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CAPÍTULO 4: JORNALISMO LIVE STREAMING, UMA ATUALIZAÇÃO

4.2 REVISITANDO NOSSAS QUESTÕES

4.2.1 Características das lives

Ao longo desse trabalho, lidamos com diferentes caracterizadores dos usos jornalísticos do

Facebook Live. Iniciamos apontando os principais elementos técnicos que tornam as

transmissões possíveis, evidenciamos o que o próprio Facebook diz sobre sua ferramenta e como a cobertura jornalística do tema aborda os contornos desse formato e levantamos, através de uma revisão de literatura, quais as características são, direta ou indiretamente, trabalhadas

na discussão acadêmica das transmissões ao vivo nas redes sociais. Através das etapas empíricas da nossa pesquisa, caracterizamos os usos iniciais do Facebook Live em um contexto regional e, posteriormente, fizemos uma devida discussão sobre as características das lives no contexto das coberturas de rua e/ou de tempo real. Neste tópico, recuperamos os principais elementos desse percurso.

Primeiramente, vale lembrar quais são os principais usos que o jornalismo brasileiro tem feito desse recurso: transmissão em tempo real de acontecimentos jornalísticos in loco; transmissão de eventos organizados ou não pelos veículos, o que vai desde shows e eventos populares de rua a palestras e feiras; entrevistas com ou sem a participação dos usuários da rede, mas geralmente tendo essa interação como expectativa, um formato quase sempre transmitido das redações; resumos dos acontecimentos do dia ou da semana com curadoria de notícias por jornalistas – uma espécie de boletim de notícias; para enquetes; “programas” temáticos com a participação dos usuários; para apresentação dos bastidores da produção jornalísticas ou dos ambiente das redações.

O próprio Facebook caracteriza as lives como um formato propício para o engajamento dos usuários da rede, especialmente pelo entretenimento e de temas descontraídos. A empresa também coaduna da discussão que se faz nas produções acadêmicas sobre a mobilidade ligada à ferramenta, além de defendê-la como um recurso responsivo do ponto de vista da interface, que se adapta a diferentes telas. Pontualmente para o jornalismo, o Facebook mantém o reforço discreto ou recomenda apropriações ligadas ao soft news, embora detalhe que o produto se caracterize pela possibilidade de elaboração de múltiplos formatos, chegando a listar 12 deles em seus cursos (alguns que já apontamos no parágrafo anterior, outros que não identificamos na realidade da nossa amostra). Em relação aos formatos, algumas das recomendações do

Facebook para uma transmissão bem-sucedida apontam algumas das características em

potencial. Trata-se de um produto que não tem um fluxo contínuo e, logo, precisa aguardar o engajamento ou a chegada da “audiência”; uma interface desenhada para receber interações e um formato ‘geolocalizado’.

Uma das características apresentadas pelo Facebook, no entanto, carece de problematizações. Para a empresa, o Facebook Live fornece “uma abordagem mais autêntica e dinâmica a eventos de notícias urgentes”. Nos estudos de Jornalismo, especialmente nos últimos anos, os conceitos de autenticidade, autoridade e credibilidade têm sido caros ao campo, de modo que nos parece simplista atribuir apenas a um aspecto técnico ou a um único formato a possibilidade de elevar a condição de autenticidade uma produção noticiosa. Como Carlson

(2017), acreditamos que a autoridade jornalística deve ser entendida de modo relacional, entendida na complexidade de atores internos (como os fundamentos deontológicos e as narrativas próprias do jornalismo) e externos (como a opinião pública, as fontes, os críticos da mídia e a própria tecnologia), sendo que nenhuma parte isolada explica as outras.

Para o mercado, o que se pode apontar a partir da análise das coberturas e ensaios de jornalistas de Mídia e Tecnologia, é que o Facebook Live se distingue pela grande base de usuários associada ao Facebook. Essa base conferiu ao recurso uma distinção, após uma série de tentativas e de uma longa trajetória de aprimoramento da tecnologia, por causa de um amplo alcance ou da popularização dele. O alto investimento em marketing e até o próprio pagamento a produtores de conteúdo ou de notícias também distinguiu o Facebook Live dos concorrentes e até mesmo dos demais produtos da cartela do próprio Facebook. As transmissões ao vivo pelas mídias sociais produziram tensão entre o jornalismo tradicional e o chamado jornalismo cidadão.

A revisão de literatura apontou um produto fortemente demarcado pelas suas condições de mobilidade, que atende a uma lógica de uma cultura do streaming, da sociedade mediatizada, das complexas conexões e interações sociais em ambientes das redes sociais. O ambiente acadêmico, entre tantas disputas e pontos de encontros revelados na nossa pesquisa bibliográfica, caracteriza este como um formato com linguagem coloquial, convergente ou parte de uma dinâmica multiplataforma. Dois aspectos que as pesquisas abordam – e que também detalharemos nos tópicos seguintes – são as características da interatividade e da imediaticidade, e paralelo a esse último ponto, o recurso também é destacado por sua efemeridade.

As limitações técnicas, a falta de planejamento e a busca por uma experimentação sem pretensões comerciais marcaram as características dos primeiros meses de uso no âmbito regional do Facebook Live. É o que afirmamos com base na nossa primeira etapa de investigação. A live foi considerada pelo mercado como um formato novo, foi absorvida com a lógica do “manual de uso” do Facebook Live, para apropriações ligadas ao soft news, executada de modo aperiódico, sem prioridade ou exclusividade em relação aos demais suportes das empresas e apontou um novo padrão de relacionamento das redações com seus públicos. Também identificamos que a live foi bem recepcionada porque dá conta de uma produção audiovisual que não demanda uma pós-produção ou, necessariamente, da ampliação das equipes. Outra evidente característica do momento da incorporação dessa tecnologia às rotinas

do jornalismo foi a forte presença de transmissões de lives em ambientes internos, geralmente as próprias redações.

Porém, são nas coberturas jornalísticas de rua que acreditamos que o recurso Facebook Live esteja sendo testado em suas maiores potencialidades, evidenciando características que detém vigor e atualidade. Como amplamente detalhamos no tópico 3.3 do capítulo anterior, acreditamos ter encontrado características que não estão no rol das mais visíveis, como são a ancoragem das transmissões no tempo presente, a informalidade, a simultaneidade na interlocução e consequente imprevisibilidade das transmissões, além dos aspectos da proximidade e, em certa medida, as discussões da mobilidade e da própria interatividade e conectividade.

Uma das características da lives em condições de cobertura em tempo real que encontramos e destacamos aqui é a constante divulgação e negociação entre o jornalista e os usuários em relação às condições técnicas – o que também está relacionado com o modo como identificamos as condições de conectividade como um elemento narrativo e por vezes dramático deste formato. Também caracterizamos, do ponto de vista da narrativa, a identificação de um aspecto algorítmico na definição de um clímax (que é o modo como lemos a chamada curva de tendência disponível na reprodução das lives no modo VoD).

Outro elemento distintivo é a vigência de uma estética amadora como estratégia de legitimidade. Ambos os elementos estão ligados ao manuseio do celular, que inclusive permite através da troca de câmeras um novo modo de assinatura – o que, na linguagem televisiva, seria algo próximo de “passagem”; inclusive, sendo um dos elementos que caracteriza as lives como um produto fortemente autoral, que convoca a posição do repórter como eu-testemunhal e com baixa frequência de realização de entrevistas durante as transmissões.

Por fim, também são fortes caracterizadores do formato live a atuação dos profissionais, em geral sem experiência com produção audiovisual ou transmissões ao vivo, que passam a se envolver a partir da live em um processo maior de transparência em relação ao seu trabalho como repórter e às suas condições de produção e que, com a chegada da live, têm uma nova demanda de polivalência profissional ou de acúmulo de funções.