da lei, que não pode ser alcançada com a interpretação puramente gramatical, exceto se a pretensão for negar a substituição, sempre e sempre. A respectiva lei reformula as regras sobre as cautelares no processo penal, e amplia o número de medidas possíveis, não tratando das denominadas cautelares reais, que asseguram bens para a reparação do dano e para a satisfação das obrigações dos condenados, tais como, arrestos, sequestros. Visa apenas, garantir direitos aos submetidos a investigações ou processos criminais, evitando assim um encarceramento preventivo desmedido e desnecessário.

Seguindo essa linha de pensamento, importante destacar que não se deve confundir a prisão domiciliar prevista no art. 318, do Código de Processo Penal – objetivo principal do estudo – com a previsão do art. 117 da Lei de Execução Penal, que trata da prisão domiciliar como sanção penal. Acerca da diferença entre os institutos, esclarece Sheila Jorge Selim de Sales (2020):

No primeiro caso, a prisão domiciliar é medida de natureza cautelar, que substitui a prisão preventiva. Portanto, aplicável à pessoa submetida às indagações preliminares ou acusada. No segundo caso é um direito da pessoa condenada que se encontra em regime aberto, nas hipóteses arroladas pelo art. 117. Uma vez que a prisão domiciliar substitui a prisão preventiva, encontra-se subordinada aos mesmos princípios, requisitos e condições. Importante notar que, tratando-se de uma espécie de prisão, fica sujeita à detração penal.

Consubstancia-se que, em ambos, os casos da substituição por prisão domiciliar desafogam os presídios brasileiros. Principalmente, no que tange à prisão preventiva, que deveria ser vista como ultimaratio4 do sistema penal, porém, o que se observa com mais frequência é a utilização do instituto como a maneira mais fácil e rápida para “lidar” com o investigado ou acusado.

Outrossim, de forma crítica ao sistema de prisão preventiva, aduzem Vanessa Menegueti e Camila Nunes Dias (2020, p. 381):

O aprisionamento provisório figura como um dos principais fatores que impulsionam o encarceramento em massa no país, tanto de mulheres quanto de homens. Sua aplicação, porém, deveria ocorrer apenas em casos excepcionais. Na prática, porém, o perfil de presos e o tipo penal pressupõem a culpa e determinam a prisão. As prisões preventivas – que normalmente decorrem do flagrante – prevalecem em detrimento da aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão. Isso explica o perfil de presos no país, em sua maioria acusados por crimes patrimoniais e ligados às drogas que são alvo do policiamento ostensivo da polícia militar.

Além disso, como exposto por Menegueti e Dias (2020, p. 381), na forma com que o Estado utiliza a prisão cautelar como facilitadora da eficácia punitiva, é comum observar que isso ocorre com base num padrão de tipos penais – crimes contra o patrimônio e referentes à lei de drogas – e também no padrão do acusado que já está inserido numa comunidade vista como potencial meio criminoso.

Em especial às mulheres, se deve avaliar as peculiaridades de forma mais cautelosa. E é através dessa perspectiva que surgem as hipóteses de cabimento de prisão cautelar domiciliar para mulheres.

Minagé afirma (2019, p. 316):

4Ultimaratio é a expressão oriunda do latim para representar o direito e as medidas excepcionais como “último

Para obter o benefício é preciso que a presa tenha filho menor de 12 [doze] anos de idade, com ou sem deficiência. Assim é imprescindível que por ocasião da custódia cautelar – contemporaneamente, entenda-se – o filho se encontre sob os cuidados e responsabilidade de sua genitora presa.

Ainda, em relação ao Marco da Primeira Infância, com as alterações da Lei n.º 13.257/2016 e o estabelecimento de políticas públicas sensíveis ao aprisionamento feminino, pontuam Menegueti e Dias (2020, p. 383):

A busca por alternativas penais ao encarceramento de mulheres ganhou novos contornos em relação às gestantes e mães. A nova lei acrescentou a possibilidade de substituição da prisão preventiva por domiciliar nos casos de gestantes e mulheres com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Apesar da referida legislação, a discricionariedade imposta aos operadores do direito – assim como observado em relação à classificação de crimes ligado às drogas – na aplicação da substituição da prisão preventiva por domiciliar implicou em insistente descumprimento da medida.

Além das recentes alterações legislativas, é importante reconhecer que as medidas cautelares substitutivas da privação da liberdade corroboram com os princípios constitucionais preceituados na Constituição Federal, com o objetivo de efetivar e aumentar a proteção e a garantia da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal e da presunção de inocência.

As alterações são oriundas dos consideráveis movimentos trazidos pelo declarado estado de coisas inconstitucional (que pontua a situação caótica dos presídios no país), os tratados internacionais pela luta dos direitos humanos, bem como as Regras de Bangkok que viabiliza melhor tratamento às mulheres presas, trazendo consigo medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras.

Com base nisso, afirma Minagé (2019, p. 340) que cada vez mais aumentam os movimentos legislativos e sociais no sentido de defender a simplificação dos procedimentos penais em nome da eficiência da justiça penal, inclusive, para evitar violações, direitos e garantias individuais. Além das possíveis violações sobre o compromisso ao sistema democrático, direitos e deveres internacionais assumidos pelo Brasil.

Também imprescindível tecer que, como afirmam Menegueti e Dias (2020, p. 388), através das disposições legais, especificamente em relação à mulher presa, houve determinação de colheita juntamente com a autoridade policial e judiciária de triagem para apurar a existência de filhos, suas idades e se possuem deficiências, nomes e responsável pelos cuidados.

A partir dessa triagem, já se verifica o possível encaixe e cabimento da prisão domiciliar. Nessas características, descreve Sales (2020, n. p.) acerca da pessoa condenada com filho menor ou deficiente físico, que exige um maior amparo materno, de modo que, a mulher deve apenas fazer a comprovação através de certidão de nascimento da criança ou laudo médico que certifique as condições especiais. Também, é exposto o caso das gestantes, quando a prisão domiciliar visa assegurar à mulher a oportunidade de ver atendidas as condições indispensáveis e adequadas para uma gestação saudável, devendo assim, também fazer a comprovação por laudo médico, mas, independentemente da existência de qualquer perigo para a gestante, tendo em vista a atual situação prisional exposta no país.

Por fim, com as considerações tecidas sobre a prisão preventiva, é possível diagnosticar que há um grande número de encarcerados e encarceradas aguardando uma sentença, ou seja, sem condenação mas que já estão alocados em presídios, privados de sua liberdade. Com base nos dados mais recentes divulgados pelo Infopen de dezembro de 2019, haviam cerca de 748.009 mil presos em todo o país, dentre esse número 222.558 são presos provisórios, ou em outras palavras, pendentes de julgamento. Abaixo, segue o gráfico extraído da página eletrônica do Ministério da Justiça, publicado pelo Infopen (Ministério da Justiça, 2020):

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Ministério da Justiça, 2020)

Esse diagnóstico é ainda mais destacado no caso das mulheres, que precisam passar por essas condições. Portanto, a prisão domiciliar é admitida pelo ordenamento jurídico como medida cautelar diversa, que pode substituir a prisão preventiva, importante instituto que precisa, cada vez mais, ser recepcionado e facilitado para as mulheres, como trazido ao texto, em especial às gestantes, puérperas e com filhos pequenos.

Com a facilitação e introdução dessa medida, há o destaque e reconhecimento às diferenças de gênero e o respeito à dignidade, tanto das presas, como de seus filhos, tendo em vista que, as significativas alterações na legislação pátria ocorreram com base nos princípios aplicáveis à primeira infância, além, da economia de políticas públicas carcerárias. Portanto, com o maior amparo do legislador na sensível área da prisão da mulher, o Estado não deixa de cumprir seu papel durante a persecução penal, somente viabiliza um direito constitucional, qual seja o de que ninguém deverá ser considerado culpado até uma sentença condenatória transitada em julgado, nem privado de sua liberdade.

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