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Características do docente – Classe 4 e 5

5.2 ELEMENTOS DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO DOCENTE DO ENSINO

5.2.2 Características do docente – Classe 4 e 5

As classes 4 e 5, chamadas de “Características do docente” juntas foram responsáveis por 33% dos segmentos de texto. Decidiu-se analisá-las em conjunto devido à proximidade entre os discursos dessas classes, o que pode ser verificado na figura 4.

Quanto à classe 4, os três principais substantivos foram “matéria” (chi2= 53,15),

“contato” (chi2 = 43,18), “flexibilidade” (chi2 = 14,67). O principal verbo é “aprender” (chi2=

52,56). Como adjetivo muito relevante temos “didático” (chi2 = 37,88). Podemos verificar mais

facilmente a relação entre as palavras citadas nas figuras a seguir.

Figura 17 – Diagrama de similitude da classe 4.

Figura 18 – Grafo de similitude da classe 4.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

O principal substantivo “matéria” se liga fortemente ao verbo “aprender” e ao substantivo “aluno”, formando a expressão “o aluno aprender a matéria”, sendo essa uma das grandes características do docente do ensino médio para os sujeitos da pesquisa, ou seja, fazer com que o aluno consiga aprender a matéria através de uma boa didática. Esse dado pode ser exemplificado pela fala do docente n. 16:

“Qual que é a necessidade do meu aluno? Como meu aluno gostaria de aprender essa matéria? E também ele estar o tempo todinho refletindo sobre a sua prática” (Docente n. 16, entrevista, feminino, Nov. 2015).

Figura 19 – Gráfico de similitude da palavra matéria.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

Podemos analisar, por esse fato, que a natureza da docência, ou seja, o objetivo principal do docente que seria o de formar alunos a partir de ensinamentos, se subverte à perspectiva da profissionalização. Como cita Santos (2013, p. 22) para os moldes da profissionalização, “o professor seria aquele que, possuidor de certos conhecimentos técnicos da educação, poderia aplicá-los para fazer com que o outro aprendesse de maneira mais eficaz”, ou seja, o que se procura é a aquisição de um produto, produção de conhecimentos, e não formação de pessoas. Essa imagem do especialista ou profissional tornou-se então uma objetivação do docente.

O substantivo “contato” também se refere a “aluno” gerando a expressão “contato com o aluno”. Essa característica, também muito relevante para o docente, foi acompanhada da adjetivação “gostar” e “prazeroso”, revelando que, para esses professores e professoras, a característica de ter que estar em contato com os alunos, ou ainda o exercício da afetividade, gera satisfação no exercício da docência. Percebemos melhor essas ligações na citação do docente n. 10 e na Figura 20.

“eu gosto muito do contato dos [sic], com os alunos, com os adolescentes, o que me ganha muito na educação é transmitir conhecimento e ver a carinha deles” (Docente n. 10, F, entrevista, feminino, Set. 2015).

O estudo clássico de Lortie (2002), realizado em cinco cidades da área metropolitana de Boston, publicado pela primeira vez em 1975, concluiu que, entre os fatores de atratividade da carreira do magistério, o mais citado pelos pesquisados foi justamente as relações interpessoais, o prazer em trabalhar com pessoas. Além disso, a representação da docência como assistencialismo, sacerdócio, doação é histórica (MELLO, 2003). Segundo Lelis (2009, p. 59), “o imaginário social atual ainda está fundado na retórica da missão, do sacerdócio e da vocação, arquétipo que impregna fortemente a história desse grupo profissional”. A pesquisa de Palazzo (2015) concluiu que, entre os motivos para escolha do curso de Licenciatura, estavam os aspectos humanitários e assistencialistas, vinculados tanto ao prazer em transmitir o conhecimento e em ver a criança aprender (gratificação emocional), quanto ao anseio em transformar a sociedade.

Louro (2011) também cita como o afeto se tornou fundamental na criação de um ambiente facilitador da aprendizagem, sendo que para tal atitude, esperada do docente, ancorou- se na imagem da mãe que por sua “natureza” é um ser afetuoso.

Figura 20 – Gráfico de similitude da palavra contato.

Quanto ao destaque do substantivo “flexibilidade”, ele se refere à necessidade que o docente possui de entender o universo do adolescente, sendo flexível em suas práticas ou didática. Analisemos a figura 21.

Figura 21 – Gráfico de similitude da palavra flexibilidade.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

Os docentes que falam sobre flexibilidade dizem que é importante lidar com cada aluno respeitando suas individualidades, tanto no relacionamento interpessoal quanto no processo ensino-aprendizagem. Seguem duas verbalizações que caracterizam bem essa questão.

“ter essa flexibilidade de entender o universo do adolescente, né [sic]? E também diversificar a sua didática, né [sic]? Eu acho que isso é essencial, né [sic]?” (Docente n. 05, entrevista, masculino, Set. 2015).

“eu acho que tem que ter essa flexibilidade de entender o adolescente, o universo dele, né [sic]? Você tem que, por exemplo, a questão do celular hoje, né [sic]? Que é uma questão presente na sala de aula e você tem que aprender a lidar com isso, então eu acho que o professor tem que ter essa flexibilidade de lidar com essa nova realidade, né [sic]?” (Docente n. 06, entrevista, masculino, Set. 2015).

A relação entre docência e flexibilidade existe desde muito tempo. Documentos do Ministério da Educação datados de 1977, destinados a ser manuais para professores de séries iniciais, versam sobre os atributos necessários para ser educador, entre eles a flexibilidade e a capacidade de amar, indicando ainda que não haveria a obrigatoriedade de uma especialização na área para atuar (ARCE, 2001).

Segundo Santos (2013), em todo o tempo existem urgências e imprevistos que acontecem no contato com os alunos fazendo com que a atividade docente não se acomode aos contornos de espaço e de tempo previstos, tornando-se assim necessário o uso da flexibilidade. Garcia e colaboradores (2005) nos advertem que a noção de profissional flexível está centrada na redefinição dos aspectos técnicos do trabalho docente. A finalidade de tal característica encontra-se na necessidade de melhoria do trabalho pedagógico, pois enriquece o diálogo e abre possibilidade de soluções criativas.

Veiga-Neto (2008), porém, indica que esse discurso está a serviço da manutenção de um mercado de empreendedorismo ao qual a educação se submeteu. Ele analisa que a competitividade e a flexibilidade são requisitos do mercado econômico atual e funcionam como instrumento de assujeitamentos no mundo de hoje. Ao passo que na modernidade procurou-se produzir corpos dóceis, a pós-modernidade se interessa em formar corpos flexíveis para se atender as exigências da economia.

Contudo, novamente percebemos o quanto a docência é fortemente ancorada no estereótipo feminino ou materno. A pesquisa de Amâncio (1993) aponta que um traço associado ao estereótipo masculino é a rigidez, característica contrária à flexibilidade. Seria então a mulher a melhor docente a propiciar esse diálogo flexível para melhoria dos processos acadêmicos. Para exemplificar essa ideia destacamos a fala de uma docente.

“então eu acho que há alguns homens que dependendo da sua própria criação e da própria relação que ele tem com os filhos, ele tem uma postura de muito menos compreensão em relação a faixa etária dos alunos, os problemas que eles podem passar” (Docente n. 14, entrevista, feminino, nov. 2015).

É interessante observar no depoimento desta professora que, do mesmo modo que a docência feminina era vista como a “extensão da maternidade”, a docência masculina também aparece vinculada ao ambiente familiar. Seu discurso sugere que os pais de adolescentes seriam professores melhores que os demais, pois eles teriam mais capacidade para entender os problemas comuns a essa faixa etária.

A figura 22 agrupou e organizou graficamente as palavras na nuvem de palavras, e o tamanho dessas palavras na nuvem obedece à sua frequência na classe.

Figura 22 – Nuvem de palavras da classe 4.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

Em relação à classe 5, vários substantivos aparecem com relevância, sendo que alguns deles tratam sobre a mesma temática, ou seja, temos “formação” (chi2 = 33,36), “conhecimento”

(chi2 = 30,3), “conteúdo” (chi2 = 26,25), “preparo” (chi2= 19,17), gerando a temática “formação

profissional”. Contudo, ainda temos outros substantivos considerados importantes para a análise, tais como “paciência” (chi2=21,85) e “profissão” (chi2 = 17,4). O principal verbo é

“conseguir” (chi2 = 18,43). Como adjetivo de maior relevância de correlação temos

“gratificante” (chi2 = 19,7). Podemos verificar mais facilmente a relação entre as palavras

Figura 23 – Diagrama de similitude da classe 5.

Figura 24 – Grafo de similitude da classe 5.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

Como podemos notar, as palavras “conhecimento” (chi2 = 30,3), “conteúdo” (chi2=

26,25), “preparo” e “qualificação” estão bastante ligadas e se aproximam do adjetivo “bom”. Os sujeitos pesquisados constantemente indicam que uma das características do docente é possuir um bom conhecimento de sua matéria e preparo adequado, ou seja, planejamento da melhor forma de dar aula.

“Bom, é, primeiro conhecimento da disciplina, né [sic]? O domínio da matéria, nunca a gente vai saber tudo, a gente sempre tem falhas na formação, mas aí sempre planejar uma boa aula, né [sic]? Estudar sobre aquele conteúdo” (Docente n. 07, entrevista, feminino, Set. 2015).

“Essas são algumas características essenciais que eu penso que o docente tem que ter, fora, lógico, a capacidade de entender o seu conteúdo, de saber, né [sic]? [...] tem que

ter conhecimento do que ele tá [sic] dando” (Docente n. 05, entrevista, masculino, Set. 2015).

A pesquisa de Cunha (2006), que verificou a percepção de alunos acerca das características do bom professor, concluiu que o bom professor, primeiramente, domina o conteúdo das disciplinas que ministra, utilizando variadas técnicas de ensino. Além disso, no âmbito afetivo, tem um bom relacionamento com seus alunos. Esses resultados confirmam a visão dos sujeitos pesquisados. No entanto, quando eles se referem ao “preparo”, os docentes explicam que não se relaciona exclusivamente ao preparo do conteúdo, mas também sobre um preparo para o trato com pessoas, estar preparado para um bom relacionamento interpessoal.

“Você tem que ter um preparo, você tá [sic] lidando com, com diversos seres humanos diferentes, então, você tem que saber transitar no meio disso daí” (Docente n. 03, entrevista, masculino, Set. 2015).

Esses resultados confirmam aqueles encontrados por Patrício (2005), que pesquisou as características do bom professor junto a alunos de ensino médio e concluiu que, além dos aspectos de ensino-aprendizagem, os alunos valorizavam, por exemplo, no âmbito da relação professor-aluno, professores que os tratassem com igualdade e respeito.

Quanto ao substantivo “formação”, os docentes estão falando sobre a necessidade que existe de o profissional estar em constante formação.

“Qualquer pessoa tendo essa formação profissional continuada na área, voltada pra licenciatura, consegue dar aula”. (Docente n. 02, entrevista, masculino, Set. 2015). “Buscar uma formação continuada, capacitação, né [sic]?” (Docente n. 07, entrevista, feminino, Set. 2015).

“Primeiro é buscar sua formação mesmo, né [sic]? A fundação científica” (Docente n. 08, entrevista, feminino, Set. 2015).

“Então, eu acho que o principal é a formação, a formação, ele continuar se especializando” (Docente n. 16, entrevista, feminino, Nov. 2015).

Chama a atenção esse dado, visto que a história do magistério no Brasil construiu-se inicialmente sob o discurso que as professoras não necessitariam de preparo ou condições especiais para o trabalho, pois essas seriam apenas “tias” que em regra não detinham “autoridade para decidir sobre a educação das crianças” (LOURO, 2011, p. 474). O que se nota a partir desta pesquisa é que nos dias de hoje, em especial no ensino médio, essa concepção se transforma e passa-se a valorizar, tornando-se parte da representação social do docente, a formação de qualidade para o trabalho.

Contudo, ao passo que tal condição se instaura, a realidade estatística também se transforma, ou seja, passa a ser equilibrada a ocorrência de docentes homens e mulheres no ensino médio. Nisso materializa-se ou se objetiva a noção de separação de espaços entre

gêneros, reservando às mulheres um espaço mais desprestigiado (docência nas séries iniciais) e aos homens os lugares com mais status social.

Louro corrobora dizendo que a história do magistério no Brasil se deu no terreno das relações de gênero, “as representações do masculino e do feminino, os lugares sociais previstos para cada um deles são integrantes do processo histórico” (LOURO, 2011, p. 475).

Outro fator com o chi2 relativamente alto foi a característica “paciência”, de forma que

37% da amostra julgaram ser importante o docente desenvolver a paciência para exercer a profissão, principalmente no que se refere ao trato com os alunos, as suas condutas em sala de aula e ao controle de turma.

“Mas, assim, acredito que tem que ter paciência, né [sic]? Porque nem toda turma é, é comportada, então você tem que aprender a controlar os alunos” (Docente n. 02, entrevista, masculino, Set. 2015).

“Tem que ter muita paciência, extremamente paciente, saber essa coisa da resolução

de conflito” (Docente n. 13, entrevista, masculino, Nov. 2015).

Um dos docentes do sexo feminino verbalizou que a mulher teria mais aptidão para exercer a paciência por uma vinculação desta com a maternidade.

“Às vezes a mulher tem mais paciência, que tá [sic] acostumada a lidar com o filho, com criança, então tem aquele jeito melhor, né [sic]? De lidar com o aluno do que, às vezes o, o homem” (Docente n. 7, entrevista, feminino, Set. 2015).

A associação da docência com características da maternidade traz de volta o histórico da inserção da mulher no mundo do trabalho, que se fez a partir do magistério, especialmente da educação infantil. No entanto, quando as professoras atribuem à profissão docente características maternas e domésticas, tais como responsabilidade, paciência, cuidado e carinho, acabam desvalorizando a profissão (COSTA; RIBEIRO, 2011).

O substantivo “profissão” aparece em destaque na classe 5 relacionando-se com adjetivos de significância positiva, como “gratificante” e “feliz”, o que mostra que a avaliação da profissão pela amostra é satisfatória. Podemos verificar melhor essa relação na figura 25.

Figura 25 – Gráfico de similitude da palavra profissão.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

Nota-se que no subcorpus “C” em que se trata sobre as características da docência a conceituação da atividade passa da ideia de “trabalho” (verificada na classe 1) para “profissão” e também adquire uma carga semântica positiva, relacionando-se a gratificante, prazeroso, querer.

O termo profissão possui sua origem na palavra latina professio que significa professar, ou seja, os profissionais professam saber ou conhecer algo melhor do que os outros. Dessa forma ao assumir o conceito de Hughes (1994) sobre profissão, qual seja, o conjunto de um conhecimento especializado que faz com que algumas pessoas reclamem o direito exclusivo de praticar o trabalho que professam saber, estaríamos associando-a a uma valoração moralmente positiva, como uma atividade que atingiu estágio superior por sua natureza de alto nível de conhecimento.

A ideia apresentada por Hughes corrobora o resultado da pesquisa no sentido que, ao passo que os docentes percebem a docência como trabalho, o julgam desvalorizado, logo, quando a representam como profissão, a julgam gratificante e como pré-requisito para exercê- la à necessidade de um grau elevado de conhecimento e boa formação.

Garcia et al (2005, p. 50) advertem-nos que vários estudos baseados nessa ideia de profissionalismo clássico, que valoriza o conhecimento científico e o prestígio público, encontram a docência como uma “atividade não-profissional ou semiprofissional”, visto a dificuldade da docência se enquadrar em classe intelectual ou trabalhadora anteriormente já mencionada.

Possivelmente a visão dos docentes, que julgam ser necessária uma formação acadêmica contínua para exercer suas atividades, esteja ancorada nessa perspectiva de profissionalismo clássico que tanto valoriza o conhecimento científico, sendo assim, os docentes precisam buscá- lo para serem reconhecidos como profissionais.

Contudo, Santos (2013) critica a busca da docência pela profissionalização. Ele traz a ideia que o processo de profissionalização da docência possui um caráter simbólico e serve para legitimar a diferença entre grupos de elite e os demais grupos, além de possibilitar a reivindicação de privilégios para a categoria, culminando no esvaziamento de sentido da escola, que seria a formação de seres humanos, e tornando os alunos apenas consumidores.

Santos (2013) ainda relaciona, que ao contrário do que versa o profissionalismo clássico, que a valorização advém da profissionalização, esse processo trouxe a fragmentação da atividade docente, o que a levou a um movimento de flexibilização e desvalorização da docência.

Mais uma vez percebemos como a identidade docente é permeada por contradições, estando constantemente em movimentos de ambivalência. Ora sendo uma atividade de formação de homens que implica vocação, ora como uma profissão técnica, a cargo das necessidades das estruturas econômicas, com a necessidade de conhecimento aprimorado.

A figura 26 agrupou e organizou graficamente as palavras na nuvem de palavras, de modo que o tamanho dessas palavras na nuvem obedece à sua frequência na classe.

Figura 26 – Nuvem de palavras da classe 5.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

Na análise do subcorpus “C”, apresenta-se, portanto, características do docente do ensino médio que possui origem tanto na representação clássica do magistério feminizado (que valoriza a afetividade, flexibilidade e paciência) quanto características de um movimento para a profissionalização da atividade, que se encontra intricadamente associado ao positivismo das ciências, espaço marcadamente relacionado ao masculino.

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