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Características e espiritualidade da RCC

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3 DA RACIONALIDADE À MAGIA: UM NOVO ENCANTAMENTO?

3.5 UMA TIPOLOGIA DO PENTECOSTALISMO CATÓLICO: A RCC

3.5.2 Características e espiritualidade da RCC

Essencialmente, a RCC tem um caráter profético e missionário, com uma visão teológica fundamentada no relato de Pentecostes, com destaque para os dons e carismas “como meios de santificação pessoal e de serviço nas ‘estruturas terrenas’ e, na Igreja, a glossolalia (falar em línguas ininteligíveis), o repouso no espírito (êxtase espiritual), curas milagrosas, afirmação de revelações divinas” (CARRANZA, 2009, p. 36).

Ao contrário dos neopentecostais, a RCC faz uso constante da Bíblia. Porém, as leituras bíblicas se dão de forma fundamentalista. Como foi-nos possível observar em algumas reuniões de grupos de oração na PSP, os carismáticos abrem a bíblia aleatoriamente e leem uma mensagem movidos mais pelo sentimento, pela emoção, do que pela razão. No que se refere à figura do diabo (demônio), no meio carismático católico, de acordo com PRANDI (1998, p. 131) existe uma concepção de “um mal maior que é a soberba do homem e a indiferença a Deus, e isso é uma fonte de infelicidade e dor muito mais importante do que o agir de um ser de vida própria que está sempre se encostando e atormentando a vida das pessoas”. Embora o diabo exista e provoque o mal, o mal maior está em cada uma das

pessoas. Desta forma, embora exista a prática de exorcismos no meio carismático, esta se dá de forma mais discreta do que no neopentecostalismo. Na RCC, a guerra santa assume o nome de “guerra espiritual” tendo como adversários, a serem combatidos, o espiritismo, as religiões afro-brasileiras, a nova ERA etc. No movimento católico, o demônio não é invocado. Quando manifestado, não é humilhado, simplesmente ele é expulso. Nisto reside o diferencial entre a “guerra santa” neopentecostal (IURD) e a “guerra espiritual” da RCC.

Por sua proposta espiritual, a RCC se caracteriza mais como um movimento de reavivamento religioso do que como um movimento de conversão, sendo levado, de preferência, a “setores da Igreja Católica onde a prática sacramental e a vinculação institucional com a Igreja já são intensas” (OLIVEIRA, 1978, p. 29). O termo “reavivamento” é utilizado para dar ênfase à “continuidade entre a vivência religiosa anterior e posterior ao ingresso [na RCC]”. Nesse sentido, a RCC “funciona como agente catalisador da vivência religiosa estimulando-a fortemente, dando-lhe um novo dinamismo ou mesmo um novo sentido, fazendo-a então desabrochar no que ela chama a ‘vida nova no Espírito’”. De um modo geral, o efeito que a RCC produz no íntimo de seus membros “supõe uma vivência religiosa preexistente, que é então dinamizada, ou melhor dizendo, reavivada” (OLIVEIRA, 1978, p. 29-30).

O que faz a diferença da RCC com relação aos demais movimentos da Igreja Católica é a singularidade de ser essencialmente uma espiritualidade centrada no Espírito Santo. De acordo com Pedrini (1993, p. 23), o Espírito Santo, “alma e vida da Igreja”, dotou a RCC de uma capacidade ímpar “para fazer o católico nascer de novo, para uma vida nova, renovada pela ação e poder do próprio Espírito Santo”, conforme o próprio Jesus disse a Nicodemos: “É preciso nascer de novo”, falou Jesus a Nicodemos, pois “o que nasce do Espírito é espírito” (cf. Jo, 3,3-8). Essa renovação no Espírito Santo faz com que o católico tenha uma vida nova: na família, no matrimônio, no namoro, nas amizades, nos estudos, no trabalho, nos negócios e lazer. Portanto, a RCC tem por finalidade “fazer o católico nascer de novo pela força do Espírito e levar esta vida nova até a maturidade.” Pode-se dizer que a RCC se define “pela valorização da oração de louvor ao Senhor”. Esse louvor, característicos das reuniões de grupo se dá de diversas formas: “pelos cânticos, pelas orações espontâneas, pelas orações coletivas e pela oração em línguas” (OLIVEIRA, 1978, p. 20-21). A RCC valoriza muito a reza do terço, de forma individual e coletiva.

Dois temas básicos perpassam todo o movimento da RCC: o da “vida nova”, que se dá através do Batismo no Espírito Santo e na vivência dos dons e carismas, e o do “senhorio de Jesus Cristo”, sendo que a “vida nova” se inicia pelo “batismo no Espírito Santo”,21 correntemente visto pelos participantes da RCC como “a manifestação sensível da presença do Espírito Santo nas pessoas, através dos seus dons e carismas” (OLIVEIRA, 1978, p. 21). Essa vida nova, inaugurada “pela experiência da presença do Espírito Santo na pessoa, sob a forma do que chamam o ‘batismo no Espírito”, leva consequentemente a outra experiência que se constitui em seu ponto central que é a libertação interior que “tem uma carga emocional muito intensa, chegando a alguns casos à experiência do êxtase religioso, isto é, de uma sensação de estar fora de si, mas consciente e senhor de seus atos.” São muitos os efeitos dessa forte experiência carregada pela emoção: visões, sensação de ouvir vozes celestiais, choro, oração em línguas etc. Mesmo aqueles que não experimentam uma dessas reações sentem “efeitos de paz interior e de alegria profunda” (OLIVEIRA, 1978, p. 39).

O Batismo no Espírito acontece pela imposição das mãos sobre aquele que deseja ser batizado. Pode-se precisar o momento exato em que ocorre o batismo pela intensa carga emocional que se segue ao mesmo. Porém, alguns não sentem nada e, no entanto, não deixam de ser considerados batizados no Espírito, pois “o batismo no Espírito Santo não é algo só atingível por alguns poucos ou uma espécie de coroamento da RC [RCC], e sim o ponto inicial da libertação interior acessível a todos.” Portanto, o batismo no Espírito é o início de um processo de mudanças interiores na pessoa que ocorre de dentro para fora, sendo interpretadas como “um processo de libertação que vem de Deus” (OLIVEIRA, 1978, p. 40-41).

A libertação interior mantém vinculação estreita com a “proclamação do Senhorio de Jesus: a libertação ocorre na medida em que a pessoa se entrega a Jesus como Senhor de sua vida, operando-se assim o encontro místico com ele.” Essa aceitação de Jesus Cristo como Senhor absoluto de sua vida leva o fiel ao engajamento social que é visto “como consequência da renovação interior;” que lhe

21 De acordo com Rainero Cantalamessa (2004, p. 140;143), a expressão Batismo no Espírito “refere-

se antes ao acontecimento de Pentecostes do que ao sacramento do batismo. No Batismo no Espírito, “não é só o nosso batismo o que é ‘revivido’ com este; também o são a confirmação, a primeira comunhão, o matrimônio, tudo. Trata-se de fato da graça de ‘um novo Pentecostes’. Uma iniciativa nova, livre e soberana da graça de Deus que se funda, como todo o resto, no batismo, mas que não acaba aí. Não faz referência apenas à iniciação, mas também ao desenvolvimento e à perfeição da vida cristã.

antecede, “não apenas cronologicamente, mas também, em ordem de importância.” Em função disso, pode-se afirmar que na RCC reina um ambiente festivo, de alegria cristã: as reuniões, cânticos, orações, testemunhos, enfim, tudo é marcado pela alegria e confiança de quem se sente em companhia de Jesus Cristo (OLIVEIRA, 1978, p. 46).

A RCC tem como propósito resgatar e reviver os dons e os frutos do Espírito Santo, antes vividos pelos primeiros cristãos, na igreja primitiva. São dois os tipos de dons do Espírito Santo: os dons infusos e os dons carismáticos.22 Os dons infusos são aqueles os quais a pessoa recebe em seu batismo. São como “sete grandes sementes de sete árvores de vida” plantados pelo Espírito “que precisam ser regadas, adubadas, cultivadas, para desabrochar, para se tornarem arbustos e árvores adultas, a fim de produzir frutos” (PEDRINI, 1995, p. 67). São: sabedoria, entendimento, ciência, conselho, fortaleza, piedade e temor de Deus. Os dons carismáticos são considerados “instrumentos de trabalho apostólico. São capacitações, instrumentalizações, poderes divinos” para que a pessoa “possa realizar seu apostolado, seja qual for, não mais na fraqueza humana, mas na força do Espírito” (PEDRINI, 1995, p. 68). São nove e se subdividem em três grupos: a) Palavras – línguas, interpretações e profecia; b) Poder – fé, cura e milagres; c) Revelações – sabedoria, ciência e discernimento (DEGRANDIS, 1990, p. 40). Os frutos do Espírito Santo são aqueles comunicados por ele no coração da pessoa. O Espírito que mora no coração da pessoa comunica-lhe parte de sua santidade, transbordando para dentro dela um pouco daquilo que ele é: caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, generosidade, mansidão, fidelidade, modéstia, temperança, castidade (Gál. 5, 22-23) (PEDRINI, 1995, p. 68).

Pontuada por um tradicionalismo moralista, a espiritualidade católica é inovada pela RCC no âmbito da corporeidade, ao fomentar aos seus membros “a espontaneidade de expressões corporais”, carregadas pela emoção, beirando o sensual nas liturgias (CARRANZA, 2000, p. 150), porém, o discurso é conservador como nunca, principalmente no que se refere à sexualidade. Com uma proposta de

22 Dons infusos: São aqueles dons que o fiel tem por natureza, sem seu esforço próprio para

consegui-los. São como “grandes sementes de sete árvores da vida”, plantados pelo Espírito no coração do fiel, no dia de seu batizado. (PEDRINI, 1995, p. 67). Dons carismáticos: São entendidos como “ações de Deus por meio das quais Ele usa uma pessoa como instrumento de graça para outra. Geralmente, a pessoa usada tem a percepção de que Deus a está movendo. A pessoa à qual a graça se destina pode ou não corresponder. (WALSH, 1992, p. 95).

uma moralidade rígida e ascética, fundamentada “numa teologia de santificação pessoal e numa ética individualista”, a RCC fomenta para seus membros um comportamento moral “com ênfase na pureza e na experiência religiosa” incentivando-os a uma intensa atividade devocional. Com essa proposta, esse movimento ajuda as donas de casa a manterem “um controle mais eficaz sobre os filhos. No caso de filhas mulheres, sobre possíveis riscos de gravidez indesejada; e quanto aos filhos homens, sobre o risco de envolvimento em drogas” (CARRANZA, 2000, p. 153).

Embora seja vista como um movimento essencialmente espiritualista e intimista, a RCC tem atuação não somente no campo religioso, mas também na política, onde participa ativamente no âmbito eleitoral, em que seus grupos de oração se tornam verdadeiros cabos eleitorais para seus candidatos. Neste ano, Gabriel Chalita obteve a segunda maior votação em São Paulo, para o mandato de Deputado Federal e representará a RCC no Congresso Nacional. Em Brasília, a RCC saiu-se vitoriosa com a eleição de Washington Mesquita (candidato da paróquia que estamos pesquisando), para Deputado Distrital, ficando em sexto lugar, dentre os 25 eleitos, o que mostra a força não só da RCC na política, como também do grande líder carismático que é o Pe. X, capaz de influenciar pelo menos 23.000 pessoas que elegeram seu candidato declarado.

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