• Nenhum resultado encontrado

Percepções em relação à docência – Classe 2 e 3

5.2 ELEMENTOS DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO DOCENTE DO ENSINO

5.2.1 Percepções em relação à docência – Classe 2 e 3

As classes 2 e 3, chamadas de “Percepções em relação à docência”, juntas foram responsáveis por 26% dos segmentos de texto. Decidiu-se analisá-las em conjunto pela proximidade entre os discursos dessas classes, o que pode ser verificado na figura 4.

Entenderemos percepção a partir da contribuição de Merleau-Ponty (1999, p. 40) que a trata como um fenômeno que acontece na relação com o mundo e que tem por função essencial “fundar ou de inaugurar o conhecimento, e a vemos através de seus resultados”.

A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles. O mundo não é um objeto do qual possuo comigo a lei de constituição; ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e de todas as minhas percepções explícitas. A verdade não ‘habita’ apenas o ‘homem interior’, ou, antes, não existe homem interior, o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece. (MERLEAU-PONTY, 1999, p.6).

Na classe 2, os três principais substantivos foram “classe” (chi2= 43,12), “valorização”

(chi2= 14,9), “desvalorização” (chi2= 13,43). Como adjetivo muito relevante, apareceu

“desmotivado” (chi2= 14,9). Podemos verificar mais facilmente a relação entre as palavras

Figura 10 – Diagrama de similitude da classe 2.

Figura 11 – Grafo de similitude da classe 2.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

O substantivo “classe” liga-se ao substantivo “professor” e possui três polos de significado: 1) a profissão é escolha de populações de classe social baixa; 2) professores como uma classe trabalhista desvalorizada; 3) professores como uma classe trabalhista desunida.

“Professor é uma classe super desvalorizada” (Docente n. 12, entrevista, feminino, Out. 2015).

“Porque como hoje a profissão está muito associada a classes sociais que são consideradas classes sociais baixas, que pode dar uma certa, uma certa ascensão social” (Docente n. 14, entrevista, feminino, Nov. 2015).

“A gente tem uma classe muito desunida! A gente trabalha muito sozinho” (Docente n. 11, entrevista, masculino, Out. 2015).

Na figura 11, podemos perceber o quanto o substantivo “desvalorização” está ligado ao substantivo “professor”. Já o susbstantivo “valorização” liga-se ao advérbio de negação “não”,

o que quer dizer que ele possui a mesma significância de desvalorização. Há muitos relatos entre os docentes que tratam sobre o tema, 43,75% deles mencionaram ter essa percepção.

“O que tem de mais difícil? Eu acho que é a desvalorização. A desvalorização da profissão. Eu acho que é o mais difícil isso! As pessoas olham para você como se você estivesse na área educacional porque você não se deu bem em nada, entendeu? Isso é ruim” (Docente n. 16, entrevista, feminino, Nov. 2015).

“Desvalorização da atividade que a gente realiza, a gente não se sente estimulado..., a gente acha que, parece até um lugar comum, mas parece que a educação é, não é prioridade, né [sic]? A gente fica [sic], tem esse sentimento, e isso vai desmotivando a gente” (Docente n. 03, entrevista, masculino, Set. 2015).

“É a má valorização do professor, no Brasil como um todo, né [sic]? A má valorização não só perante a sociedade, mas entre a própria classe, os professores não se valorizam” (Docente n. 07, entrevista, feminino, Set. 2015).

“Os meninos peitam, os meninos desrespeitam, mesmo porque não tem a valorização do professor dentro da sociedade” (Docente n. 11, entrevista, masculino, Out. 2015).

A representação social da profissão docente como uma profissão desvalorizada na sociedade é comum. A pesquisa de Roma e Passos (2012) buscou compreender as representações sociais de 54 alunos concluintes do curso de Licenciatura em Matemática em três instituições acerca da profissão docente e sua constituição profissional e uma das conclusões a que chegaram foi a imagem da docência como uma profissão social e financeiramente desvalorizada. Outros estudos (BRANDÃO, 2012; ENS; EYNG; GISI, 2009; LEME, 2012; LIMA; SICCA; DAVID, 2012; LUNKES; ROCHA FILHO, 2011; OLIVEIRA et al., 2011; PALAZZO, 2015; TARTUCE; NUNES; ALMEIDA, 2010; VALLE, 2006) também verificaram que a desvalorização social, geralmente associada aos baixos salários, é o principal motivo de insatisfação profissional, bem como um dos fatores mais significativos para rejeição à carreira.

Existe uma forte relação entre os baixos salários e a desvalorização da classe de professores com a representação do docente. Como foi exposto no referencial, a história do magistério no Brasil esteve impregnada da ideia da docência como sacerdócio ou vocação, sendo assim, “a boa professora estaria muito pouco preocupada com seu salário” sendo o mais importante a formação dos alunos (LOURO, 2011. p. 466).

Figura 12 – Gráfico de similitude da palavra valorização.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

Como se pode ver na verbalização do docente 03 descrita acima, a percepção de desvalorização se une ao sentimento de desmotivação, contudo a desmotivação também se correlaciona com a falta de interesse do aluno em aprender:

“Quando o aluno não se interessa, que você faz de tudo ali pra ele crescer, pra ele desenvolver e ele entende aquilo como algo que é só uma nota, entendeu? Então às vezes a gente fica meio desmotivado.” (Docente n. 04, entrevista, masculino, Set. 2015).

Esse processo de desinteresse do aluno passa, entre outros aspectos (relações familiares, violência, pobreza, etc), pela própria desvalorização da profissão. Visto que o aluno muitas vezes não encontra sentido na aprendizagem, pois nem mesmo o professor, que muito possui conhecimento, conseguiu um lugar de prestígio na sociedade, ou seja, não adianta adquirir conhecimento para ter um crescimento de vida, o professor não é um referencial positivo em quem se espelhar.

Outro fator que contribui para a percepção de desvalorização do docente, são as condições de trabalho às quais eles são submetidos. Muitos relataram o fato de terem que lidar com várias turmas com numerosos alunos, o que por vezes dificulta a avaliação adequada. Ou ainda o isolamento vivenciado, um dos docentes mencionou o quanto que a profissão é solitária, inviabilizando as trocas que possibilitaria possíveis transformações.

A figura 13 agrupou e organizou graficamente as palavras na nuvem de palavras, de forma que o tamanho dessas palavras na nuvem obedece à sua frequência na classe.

Figura 13 – Nuvem de palavras da classe 2.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

A classe 3 apresenta três substantivos com relevância “escola” (chi2= 46,88), “trabalho”

(chi2 = 21,7), “violência” (chi2= 17,18). Como advérbio com grande correlação temos “dentro”

(chi2= 67,39), no entanto, esse se liga formando a expressão ”dentro da escola” ou “dentro de

sala”, sendo assim, partir-se-á da análise das duas palavras juntamente. Podemos verificar a relação entre as palavras citadas nas figuras 14 e 15 a seguir.

Figura 14 – Diagrama de similitude da classe 3.

Figura 15 – Grafo de similitude da classe 3.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

A expressão “dentro da escola” se refere a vários aspectos, entre eles, ao relacionamento professor-aluno ou à falta de estruturas física e familiar adequadas, mas o que mais se repete e chama a atenção é o relato da existência de violência dentro do ambiente escolar. Os docentes descrevem o seguinte:

“Porque a gente tem muita violência dentro da escola e violência física e moral também” (Docente n. 11, entrevista, masculino, Out. 2015).

“Toda aquela história que a gente sabe sobre a escola pública de não ter o apoio familiar, dos alunos terem muita dificuldade, isso tudo está representado, o índice de violência é muito maior” (Docente n. 14, entrevista, feminino, Out. 2015).

A análise da violência deve partir do reconhecimento da sua complexidade, vários autores citam a existência de múltiplas formas de violência, podendo ela ser da ordem física, psicológica ou moral (ABRAMOVAY, 2005, CANDAU, 2001; CASTRO, 2002; CHARLOT, 2002).

Em relação à violência escolar, pode-se diferenciá-la entre: violência na escola, aquela que se produz dentro do espaço escolar, mas não se relaciona à natureza das atividades escolares; a violência à escola, que está ligada à natureza a às atividades da escola; e a violência da escola, que seria a violência institucional simbólica que a instituição promove aos jovens estudantes (CHARLOT, 2002).

Martín-Baró (1997) trata sobre o caráter histórico da violência, considerando-a assim um fenômeno produzido num contexto social. O resultado da pesquisa corrobora essa ideia quando um dos docentes atribui a existência da violência à desestruturação familiar.

A percepção de violência vivenciada pelo docente também se relaciona com a percepção de desvalorização do docente por ser uma classe de baixo nível social. Pereira (2003) verificou, em sua pesquisa sobre violência na escola, que professores percebem a violência como um fenômeno reforçado pelas desigualdades sociais, pela influência da mídia e pela desestruturação familiar.

Abramovay (2006) complementa essa ideia citando que a escola, como instituição, acaba sofrendo os efeitos de processos sociais mais amplos, sendo que a violência passa a ser uma questão social maior que reverbera na escola, local vulnerável a vários tipos de processos, especialmente à exclusão social. Ressalta-se, ainda, que os cursos de formação de professores não preparam os futuros educadores para lidar com a violência (GOMES; PEREIRA, 2009).

Em relação ao substantivo “trabalho”, quando mencionado, está relacionado a uma determinação espacial, formando a expressão “a escola em que eu trabalho”.

“Lá na escola em que eu trabalho nós temos um grupo que agora está começando a se desintegrar porque muitos já estão começando a aposentar” (Docente n. 14, entrevista, feminino, Nov. 2015).

“Alguém só pode invadir sua intimidade na hora que você permite, né [sic]? E eu vejo o ambiente de trabalho como algo que você tem que respeitar muito esses limites” (Docente n. 08, entrevista, feminino, Set. 2015).

Quanto a esse dado, torna-se interessante verificar o fato da existência da palavra “trabalho”, no discurso dos docentes, meramente como uma indicação de uma localização espacial.

A relação descrita acima feita pelos docentes sobre o trabalho, vai de encontro a ideia postulada por Dejours (2012), que defende o trabalho como emancipador do sujeito. Valoriza a dimensão da cooperação que vem da noção de trabalho coletivo, onde as relações acabam por

ser a centralidade do trabalho. O discurso dos docentes acaba por ocultar a dimensão das interações relacionais quando se refere ao trabalho.

A figura 16 agrupou e organizou graficamente as palavras na nuvem de palavras, de modo que o tamanho dessas palavras na nuvem obedece à sua frequência na classe.

Figura 16 – Nuvem de palavras da classe 3.

Fonte: Pesquisa de campo desta dissertação

Fica evidente no conjunto do subcorpus “E” que a percepção dos docentes, em especial

as professoras, a respeito da docência no ensino médio é carregada de um viés negativo. Partindo da ideia de percepção como uma construção que se dá na interação com o mundo, podemos indicar que a percepção de desvalorização e violências se deu a partir do vivenciado desses docentes com a sociedade.

Junto com essa percepção negativa se une a ideia de trabalho como meramente um espaço organizacional, sem que os docentes façam uma articulação desse substantivo com o conceito do termo. Isso nos mostra que a construção que a sociedade fez do docente distancia- o da noção de uma atividade laboral remunerada e, como veremos na próxima sessão, aproxima-o da ideia de vocação, sacerdócio, doação, retirando dele a carga de recompensa pecuniária a que o trabalho em geral se aproxima.

Documentos relacionados