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Desafios do cárcere feminino no Brasil: análise da efetividade da decisão proferida pelo STF no Habeas Corpus Coletivo n.º 143.641

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

BRUNA SAUER BARBOSA

DESAFIOS DO CÁRCERE FEMININO NO BRASIL: ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELO STF NO HABEAS CORPUS COLETIVO N.º

143.641

Ijuí (RS) 2020

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BRUNA SAUER BARBOSA

DESAFIOS DO CÁRCERE FEMININO NO BRASIL: ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELO STF NO HABEAS CORPUS COLETIVO N.º

143.641

Monografia final apresentada ao curso de Graduação em Direito, requisito parcial para aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.

Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Ma. Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2020

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Dedico este trabalho a todos que de alguma forma me auxiliaram e contribuíram durante todo o período acadêmico. Meu agradecimento e carinho.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço à Deus por minha vida, por ter me dado força e ânimo para enfrentar e superar todas as dificuldades.

À Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e seu corpo docente, que oportunizaram a janela que hoje vislumbro um horizonte superior.

À minha orientadora, Patrícia Borges Moura, por todo empenho, dedicação, paciência e carinho em todos os ensinamentos e que sempre serviu de exemplo e inspiração durante toda a graduação.

À minha família e amigos, por sempre estarem comigo e por todo carinho e apoio durante toda a graduação.

Por fim, a todos que de qualquer forma direta ou indireta fizeram parte ou contribuíram com minha formação, meu muito obrigada!

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“Querer ser livre é também querer livres os outros.”

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RESUMO

O presente estudo analisa a violação dos direitos humanos e fundamentais das mulheres no ambiente carcerário. Através do estudo, por meio de pesquisas bibliográficas, decisões em âmbito nacional e análise de casos concretos, restou demonstrado que as mulheres encarceradas se encontram em situação de vulnerabilidade, sofrendo extremas violações à sua dignidade, visto que são expostas a ambientes em situações precárias que, muitas vezes não são projetados para atender as particularidades da mulher no âmbito do gênero. Assim, havendo a necessidade de adaptação a um ambiente estruturado para homens, com inconsistente fornecimento de materiais de higiene e exposição a condições degradantes. Ademais, a partir da análise do cenário carcerário feminino brasileiro, se constatou que, em sua maioria, seguem um padrão, qual seja, o da mulher pobre, negra, com baixa escolaridade e com filhos pequenos. Diante das extremas violações de direitos humanos, inclusive reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, tornou-se necessário adotar medidas que diminuam o elevado número de população carcerária e que beneficiem às mulheres e suas famílias, que também sofrem em consequência da situação a que são expostas. Portanto, como principal objeto no presente estudo, se analisa o instituto da prisão domiciliar como medida de substituição da prisão preventiva, reconhecido e concedido pelo STF através do habeas corpus coletivo n.º 143.641 para todas as mulheres, em âmbito nacional, que estejam grávidas, puérperas ou que possuam filhos de até 12 anos de idade, com o fim de desafogar o sistema carcerário. Assim, com objetivo de se defender o uso da prisão domiciliar como medida cautelar alternativa à privação provisória de liberdade em ambiente prisional, se verifica uma resistência dos juízes e tribunais para concessão do benefício às mulheres em casos concretos. Portanto, tornou-se necessário avaliar o importante instituto de diminuição de violação dos princípios constitucionais e os problemas enfrentados para a sua concreta e correta efetividade no país.

Palavras-chave: Pena. Sistema Penitenciário Brasileiro. Dignidade Humana. Direitos Humanos. Mulheres no cárcere. Prisãodomiciliar.

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ABSTRACT

The present study analyzes the violation of human and fundamental rights of women within the prison environment. Through the study, through bibliographic research, national decisions and specific cases, it was shown that incarcerated women are in a situation of vulnerability, suffering extreme violations of the principle of human dignity, since they are exposed to environments in precarious situations, which are often not designed to meet the particularities of women in the context of gender. Thus, there is a need to adapt to a structured environment for men, with an inconsistent supply of hygiene materials and exposure to degrading conditions. Furthermore, from the analysis of the Brazilian female prison scenario, it was found that most of them follow a pattern, which is poor, black woman, with low education and with small children. With the extreme violations of human rights on sight, even recognized by the Supreme Federal Court, it became necessary to adopt measures that reduce the high number of prison population and that benefit women and their families, who also suffer as a result of the situation to which they are exposed. Therefore, as the main object in the present study, the house arrest institute is analyzed as a substitute measure for preventive care, recognized and granted by the Supreme Court through collective habeas corpus No. 143,641 for all women, nationwide, who are pregnant, puerperal women or who have children up to 12 years of age, in order to relieve the prison system. Thus, in order to defend the use of house arrest as a precautionary measure as an alternative to provisional deprivation of liberty in a prison environment, there is resistance from judges and courts to grant the benefit to women in specific cases. Therefore, it became necessary to evaluate the important institute for reducing the violation of constitutional principles and the problems faced for its concrete and correct effectiveness in the country.

Keywords: Penalty. Brazilian Penitentiary System. Human dignity. Human rights. Women in prison. Housearrest.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...8

1 O CÁRCERE BRASILEIRO E A PERSPECTIVA DE GÊNERO: O PRESÍDIO É PARA OS HOMENS?! ... 11

1.1 Os direitos humanos dos presos: uma análise a partir dos Tratados Internacionais, do texto constitucional de 1988 à legislação infraconstitucional ... 12

1.2 Um retrato da vida no cárcere brasileiro: o declarado Estado de Coisas Inconstitucional . 17 1.3 Seletividade penal e exclusão social a partir de uma perspectiva de gênero ... 22

1.4 Diagnóstico e realidade social das mulheres brasileiras que vivem no cárcere ... 26

2 PRISÃO DOMICILIAR PARA AS MULHERES PRESAS: UMA LEITURA A PARTIR DO HC N.º 143.641 ... 31

2.1 Prisão domiciliar no sistema penal pátrio ... 33

2.2 O caráter substitutivo da prisão domiciliar com relação à prisão preventiva ... 36

2.3 Mulheres e filhos no cárcere ... 43

2.4 A decisão no HC nº 143.641 pelo STF: fundamentos e efetividade ... 51

CONCLUSÃO ... 63

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INTRODUÇÃO

Com o objetivo de assegurar uma organização da sociedade auferindo prerrogativas quanto a direitos e deveres, é necessário o estabelecimento formal de determinadas normas, o que se dá, em âmbito nacional, através da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 1988 e demais normas infra legais. Nesse viés, é imprescindível, para além da sociedade em geral, estabelecer medidas de proteção a direitos fundamentais para a população carcerária, visando à garantia dos direitos humanos e à preservação da dignidade de qualquer indivíduo nessas condições, sem discriminação por raça, cor, sexo e gênero.

O sistema carcerário é responsável pela concretização do poder punitivo no que se relaciona ao cumprimento de penas privativas de liberdade e objetiva prevenir o crime e orientar o preso ao posterior retorno à convivência em sociedade. Porém, não é o que acontece fatidicamente, de modo que o Estado não consegue oferecer condições dignas aos encarcerados, mesmo que seja seu dever, conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988 em consonância com a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984 – LEP) e tratados internacionais que versam sobre a temática, dos quais o Brasil é signatário.

Neste aspecto, a relevância jurídica e social do presente estudo pretende analisar as mazelas do cárcere para as mulheres, que sofrem além das consequências por seus atos de delinquência, pela condição do“ser mulher” e pelo reflexo causado subsidiariamente às suas famílias.

Outrossim, a desídia do Estado tem por consequência uma precáriaefetivação de direitos fundamentais. Além disso, é necessário reconhecer que, em muitos estabelecimentos não apenas há a precariedade, mas, por vezes, até a inexistência de implantação e

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implementação de políticas públicas. Essas medidas são voltadas para a vida das mulheres no cárcere, com dignidade, a fim de minimizar o próprio caráter punitivo e aflitivo que a segregação social em um ambiente prisional – além do que já lhe é próprio – e que perpassa questões fundamentais como assistência jurídica, acesso à educação e/ou formação profissional, preservação e cuidado com saúde física e mental, entre outros.

Ademais, no presente estudo também será verificada a influência carcerária na vida das mulheres e de seus filhos a partir da falta de efetividade do acesso de direitos fundamentais nos estabelecimentos prisionais. Bem como, a investigação dos principais motivos que levam as mulheres a serem presas preventivamente no Brasil, a real necessidade da tomada dessas medidas como garantia da ordem pública e a possibilidade de adoção de formas alternativas substitutivas que causem menos sofrimento às mulheres.

Assim, perfaz-se a necessidade de análise do recente habeas corpus coletivo nº 143.641, cuja decisão pelo Supremo Tribunal Federal se deu em 20 de fevereiro de 2018 e concedeu prisão domiciliar às mulheres submetidas à prisão cautelar que se encontram na condição de gestantes, puérperas ou de mães com crianças de até 12 anos. Desta análise, surge a imprescindibilidade de verificar se o instituto está sendo efetivo e se as mulheres presas que preenchem esses requisitos estão se beneficiando das medidas, ou se mais uma vez o cumprimento vem sendo falho, justamente como ocorre com as garantias constitucionais dentro do cárcere.

A pesquisa é do tipo exploratória e utiliza no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos: seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes à corroborar as hipóteses levantadas e que atinja os objetivos propostos na pesquisa; leitura e fichamento do material selecionado; reflexão crítica sobre o material selecionado; e, a exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.

Inicialmente, o primeiro capítulo irá abordar a proteção aos direitos humanos a partir do ordenamento jurídico brasileiro, com enfoque nos direitos da população carcerária, analisando os institutos que corroboram com os preceitos fundamentais expostos nos tratados

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internacionais, na Constituição Federal da República e nas legislações infraconstitucionais, tais como, Código Penal, Código de Processo Penal e a Lei de Execuções Penais. Ademais, será evidenciado o declarado Estado de Coisas Inconstitucional com o reconhecimento calamitoso dos estabelecimentos penais no país, fonte de grandes violações; uma análise detalhada da origem da exclusão social pela perspectiva de gênero; a realidade enfrentada pelas mulheres encarceradas; as dificuldades oriundas do “ser mulher” dentro de um ambiente estruturado para homens; e, o efeito negativo gerador da exclusão social.

No segundo capítulo será abordado o tema principal em relação à prisão domiciliar para as mulheres presas, em que será feita a conceituação de prisão domiciliar no sistema penal e a análise da viabilidade da substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar. Por fim, será exposta a situação carcerária das mulheres presas e, inclusive, daquelas – poucas e excepcionais – que possuem filhos pequenos convivendo dentro do ambiente prisional, correlacionando com a decisão proferida no habeas corpus coletivo n.º 143.641 pelo STF em que há a concessão da prisão domiciliar para mulheres que atenderem determinados requisitos, os quais serão tratados na presente pesquisa através da explanação dos fundamentos teóricos, da efetividade e da prática em análise a casos concretos.

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1 O CÁRCERE BRASILEIRO E A PERSPECTIVA DE GÊNERO: O PRESÍDIO É PARA OS HOMENS?!

Primeiramente, cumpre anotar, ainda que suscintamente, algumas constatações e indagações acerca da perspectiva social feminina. Nesse sentido, pergunta-se: de fato, vive-se em uma comunidade igualitária? Qual o papel da mulher no âmbito social? No cenário atual, ainda há amarras de gênero tendo em vista as desigualdades provenientes do patriarcado?

Ora, é de conhecimento comum que, com o passar das gerações, e apesar da obtenção da titularidade de direitos já conquistados, nas condutas sociais e domésticas, ainda se sobressai a ideia oriunda dos antepassados sobre a submissão da mulher, o que dificulta a efetiva propriedade dos direitos e garantias à dignidade como pessoa humana. Exemplo disso é que, em situações cotidianas, em vários setores da sociedade, é sonegado às mulheres o tratamento igualitário em termos de gozo de direitos em comparação aos homens, como a possibilidade de mulheres votarem e ser votadas – que se concretizou muito após aos homens já exercerem esses direitos – e a dificuldade na equidade de salários no exercício de mesmas atividades realizadas por homens e mulheres.

É indubitável que a mulher, apesar das constâncias de lutas e abordagens feministas ainda é inferiorizada e a questão da concretização dos direitos ocorre numa velocidade diferente aos homens, como por exemplo, na luta pelo reconhecimento mínimo frente à garantia e promoção de preceitos fundamentais trazidos pela Constituição Federal de 1988.Embora, pressuponha-se que, a sociedade brasileira é democrática e igualitária entre gêneros, por trás do contexto formal, a igualdade de gênero ainda está em processo de construção, por mais que já some movimentos, reivindicações e lutas, nacional e internacionalmente. Portanto, a partir dessas contribuições – apesar de lentamente – as mulheres vêm ganhando maior espaço nos campos políticos, jurídicos e econômicos.

Insta consignar que demais questões relativas às diferenças de gênero serão apontadas e discutidas no decorrer deste estudo monográfico. O que se busca, neste instante, é realizar apontamentos, ainda que breves, acerca dos papéis sociais que são exercidos ou destinados às mulheres – considerada a sua participação enquanto pessoa/sujeito de direitos.

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Denota-se, desta forma, que a questão carcerária não é diferente da questão social e do ambiente doméstico no que tange à igualdade de gênero, tal como preconiza o texto constitucional. O que se tem – indo completamente fora da taxatividade constitucional – é um sistema carcerário voltado ao público majoritário, qual seja, o masculino. Questões relativas à igualdade de gênero são quase que invisíveis no cenário atual, de forma que, embora exista previsão legal acerca das garantias, a lei não é aplicada propriamente. Neste ditame, tem-se a formação da máxima “o presídio é para os homens?!”, vindo a obstar, ainda mais, a imagem da mulher no âmbito social e carcerário.

1.1 Os direitos humanos dos presos: uma análise a partir dos Tratados Internacionais, do texto constitucional de 1988 à legislação infraconstitucional

Os estudos e a reflexão referentes ao cárcere brasileiro e aos direitos dos presos iniciam-se com base, precipuamente, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na qual são trazidos diversos princípios basilares para interpretação e execução de garantias necessárias à sociedade. Dentre essas garantias, como preceituado no art. 5°, XLIX, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2019) “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Porém, de fato, há uma enorme crise nos estabelecimentos prisionais, que se encontram superlotados e sem o devido fornecimento de condições básicas, asseguradas no texto constitucional.

Aos infratores, em muitos casos, é necessária a adoção de medidas que possuem o intuito não apenas punitivo – de responsabilização – como também de prevenção de novos delitos.Assim, em determinadas situações, sujeitos são privados de sua liberdade e recolhidos em estabelecimentos prisionais. Estabelecimentos estes que são construídos principalmente para propiciar a execução penal e atender às necessidades dos homens presos. E é a partir desse entendimento que surge a crítica ao sistema carcerário, por não abranger as necessidades e particularidades das mulheres infratoras.

Conforme a literalidade do art. 5°, L, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2019) “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. Neste dispositivo, denota-se a garantia de como o cárcere deve se adequar às diferenças biológicas existentes entre os indivíduos presos. Assim, em consonância com a Lei de Execução Penal – LEP, nº 7.210 de 1984, no art. 89, constam os

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requisitos da penitenciária de mulheres para atendimento básico das necessidades inerentes a essas diferenças biológicas, que demandam outras particularidades em relação aos homens, sendo dever do Estado fornecer essas condições para as mulheres encarceradas.

Como citado, é importante fazer referência ao que dispõe o texto legal constante dos artigos 88 e 89 da LEP (BRASIL, 2019), quais sejam:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de

mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para

abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo:

I – atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e

II – horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável.(grifo nosso)

Na realidade atual, os presídios nacionais se encontram em situações precárias, tendo por resultado a violação do princípio da dignidade da pessoa humana por propiciar condições insalubres e, consequentemente, a falha na perspectiva de reinserção social. Uma situação que ainda se agrava quando relacionada aos direitos das mulheres presas.

Ademais, como objeto de estudo, o cárcere na vida das mulheres tem uma diferente perspectiva dos homens, de fato que, conforme entendimento de Debora Diniz e Juliana Paiva (2014), a prisão de uma mulher pobre, jovem, pouco educada e trabalhadora informal traz implicações substantivas para o bem-estar e cuidado dos filhos. E o impacto no geral vai muito além do fato de simplesmente puni-la, por consequência que, ao punir uma mulher, pune-se também seus filhos.

Portanto, apesar da crise penitenciária atingir ambos os gêneros, é necessário fazer a diferenciação do impacto causal na vida de ambos. Em suma, principalmente, reconhecer as demandas oriundas das mulheres, que enfrentam tremendas dificuldades em presídios

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projetados para homens, sob precário fornecimento básico de materiais de higiene e local em que ficam presas grávidas ou com filhos pequenos.

Segundo Douglas Bonaldi Maranhão e Amanda Mendes Gimenes (2018), a criminalidade feminina vem aumentando mais do que a masculina, principalmente no que tange às mulheres responsáveis pelo sustento familiar, vindas de contextos sociais predominantemente da pobreza, assoladas pelo convívio direto com o tráfico de drogas.

Como declaram Luciana Costa Fernandes e Mariana Paganote Dornellas (2018), é possível perceber um padrão nas mulheres criminalizadas, em sua maioria pelo tráfico de drogas, que de modo geral são solteiras, mães, chefes de família, que recorrem ao comércio dessas substancias para complemento de renda e são massacradas pela desigualdade de inserção no mercado de trabalho. A partir do embate na vida dessas mulheres, de suas famílias e da criação subjetiva das crianças que tem essa realidade desde a concepção e, de modo geral, da árdua opressão vivida dentro do cárcere, questiona-se e critica-se a precariedade enfrentada pelas mulheres de maneira desigual aos homens.

Nesse mesmo viés, no contexto de Maranhão e Gimenes (2018), observa-se a ausência de infraestrutura dos presídios para abrigar essas mulheres. Infraestrutura essa que deveria se adequar ao expostona Resolução 2010/16 de 22 de julho de 2010 da Organização das Nações Unidas (ONU), que tratou especificamente da condição do gênero feminino, como a violência sofrida fora e dentro dos cárceres, bem como as questões de saúde básica e biológica como a menstruação e a maternidade, que não costumam ser contempladas pela maioria dos sistemas penitenciários no mundo todo.

Esses problemas de infraestrutura dos estabelecimentos prisionais evidenciam uma falta de percepção e planejamento em relação ao encarceramento feminino, sendo reforçado o entendimento conclusivo de que, no âmbito social, um comportamento problemático feminino, relacionado à criminalidade não é esperado.

Denota-se que, com base na realidade social carcerária brasileira, esta vai de encontro às determinações e diretrizes internacionais de direitos humanos e, principalmente, no que diz às Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras – reconhecidas como Regras de Bangkok (Conselho

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Nacional de Justiça, 2016) – que, inclusive, na teoria é adotada pelo Brasil em consonância com as garantias fundamentais trazidas pela Constituição Federal de 1988.

Maranhão e Gimenes (2018) referem que as Regras de Bangkok têm o objetivo de estabelecer parâmetros mínimos para o tratamento das mulheres infratoras através de uma série de regras a serem implementadas. Porém, como seria impossível fazer sua implementação integral por diversos fatores no mundo todo, foi adotado como soft law, visando a garantir direitos e uma melhor condição de igualdade material entre os gêneros.

Segundo Fernandes e Dornellas (2018), auferem que a motivação se dá no sentido de estabelecer regras específicas com o reconhecimento das necessidades e tratamento sem discriminações para as mulheres, principalmente, com o ensejo do aumento da população carcerária feminina em todo o mundo.

Nesta senda, é importante analisar algumas das principais regras, a fim de demonstrar o conteúdo e os mandamentos deste importante instituto reconhecido internacionalmente.

Como mencionam Fernandes e Dornellas (2018), insta consignar a regra 22 que proíbe a aplicação de quaisquer sanções de isolamento ou segregação disciplinar à mulheres gestantes, ou que se encontram presas com seus filhos, bem como em período de amamentação. Apesar de parecer uma instrução óbvia, se faz necessário transparecer esse instituto como regra, principalmente pelo fato que – a título de exemplo – já ocorreu situação específica em que uma gestante teve seu filho em uma cela solitária no estado do Rio de Janeiro, afrontando veemente a regra em questão e a dignidade da presa e do recém-nascido.

Ademais, importante destacar a regra 24 que veda a utilização de instrumentos de contenção, como algemas, em mulheres que estejam em trabalho de parto, durante o parto ou no período imediatamente posterior, independentemente de qualquer pretexto. Essa regra, inclusive, posteriormente foi introduzida ao ordenamento jurídico brasileiro através de determinações legais no Código de Processo Penal.

Fernandes e Dornellas (2018) destacam outras regras importantes, como a 57, que aduz que devem ser desenvolvidas em cada Estado opções de medidas despenalizadoras e alternativas à prisão cautelar, quando analisado o histórico de vitimização das mulheres e suas

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responsabilidades de cuidado. A regra 61, a qual dispõe que os juízes devem se atentar aos fatores atenuantes ao condená-las. A regra 64, neste seguimento, afirma que se deve seguir de maneira prioritária com penas não privativas de liberdade, levando em conta as condições dos casos concretos ao tomar medidas mais severas, e somente em casos que o crime for grave ou violento, ou que, de fato, a mulher represente ameaça contínua.

Imperioso trazer, ainda, a literalidade de regras sobre esforços envidados, em relação à pesquisa, planejamento, avaliação e sensibilização pública, como a regra 67 (Conselho Nacional de Justiça, 2016):

Serão envidados esforços para organizar e promover pesquisa ampla e orientada a resultados sobre delitos cometidos por mulheres, as razões que as levam a entrar em conflito com o sistema de justiça criminal, o impacto da criminalização secundária e o encarceramento de mulheres, as características das mulheres infratoras, assim como os programas estruturados para reduzir a reincidência criminal feminina, como uma base para planejamento efetivo, desenvolvimento de programas e formulação de políticas para atender às necessidades de reintegração social das mulheres infratoras.

Assim, as Regras de Bangkok se concretizam pelo fato de indicarem o tratamento mínimo dispensado às mulheres infratoras, considerando as especificidades de gênero e o frequente aumento do encarceramento feminino em todo o mundo, influenciando diretamente na atuação dos Estados na área.

Deste modo, é possível vislumbrar que, conforme algumas das regras mencionadas, o objetivo principal é assegurar à mulher encarcerada medidas em consonância com a dignidade quando se encontrarem gestantes, com filhos pequenos ou em período de amamentação, a vedação de instrumentos de contenção. Assim adotando, a proibição de sanções de isolamento disciplinar a essas mulheres, a vedação de instrumentos de contenção, a opção de medidas alternativas à prisão cautelar, o cuidado dos magistrados aos fatores atenuantes na fixação das penas, e também, a promoção de amplas pesquisas sobre a criminalidade das mulheres e planejamento efetivo de políticas para atender as necessidades de reintegração social.

A partir disso, no entendimento de Maranhão e Gimenes (2018), se consubstancia sua extrema importância na atualidade, já que os institutos jurídicos brasileiros ainda pecam muito em determinações legais sobre gênero, deixando em aberto uma lacuna no que concerne o tema. E, apesar de seus avanços nos últimos anos, como por exemplo a Lei n.º 11.340 de 2006

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– conhecida como Lei Maria da Penha –, ainda há dificuldades na compreensão dos atuantes da Justiça Criminal, sobre conflitos de gênero, e não apenas em razão do sexo biológico.

Ademais, adentrando com mais profundidade ao assunto, a tutela de direitos fundamentais é deficiente, de fato que, como expõe o legislador,com sua previsão em normas constitucionais que, estruturalmente, deveriam bastar por si mesmas, mesmo que a preocupação com a prática e a efetividade desses direitos fiquem em segundo plano. Assim, segundo Carlos de Azevedo Campos (2016, p. 70), vê-se como principais causas: “as falhas de coordenação, a indiferença do legislador, a ineficiência da administração e a insuficiência orçamentária formam um conjunto de vícios estatais que impedem a efetivação desses direitos”.

Portanto, se constata a imprescindibilidade de assegurar os direitos necessários às pessoas presas. Mesmo com a vigência e força das normas legais no sentido de proteção ao sujeito preso, ainda é possível visualizar a ineficácia da concretização dentro dos ambientes prisionais, pelos vícios retratados e a falta de adequação a estes ambientes, em específico, para as mulheres. Neste mesmo viés, a seguir será retratado a vida no cárcere e o estado calamitoso declarado no Brasil.

1.2 Um retrato da vida no cárcere brasileiro: o declarado Estado de Coisas Inconstitucional

Face à crise atual do sistema carcerário, bem como a omissão estatal perante a grande e contínua violação dos direitos fundamentais, surge o declarado Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), julgado no Brasil pelo STF na ADPF 3471 em setembro de 2015, ora reconhecido precipuamente pela Corte Constitucional colombiana como medida extrema à ser adotada com o objetivo de intervir na dimensão objetiva dos direitos necessários.

Como conceituado por Campos (2016, p. 96):

[...] trata-se de decisão que busca conduzir o Estado e observar a dignidade da pessoa humana e as garantias dos direitos fundamentais uma vez que

1 ADPF é a abreviação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, sendo instituto de controle de

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esteja em curso graves violações a esses direitos por omissão dos poderes públicos.

Mas, antes disso, é importante trazer a análise do surgimento do instituto, que, primeiramente foi declarado na Colômbia, com seus devidos reconhecimentos.

Especificamente no âmbito do sistema penitenciário, como aduz Mariana Rezende Guimarães (2017), foi na sentença T-153, de 28 de abril de 1998, que a Corte Constitucional colombiana deu o importante passo do reconhecimento do estado de coisas inconstitucional devido as precárias condições, especialmente nos presídios locais de Modelo e Bellavista, localizados em Bogotá e Medellín. Nesta decisão, foi determinado um prazo de três meses a partir da notificação, para que as entidades estatais elaborassem um plano de construção e renovação de presídios com o fim de proporcionar a garantia de condições dignas de vida aos presos.

Desta forma, Campos (2016, p. 98) assevera que, através da situação desumana dos presidiários no Brasil, bem como, os problemas do povo com o poder político resultam no quadro de violação generalizada de direitos fundamentais. Por essas circunstâncias que a intervenção judicial em eventual ECI é posta em questão. Principalmente, porque se reúnem os requisitos institucionais e políticos para a declaração, assim, se sucede a atuação do Supremo Tribunal Federal no intuito de superar as ordens estruturais, preenchendo os requisitos formais e materiais.

Deste modo, em sede de maior relevância sobre o cárcere, no ano de 2015 foi julgado pelo STF sob arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 347), ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) com relação ao estado de coisas inconstitucional na esfera do sistema penitenciário brasileiro. Como relator o ministro Marco Aurélio (2018), foram tratadas questões como:

[...] a violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades.

Segundo Guimarães (2017), na petição inicial da ADPF 347 é expressamente exposta a situação calamitosa do sistema penitenciário brasileiro, tanto em relação à superlotação

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como da precariedade de suas condições, gerando a massiva violação dos direitos humanos dos presos. Dentre as piores situações comumente encontradas no cárcere, é importante reconhecer as principais, quais sejam: a superlotação, a insalubridade do ambiente, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida intragável, as altas elevações de temperatura, falta de água potável e produtos de higiene básica. Bem como, além dessas condições, a realidade do ambiente, é oportuna a ocorrência de homicídios, espancamentos, tortura e violência sexual entre os presos ou mesmo por agentes do Estado, que ademais, são regularmente dominadas por facções criminosas. Ou seja, a assistência judiciária é falha em diversos aspectos.

Inclusive, como trazido por Campos (2016, p. 266), considerando tal situação e analisando os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) de 2014, neste ano o número de pessoas privadas de liberdade chegou a 607.731 no Brasil, com um índice que vem aumentando continuamente. O Brasil é, atualmente, um dos países com maior número de população carcerária, com ênfase nos casos de prisões preventivas, pendentes de julgamento e decisão com trânsito em julgado, totalizando um total de 41% da população carcerária nessa situação provisória, com base nos dados do Conselho Nacional de Justiça.

Além da situação atual dos presídios, as delegacias também não oferecem condições salubre mínimas. Através de relatórios de inspeção do CNJ, constatou-se através de um laudo as condições desses estabelecimentos, que são identificadas nas palavras de Campos (2016, p. 266):

Estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas depreciadas e celas imundas, sem iluminação e ventilação, oferecem perigos constantes para os presos e riscos gravíssimos à saúde ante as oportunidades de infecções diversas. As áreas de banho e sol convivem com esgoto aberto, com o escorrimento das fezes. Os presos não têm acesso à agua, para banho e para hidratação, à alimentação de mínima qualidade. A comida está, muitas vezes, azeda ou estragada. Em algumas ocasiões, eles comem com as mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem material de higiene básica, como papel higiênico, escova de dentes ou, no caso das mulheres, absorvente íntimo.

Por meio dessas informações, é nítida a percepção de que os resultados das condições a que são expostos os presos, independente do crime em que incorreram, não causam nenhum tipo de reparação no caráter ou na reinserção social da pessoa, somente gera violações de

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direitos humanos e consequente aumento da criminalidade e da violência, dentro e fora dos estabelecimentos prisionais.

Configura-se então que o sistema carcerário brasileiro é um ECI, e conforme expõe Campos (2016, p. 273): “[...] representa o estágio avançado da omissão inconstitucional sobre o tema, envolvidos os Poderes Executivo e Legislativo, titulares da agenda política, da formulação e da implementação das políticas públicas”.

Outrossim, como trazido por Guimarães (2017), na ADPF 347 são requeridas diversos pedidos em sede liminar e definitiva no sentido de proporcionar medidas de reparação da situação carcerária do Brasil, bem como a prevenção de ampliação das condições precárias atuais.

Assim, em derradeiro, com base nos pedidos formulados, o STF apreciou as medidas cautelares e por maioria de votos deferiu parcialmente a determinação de que os juízes e tribunais, observem os arts. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e realizem em até 90 dias, audiência de custódia nos casos cabíveis, ensejando a presença do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas a partir do seu recolhimento; além disso, determinou que a União delibere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para a finalidade determinada, bem como para abstenção de novos contingenciamentos. Não obstante, como exposto pelo autor Campos (2016, p. 289), quanto aos demais pedidos, ênfase nos que referem à interpretação da lei processual penal no sentido de restringir as prisões preventivas, optou-se pelo indeferimento por maioria dos votos, mesmo sendo fato decretório para a superlotação carcerária.

Seguem os pressupostos determinantes aos quais o STF se valeu para fundamentar a decisão, como mencionados no parágrafo supra, o art. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos (1966, n. p.):

9.3 Toda a pessoa detida ou presa devido a uma infracção penal será presente, no mais breve prazo, a um juiz ou outro funcionário autorizado por lei para exercer funções judiciais, e terá direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade. A prisão preventiva não deve constituir regra geral, contudo, a liberdade deve estar condicionada por garantias que assegurem a comparência do acusado no ato de juízo ou em

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qualquer outro momento das diligências processuais, ou para a execução da sentença.

E, no art. 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (1969, n. p.):

7.5 Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Por meio da ADPF 347 bem como do declarado estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro (ECI) é possível vislumbrar que, embora em sua maioria ocorrendo o indeferimento dos pedidos formulados, em relação aos que foram deferidos, a decisão em comento foi um significativo e importante marco inicial para o país, face ao reconhecimento do ECI do sistema prisional na jurisdição constitucional.

Porém, o que fica em destaque, quanto a este instituto é justamente o perigo da inefetividade após o reconhecimento. Nesta senda, natural se fazer algumas observações e questionamentos, como expõe Campos (2016, p. 311):

O nível de interferência, próprio dessa espécie de remédio judicial, pode provocar reações adversas dos poderes políticos nos sentido de se recusarem a cumprir as decisões. Cortes – e o STF não é diferente – se preocupam com sua reputação, essencial para manutenção de sua independência. [...] Como questionado na sustentação oral na ADPF nº 347: por que importar da Colômbia a técnica do ECI se, mesmo lá, o procedimento fracassou no enfrentamento do sistema carcerário colombiano? O resultado no Brasil pode ser diferente?

Assim, seguindo essa linha de pensamento, apesar da incerteza de efetividade do instituto no país, há de se considerar o salientável avanço da Corte ao decidir com eficácia geral.

Campos (2016, p. 322), em conclusão, afirma que para a incisiva efetivação do ECI, será necessária a atuação judicial de modo mais ativo para que os poderes políticos e agentes públicos reajam à reconhecida intervenção do STF. Outrossim, sendo avaliada a atuação do STF no âmbito político e social para além de posturas baseadas apenas na teoria.

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Portanto, através do reconhecimento e declaração do estado de coisas inconstitucional é perceptível o quão séria e precária é a situação dos estabelecimentos prisionais dentro do território nacional. Na prática ainda podem ser concretizados e obtidos resultados significativos na dura realidade carcerária, que precisa, imediatamente, de políticas públicas favoráveis e condizentes para com a dignidade da pessoa presa, para isso, é necessário que além da teoria, as autoridades deixem o estado de letargia e provoquem medidas deliberativas e concretas.

1.3 Seletividade penal e exclusão social a partir de uma perspectiva de gênero

A construção da seletividade penal no âmbito de gênero está norteada a partir da visão criada pela sociedade que atribui diversas expectativas de um papel idealizado como mulher. Inclusive, como exposto por Lívia do Amaral e Silva Linck (2018), essa visão toda é oriunda do estigma na sociedade em oprimir e estereotipar a mulher unicamente como mãe e dona de casa, com a responsabilidade de manter a ordem e a organização familiar.

É diante da desconstrução da idealização desse papel que ocorre a exclusão social desse grupo, quando a mulher criminosa é julgada não apenas pelo judiciário e cumpre pena em ambiente prisional, como também sofre o poder punitivo da sociedade. Tudo isso, atrelado a todo o período histórico de submissão patriarcal, em que é vista como coadjuvante, e não protagonista.

Como aduzem YumiMiyammoto e Aloísio Krohling (2012), o sistema prisional é reconhecido pela desigualdade social, uma vez que os encarcerados são justamente aqueles que já sofrem o processo de exclusão social. De modo que, o sistema carcerário não oferece condições dignas àqueles que receberam o etiquetamento, corroborando com o estigma social da invisibilidade dessas pessoas. E o Estado, fica responsável pela produção e reprodução dessas relações.

A teoria do etiquetamento social, segundo Miyammoto e Krohling (2012), é baseada principalmente na ideia de que a construção do sujeito dito como criminoso se dá a partir de condutas e comportamentos de determinados indivíduos. Ou seja, via de regra, do pobre, negro e residente na periferia das cidades, que já acaba por si só sendo pré-julgado e intitulado socialmente por sua condição social como “tendente ao crime”. E isso ocorre também,

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especificamente, no âmbito do gênero feminino, da mulher pobre, com poucas condições e vinda de um ambiente considerado propenso a essa intitulação.

Para fazer uma análise acerca do cárcere para as mulheres e suas consequências, é necessário, primeiramente, conceituar gênero e apontar a sua abordagem histórica que contribuiu muito, e ainda contribui para a exclusão social. Ademais, sendo este o motivo da seletividade penal e do etiquetamentodo gênero feminino2consagrado ao longo dos anos.

Para Alessandro Soares da Silva e Renato Barboza (2005, p. 35):

[...] gênero é uma construção social do sujeito masculino ou feminino e não a condição natural de macho ou de fêmea expressa nas genitálias, o que implica em dizer que as relações afetivas, amorosas e sexuais não se constituem como realidades naturais, mas são construídas por meio de processos culturais.

Gênero tem a perspectiva de ilustrar as diferenças entre homens e mulheres, bem como a desigualdade social que é produzida a partir delas. E é a contar dessa exclusão social construída ao longo dos séculos que as mulheres, nestas sociedades, eram equiparadas a condição análoga de escravos, vista como natural, no sentido de atribuir o intelecto da mulher como inútil, a julgar que as mesmas não possuíam capacidade. Ou seja, o papel atribuído à mulher era o de inferioridade de gênero, sendo que, atualmente, essas diferenças possuem o condão de serem tratadas com respeito, reconhecimento às desigualdades e adequação perante as adversidades, para dirimir consequências no âmbito social.

Num contexto histórico e filosófico, como expressado por Silva e Barboza (2005, p. 29):

Desde o século XVII a importância dada à vida familiar e a casa pelas classes médias fortaleceu a ideologia dos papéis domésticos e educativos para o feminino. Nesse sentido, Jean Jacques Rousseau vê a mulher como destinada ao casamento e à maternidade. Já o filósofo alemão Immanuel Kant, é extremamente duro e preconceituoso com a mulher. Ele a considera pouco dotada intelectualmente, caprichosa, indiscreta e moralmente fraca. Sua única força é o encanto. Sua virtude é aparente e convencional.

2Etiquetamento, no que se refere ao gênero feminino, nas palavras de Linck (2018, n. p.), se caracteriza no

sistema carcerário quando a mulher é rotulada pela prática de determinados crimes, e, consequentemente é afastada como autora de delitos que não costumam ser cometidos por ela, com base no entendimento social, tendo em vista que, há formação de um rótulo firmado pelo patriarcado, em virtude da vulnerabilidade social e de gênero imposta.

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Portanto, além das estigmas criadas pelo gênero social, a construção do papel da mulher na sociedade ainda é tratado como anormal e adverso ao da mulher no cárcere, vista de maneira desigual e alvo de julgamentos não só pelo Estado no cumprimento penal, mas também da sociedade. Com o dever único e precípuo de atender as demandas convencionais “do lar”, sendo que, qualquer desvirtuação seria um ato de rebeldia e consequente julgamento do meio social em que estão inseridas.

E, como aduzem Miyamoto e Krohling (2013, p. 231):

Se a função do sistema prisional é de adestramento social, a mulher é punida duplamente, pois, em primeiro lugar, ao cometer um crime, logicamente há a reação social e a aplicação das sanções legais. Entretanto, a mulher encarcerada sofre, ainda, a punição por ter descumprido seu papel social tradicional de conformação ao espaço privado ao invadir o espaço público no cometimento do crime.

Quando uma mulher é encarcerada, como mencionado, é punida com mais intensidade por agir em desacordo com o esperado pela sociedade, face às diversas abrangências que sua prisão acarreta. Portanto, nas palavras de Fernanda Martins e Ruth M. C. Gauer(2019), aponta-se a seguinte perspectiva:

É através da cooptação das mulheres como duplamente criminosas – sempre na dupla exceção – que o direito penal sustenta sua ordem patriarcal, seja operando sobre o feminino sua perpetuação como vítima – suplicante de “amparo” e incapaz do agir – ou em transgressora, fora da lei masculina e das expectativas de gênero. Enfim, sobretudo, excluída, senão sequestrada por estas duas figuras pré-estabelecidas no processo de produção do discurso das agências de punição. (grifo do autor)

À vista disso, como apontam Miyamoto e Krohling (2012, p. 230), a situação das mulheres encarceradas segue as regras das relações sociais tradicionalmente advindas do sistema patriarcal, que destaca as desigualdades sociais e de exclusão da mulher em relação ao homem.

Diante da situação atual, para Andrade (1997, p. 2, apud MARTINS E GAUER, 2019, p. 12):

[...] há substancialmente dois pontos que sustentam “a ineficácia e os riscos” da luta feminista e/ou por direitos das mulheres que tomam o sistema de

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justiça criminal como estratégia de “construção da cidadania feminina no Brasil.” Esses dois pontos serão, ao longo de suas produções que dialogam criminologia e mulheres, trabalhados de formas distintas, mas que podem aqui ser resumidos em: 1. em um sentido fraco denominado de “incapacidade preventiva e resolutória do sistema penal”; 2. em um sentido forte compreendido como “revitimização”, no qual se percebe que “o sistema penal duplica a vitimização feminina porque as mulheres são submetidas a julgamento e divididas.”

Ou seja, no primeiro ponto, resta configurado que o sistema penal é falho e não consegue se antecipar na prevenção das amarras sociais da mulher e da aversão a possibilidade de criminalidade da mulher, já que vista socialmente de forma naturalmente inferior e expectativa ao homem. E, no segundo ponto, se compreende que, quando a mulher comete um crime e é punida por isso, o sistema penal, através da responsabilização, das condições carcerárias e das eventuais peculiaridades familiares dentro e fora do cárcere, acaba por castigar a mulher de forma mais enfática, considerando suas consequências.

Dessa forma, Paiva e Diniz (2014, p. 316) afirmam que através dos marcadores de gênero já era possível identificar a seletividade de classe do sistema punitivo, de modo que dentro do cárcere há também a seletividade entre as mulheres pois seguem um padrão geral, enfatizado pela mesma condição social, quais sejam, em sua maioria, pobres, negras e com baixa escolaridade.

Nesta mesma linha de pensamento, Bruna Stéfanni Soares de Araújo (2018), fundamenta que a imagem que é posta da mulher para a criminologia e ciências criminais vai em consonância com os paradigmas sociais utilizados para continuar perpetuando as funções sociais. Portanto, dentro do sistema prisional, mesmo essa classe sendo maioria, a situação da mulher é pouco discutida e silenciada nos registros de demandas prioritárias à serem analisadas.

Paiva e Diniz (2014, p. 317) fizeram uma pesquisa sobre a população carcerária no Distrito Federal, oportunidade em que puderam apontar a seletividade dentro dos estabelecimentos prisionais. Os dados colhidos buscaram expressar as peculiaridades da situação das mulheres. Na pesquisa, constataram que:

São mulheres jovens (51% têm menos de 30 anos), pretas e pardas (67%), pouco escolarizadas (71% com ensino fundamental incompleto ou menos que o fundamental), trabalhadoras domésticas e informais (70%) ou

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desempregadas (18%), com pelo menos um filho (80%) e com companheiros presos (52%), e envolvidas com infrações relacionadas ao tráfico de entorpecentes (69%). Das mulheres com menos de 30 anos, 52% estudaram apenas até o ensino fundamental, ou seja, têm, em média, menos de 7 anos de estudo. Quando comparadas às mulheres fora do presídio na mesma faixa etária, considerando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2012), a desigualdade é marcante: a média de anos de estudo entre as mulheres com menos de 30 anos fora do presídio é de 10 anos.

A partir destes dados, se torna visível que as prisões seguem um padrão social, padrão esse em que as mulheres, antes de serem vistas como criminosas, foram vítimas do etiquetamento ao qual são inseridas por nascerem e serem criadas em determinadas condições. Em muitos casos, como exposto por Paiva e Diniz (2014, p. 321), já possuem algum familiar ou companheiro encarcerado, ou na adolescência passou por medidas socioeducativas.

Por fim, como aduz Araújo (2018), é necessário ampliar a discussão e problematização dos diversos aspectos de compreensões da realidade da mulher frente à desigualdade entre os gêneros, bem como das lutas contra a violência sexista na sociedade e do empoderamento feminino.

Desta forma, se conclui que desde séculos passados é atribuído à mulher apenas o dever de cumprir com esse papel de submissão, sem questionamentos e desobediência. Assim, qualquer ato que vai contra essa perspectiva de gênero é basicamente abominado pela sociedade, sendo tachadas como alguém que apresenta comportamento fora do comum. Em consequência, a mulher que acaba dentro do cárcere sofre além da punição a ela atribuída também a punição social, justamente por ser uma mulher que não cumpre o papel que a sociedade espera. Diante desse preconceito social, o sofrimento dentro do cárcere é muito maior, muitas vezes gerando o abandono familiar dessa mulher.

1.4 Diagnóstico e realidade social das mulheres brasileiras que vivem no cárcere

A situação carcerária no Brasil é objeto de grande alvoroço entre estudiosos da área e também da sociedade, por se encontrarem os ambientes prisionais em estado desmantelado. Diante desse estado como fato gerador, mulheres presas são obrigadas a permanecer em condições insalubres, contrapostas aos princípios constitucionais.

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Segundo Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth e Joice Graciele Nielsson (2019, p. 90), o cárcere brasileiro se encontra em situação tão alarmante que levou ao reconhecimento do estado de coisas inconstitucional pelo STF no julgamento da ADPF 347 (BRASIL, 2015). Neste sentido, importante destacar a situação carcerária feminina, em especial, às gestantes, parturientes, mães e crianças, que neste ambiente se tornam um público muito mais vulnerável. Além, da falência do sistema carcerário e da fática superlotação nas celas, demonstrando a desproporcionalidade entre presos e quantidade de vagas.

A realidade carcerária feminina no Brasil e a precariedade de vida nestes estabelecimentos vão muito além do imaginário. A feminização dos presídios vem aumentando consideravelmente, em desproporção ao desenvolvimento das demandas básicas que são necessárias a preservação da dignidade humana nesses estabelecimentos.

Para melhor visualização, importante demonstrar a ocorrência de casos extremos vividos em presídios brasileiros, afrontando totalmente os direitos humanos e a dignidade da mulher.

Neste sentido, Wermuth e Nielsson (2019, p. 90) expõem situações – a título exemplificativo – como a de uma presidiária do estado do Rio de Janeiro, que por se encontrar em regime de isolamento, deu à luz ao filho sozinha, mesmo com pedidos desesperados por ajuda de presas que estavam em celas vizinhas, sendo socorrida somente após o parto, quando carregava o filho nos braços ainda ligado ao cordão umbilical, e que, mesmo depois do ocorrido retornou ao isolamento, sendo a criança encaminhada para um abrigo; ou então, outro caso de uma presidiária do estado de São Paulo que deu à luz em um hospital público mas que após o parto teve que dividir uma cela de dois metros quadrados com o recém-nascido, onde dormia em uma espuma no chão. No segundo caso telado, a mulher estava em prisão cautelar por carregar consigo cerca de 90g de maconha, por entender o magistrado que apresentava “acentuada periculosidade”.

É evidente através dos casos acima expostos a violação dos princípios trazidos pela Constituição Federal de 1988. Exemplos extremos, mas que relatam ocorrências presentes no ambiente prisional que não podem se tornar normais ou aceitáveis, pois independentemente do crime cometido e cumprimento de pena privativa de liberdade, ninguém deve enfrentar tais

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condições nos presídios, muito menos crianças, que são vítimas secundárias da tamanha negligência e falta de políticas públicas, expostas a riscos de vida e desenvolvimento.

Portanto, para além dos exemplos de casos absurdos que já ocorreram no país, é possível identificar a violação dos direitos dessas mulheres dentro do ambiente prisional. Assim, quanto às políticas públicas voltadas ao cárcere feminino, Wermuth e Nielsson (2019, p. 98) sintetizam que:

Há, desta forma, um déficit histórico em relação ao planejamento e à execução de políticas públicas voltadas ao coletivo feminino nas prisões, uma vez que a maioria das políticas penitenciárias foi pensada para a população majoritária, qual seja, a masculina. Em razão deste cenário, ainda hoje, milhares de mulheres vivem gestações, partos e maternidades precárias, e seus filhos formam parcela invisível da população prisional.

Diante disso, Paiva e Diniz (2014, p. 314) afirmam que:

O paradoxo do encarceramento das mulheres é uma das expressões que resume a ambiguidade com que as mulheres passaram a compor a agenda de preocupações acadêmicas e políticas em criminologia e sociologia da punição.

Da interpretação do paradoxo citado pelas autoras, se trata justamente da punição que é atribuída a partir da prisão da mulher, que com essa punição, se pune também sua família, ou, especificamente, seus filhos, que sofrem as consequências. Resultado disso, além do custo para o Estado, há o custo para cada família, de cada mulher encarcerada.

Entretanto, diante da dura realidade, é necessário abordar, primeiramente, além da precariedade vivida dentro do cárcere, a precariedade que foi vivida pelas mulheres antes de chegarem nos presídios na vida adulta. A partir deste diagnóstico, é possível identificar os marcadores de gênero, advindos de muita cedo, pela vida que muitas mulheres enfrentaram antes de encarceradas.

Já a superlotação dos estabelecimentos penais se dá pela falta de estrutura, bem como a desídia para implementação de políticas públicas efetivas. Assim, na análise de Wermuth e Nielsson (2019, p. 91), através de dados do Infopen é possível levantar que até junho de 2016 havia um total de 42.355 mulheres segregadas, num sistema que só possui estruturas para abrigar 27.029 mulheres. A partir desse levantamento, é plausível imaginar como a vida

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dessas mulheres é negligenciada, pois o sistema não tem capacidade para receber tantas presas nem os filhos dessas mulheres, que por lei, teriam o direito de permanecer com elas nos estabelecimentos penais.

Nesse sentido, conforme dados mais atualizados, também trazidos pelo Infopen em 2020, é perceptível o crescente número de prisões de mulheres. No índice atual, há um demonstrativo do crescimento a partir do ano 2000 até 2020, o que caracteriza uma situação carcerária preocupante.

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Ministério da Justiça, 2020)

A partir do gráfico acima exibido, é perceptível o aumento da criminalidade e do encarceramento de mulheres no país. Principalmente, levando em conta que essas mulheres em sua maioria precisam se adaptar aos estabelecimentos construídos sem qualquer estrutura concernente às suas necessidades, justamente àquelas ligadas à sexualidade, saúde e maternidade. Ou seja, os principais desafios para a mulher no ambiente carcerário são os enfrentamentos relacionados a má estruturação do ambiente para o atendimento à demanda sobre gênero.

Outrossim, Paiva e Diniz (2014, p. 324) aduzem que, apesar de não haver muitos estudos nacionais aprofundados sobre a situação da mulher no cárcere, em suma, antes disso, o binômio mulher e filhos ainda é posto como questão prioritária na agenda de políticas públicas e sociais. O cuidado das crianças nos presídios deve ser enfrentado com urgência,

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porém, as mulheres não devem ser reduzidas aos seus filhos para que seja concretizada a garantia dos direitos e a proteção de necessidades das mulheres.

Dessa forma, se torna fundamental enxergar e fazer o devido reconhecimento que por trás das mulheres presas há famílias, mas que seus direitos não devem ser analisados somente por conta disso, apenas, deve ser um teor acrescentado para que a mulher, em sua plena conjunção, possa usufruir de condições básicas e humanas.

Tanto que, como expõem Wermuth e Nielsson (2019, p. 98), para que uma mulher seja deslegitimada do status de boa mãe, basta associar a ela a categoria “criminosa”. Ademais, partindo dessa visão a mulher processada ou condenada já sofre automaticamente um preconceito, de fato que, muitas vezes não é observado o contexto especifico e subjetivo de cada mulher e da extensão da sua família, apesar dessas possibilidades serem legalmente garantidas.

A resistente realidade carcerária comporta severas violações de direitos humanos, a exemplificar algumas dessas violações, insta consignar situações como: ausência de cuidado pré-natal, que acarreta transmissão de doenças graves aos filhos; falta de escolta para levar as gestantes a consultas médicas, assim, ocorrendo partos dentro do ambiente prisional ou então abusos dentro do ambiente hospitalar; isolamento das presas; afastamento abrupto de mães e filhos, bem como a manutenção das crianças em celas. Como relatam os autores Wermuth e Nielsson (2019, p. 98),tais violações são totalmente incompatíveis com os avanços civilizatórios esperados na atual conjuntura do país.

Desta forma, na conclusão dos autores Wermuth e Nielsson (2019, p. 100), a condição de mulher encarcerada por si só gera uma dupla punição, que inclusive é intensificada no tocante à gravidez e/ou maternidade exercida neste espaço. E, mesmo com recentes intervenções legislativas, ainda é evidente que a cultura punitivista de encarceramento torna o enquadramento da mulher como “criminosa”, sendo suficiente para deslegitimar a possibilidade de benefícios ou exercício da gravidez e maternidade em ambientes não prisionais.

Diante de todo o exposto, é possível constatar que as mulheres dentro do ambiente carcerário passam por grande violação de seus direitos, trazendo consigo o sofrimento

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subsidiário da família, tendo em vista a superlotação e as condições fornecidas nestes estabelecimentos. Tal situação carcerária no país é alarmante, produzindo constantes afrontas aos princípios constitucionais, principalmente, contra a dignidade da pessoa humana, necessitando a adoção de políticas públicas mais eficazes e menos degradantes às mulheres presas.

2 PRISÃO DOMICILIAR PARA AS MULHERES PRESAS: UMA LEITURA A PARTIR DO HC N.º 143.641

Quando se fala sobre a prisão das mulheres e do ambiente carcerário oferecido, há inúmeras críticas a serem tecidas. Partindo da visão construída pela sociedade sobre a mulher encarcerada, faz-se uma ligação com a real situação de vulnerabilidade da mulher dentro destes ambientes prisionais, através do fornecimento precário de produtos de higiene e condições degradantes e cruéis as quais são obrigadas a permanecerem, que vai muito além do julgamento da sociedade da “mulher infratora”. Ademais, as consequências resultantes da medida privativa de liberdade para suas vidas é extensiva aos filhos e familiares, que sofrem com a falta da mãe, esposa, companheira, filha, no ambiente doméstico.

Diante disso, se torna imprescindível, muito além da análise objetiva de motivações das prisões, compreender que mulheres são diferentes de homens no que tange a sua constituição fisiológica. Essas diferenças não podem acarretar um tratamento desigual referente aos direitos de cidadania, conferidas pela lei, tendo em vista que, independentemente do gênero, a lei deve ser igual para todos, desde que atenda às dessemelhanças dos sujeitos tutelados.

Ademais, para as mulheres, o efeito da constrição ao direito de liberdade abrange consequências muito mais significativas, como por exemplo, a obrigação de deixar suas famílias e filhos pequenos em total desamparo.

Antes, é preciso destacar que, de um modo geral, via de regra, o sujeito deverá responder ao processo em liberdade a partir do início da persecução penal, e, como entendimento majoritário doutrinário e jurisprudencial, a privação da liberdade durante o processo deve ser adotada como medida excepcional e extremamente necessária para

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melhor elucidação dos fatos, por meio da decretação da prisão preventiva. Apesar disso, segundo dados do Infopen (Ministério da Justiça, 2020) – o mais recente levantado em dezembro de 2019 – a prisão preventiva é responsável por significativa parte da população carcerária no Brasil, já que está entre as medidas cautelares mais adotadas em crimes como tráfico de drogas, crimes contra a vida, crimes contra o patrimônio, como furto e roubo, entre outros. Ou seja, o caráter excepcional da privação provisória à liberdade não parece ser assim tão excepcional.

E, essa situação nem sempre é diferente quando a presa é mulher, e é agravada por essa condição: de ser mulher, mãe de família, “mãe só”, gestante ou parturiente, e com uma série de necessidades fisiológicas por conta de sua condição de mulher, que não são satisfeitas pelo sistema prisional.

Partindo desses pressupostos, e analisando a prisão cautelar, em especial, a prisão preventiva, ou mesmo a prisão pena, com privação à liberdade individual, resultante de uma sentença transitada em julgado, há a possibilidade de adoção de outras medidas, sejam cautelares ou punitivas, que podem propiciar que seja atingida a finalidade da persecução penal, ou mesmo da pena, a fim de que a constrição ao direito à liberdade não seja a única possibilidade. Como por exemplo, a prisão domiciliar é uma alternativa cabível em determinados casos, com base no previsto nos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal e artigo 117 da Lei n.º 7.210/84 (LEP), os quais serão abordados neste capítulo.

Nesse contexto, destaca-se a importância do instituto da prisão domiciliar, principalmente para aquelas mulheres que preencham os requisitos para sua concessão. Outrossim, far-se-á relação da temática com os princípios constitucionais aplicáveis, em cotejo à análise de dados referentes à realidade carcerária no Brasil, bem como, dos direitos das presas. Em sequência, será defendida a importância da prisão cautelar domiciliar para mulheres, concedida a partir da decisão proferida pelo STF (BRASIL, 2018) em sede de habeas corpus, em 20 de fevereiro de 2018, que viabilizou e abrangeu ainda mais as possibilidades do oferecimento de prisão domiciliar.

Por fim, cabe salientar, ainda, que neste capítulo, ao ser abordada a real situação das mulheres no cárcere, far-se-á uma demonstração da situação daquelas que têm a oportunidade de conviver com seus filhos pequenos dentro do ambiente prisional.

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2.1 Prisão domiciliar no sistema penal pátrio

No sistema penal, são previstas possibilidades de substituição da prisão preventiva ou prisão pena por outro tipo de medida ou sanção, tais como as elencadas nos artigos 317 e 318 do Código de Processo Penal, ou mesmo no artigo 117 da Lei de Execuções Penais. No presente estudo se abordará, principalmente, a prisão domiciliar como medida cautelar diversa à privativa de liberdade em substituição à prisão preventiva. Assim como, em se tratando de execução criminal, como a prisão domiciliar pode ser determinada em substituição à prisão pena, a exemplificar como se origina o instituto e em quais casos é conveniente, ou mesmo necessária à aplicação.

Thiago M. Minagé (2019, p. 316) dispõe sobre a prisão domiciliar:

A prisão cautelar domiciliar, substitutiva da prisão preventiva, é instituto introduzido no Brasil em consonância e após a edição da Lei 12.403/11, e possibilita, dentre outras, as seguintes vantagens: 1º] restringir cautelarmente a liberdade do indivíduo preso em razão da decretação da prisão preventiva, sem, contudo, submete-lo às conhecidas mazelas do sistema carcerário; 2º] tratar de maneira particularizada situações que fogem da normalidade dos casos e que, em razão disso, estão a exigir, por questões humanitárias e de assistência, o arrefecimento do rigor carcerário; 3º] reduzir o contingente carcerário, no que diz respeito aos presos cautelares; e 4º] reduzir as despesas do Estado advindas de encarceramento antecipado.

Diante disso, importante trazer a esse estudo as hipóteses legais que recepcionam o instituto da prisão domiciliar. Primeiramente, como garantidora suprema da efetividade dos direitos e deveres dos cidadãos, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2020), que apresenta garantias aos presos, como exposto no artigo 5º, inciso XLIX, o qual conta com a seguinte redação “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, bem como o inciso L, do mesmo artigo, “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”.

O artigo 5º da Constituição Federal é de máxima importância no ordenamento jurídico, visto que objetiva assegurar direitos a todos independentemente de distinções de qualquer natureza, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança, e prevê as respectivas garantias.

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