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SEÇÃO 1: ASPECTOS METODOLÓGICOS: A TRAJETÓRIA DA PESQUISA

4. Características Gerais da Saúde Mental em Campinas e o contexto do campo de

O modelo campinense de Saúde Mental - Dos avanços do passado à atual crise. A história da rede de Saúde Mental de Campinas se entrelaça com o percurso da instituição Cândido Ferreira.

Fundada em 1924, o Sanatório Dr. Cândido Ferreira, surgiu como possibilidade de retirar da situação de maus tratos os "desajustados" que se encontravam enclausurados no porão da cadeia pública de Campinas. No ano de 1989, a instituição enfrentava dificuldades financeiras e o então diretor de finanças, Nelson Noronha Gustavo, procura o poder público para saber se o orçamento municipal poderia respaldar a instituição com algum tipo de doação.

Com isso, a solução da municipalização do Sanatório foi cogitada e essa agenda prosseguiu com a visita do secretário de saúde, Dr. Gastão Wagner de Sousa Campos à instituição. Nessa visita, o secretário pode verificar o típico cenário de manicômio, pessoas trancadas em celas, recebendo comida de má qualidade. A instituição era organizada por psiquiatras que compunham uma equipe de 12 profissionais e aqui também se repetia a conhecida dinâmica de vários hospitais psiquiátricos do Brasil, onde cigarro e café eram unidade monetária utilizada como recompensas por trabalhos (14,15).

Por questões burocráticas não foi possível a municipalização do sanatório, porém, mesmo reconhecendo a limitação orçamentária, a Secretaria de Saúde de Campinas tinha o desejo de que a instituição se integrasse ao SUS, motivo pelo qual se criou a estratégia da co-gestão.

A estratégia da co-gestão provocou praticamente uma refundação da instituição, pois no novo desenho o Sanatório integrava a rede em conjunto com os outros equipamentos públicos, se comprometia a funcionar dentro dos parâmetros do SUS, participava dos distritos de saúde, do conselho municipal. Podemos destacar três alterações importantes decorrentes do início dessa parceria: foi necessária a mudança de estatuto da

instituição, essa mudança foi marcada com a abertura dos portões e queda dos muros do sanatório, assim marcou-se o início de profundas alterações no modelo assistencial. O modelo de gestão sofreu alterações, transformando-se em uma instituição não estatal, mas com caráter Público, com 100% de dedicação ao SUS, a gestão era pautada na construção coletiva, trabalho em equipe.

A partir dessa parceria, o Serviço de Saúde Dr. Candido Ferreira (SSCF) passou a assumir o papel de sustentar as políticas públicas de saúde mental em conjunto com a prefeitura e foi protagonista no processo de desinstitucionalização.

Diferentes governos, com diversos interesses e investimentos dirigidos à saúde mental estiveram representando a Prefeitura Municipal de Campinas nesses anos de parceria com o agora SSCF. Os últimos anos têm sido os mais críticos. Desde 2011,

Campinas atravessa uma séria crise política que interfere em toda a rede de saúde. Durante o governo de Prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT), houve escândalos de corrupção, envolvendo a SANASA (Empresa Mista de Saneamento de Campinas) no qual ele, a esposa e mais 20 pessoas tiveram decretada a prisão preventiva, entre elas: empresários, funcionários da Prefeitura e Secretários em uma operação do Ministério Público. Os movimentos Contra a Corrupção e Fora Hélio, foram importantes iniciativas da sociedade civil organizada para pedir o Impeachment de Hélio, ocorrido em agosto de 2011. O Prefeito é cassado e o vice-prefeito (também suspeito) assume o cargo por três meses até também ser cassado. Após trocar o prefeito por três vezes o Presidente da Câmara de Vereadores, Pedro Serafim, assume e governa por nove meses até as eleições.

Esta conjectura fez com que a relação interinstitucional que já estava sujeita ao projeto público de saúde mental de cada gestão, ficasse ainda mais precarizada. Essa situação vem sendo expressa no endurecimento do convênio, nas greves, demissões, no sucateamento dos serviços, acarretando a caracterização do SSCF mais próxima de um prestador de serviços do que de um parceiro dentro da relação estabelecida com a prefeitura Considerando o exposto acima, podemos dizer que Campinas é uma cidade reconhecida nacionalmente por ser uma das precursoras na implantação da Reforma Psiquiátrica e por consequência, uma rede substitutiva aos manicômios. Embora esse pioneirismo e as conquistas advindas dele nos tempos atuais venham sofrendo constantes ataques pelo atual modelo de gestão, os trabalhadores, gestores, usuários e familiares

envolvidos no processo da saúde mental do município, ainda resistem para manter vivo seu compromisso, sua competência e pioneirismo em se tratando de inclusão de doentes mentais pelo trabalho.

A Organização da Rede

Conforme dito anteriormente, em Campinas, a inclusão social pelo trabalho das pessoas portadoras de transtornos mentais, opera em sincronia com a RAPS do município e em articulação com a Atenção Básica. Isso inclui uma gama de serviços destinados a dar suporte aos cidadãos que sofrem de transtorno mental grave.

Pensados com um funcionamento territorial, estes serviços reafirmam o legado da Reforma Psiquiátrica ao estabelecer o cuidado na comunidade e promover ações inclusivas. Entre os serviços que compõe a rede assistencial em Saúde Mental de Campinas que tem uma relação direta com iniciativas de geração de renda, podemos citar: Os Serviços Residenciais Terapêuticos, 6 CAPS especializados na articulação do cuidado dos casos de transtorno mental grave, que se ocupam da reabilitação, cuidado da crise e inclusão social, 3 CAPS especializados no acolhimento das dependências de álcool e outras drogas, 7 Centros de Convivência, abertos à experimentação de toda a comunidade aos laços sociais e afetivos, além do suporte da Atenção Básica e equipamentos de apoio intersetorial à integralidade na atenção da população de rua, como o consultório na rua e a unidade de acolhimento transitório e abrigos municipais.

Considerando a especificidade da inclusão pelo trabalho, além do apoio dos equipamentos mencionados anteriormente, as iniciativas de geração de renda contam com a articulação de um fórum, conhecido como Fórum Gera Renda, um espaço de interlocução, organizado por representação, com a finalidade de fomentar a construção de uma rede que execute ações dentro da lógica da economia solidária. É um espaço intersetorial, aberto à participação de iniciativas de outras secretarias do município. O Fórum é composto por 22 oficinas distribuídas em dois serviços de geração de renda – o Núcleo de Oficinas e Trabalho (NOT) e a Casa das Oficinas, além de mais outros pequenos núcleos de geração de renda, que se inserem dentro dos serviços de saúde mental, como CAPS, CECCOS e Centros de Saúde de todos os distritos do município de Campinas. Ao todo, nesse conjunto de iniciativas, estão representados cerca de 350 usuários nesse Fórum.

O campo da inclusão pelo trabalho, tem na experiência do NOT, uma das suas iniciativas mais exitosas. Este serviço é um equipamento da rede municipal de saúde mental, sediado dentro do hospital Cândido Ferreira, sendo o principal serviço de inclusão pelo trabalho em Campinas. Sua forma jurídica é associação, na qual o hospital Candido Ferreira e a Associação Cornélia Vlieg compõem uma parceria. O Núcleo de Oficinas e Trabalho tem vinte e três anos de existência, oferece experiência de criação e trabalho de forma autogestionária, trabalhando na lógica da economia solidária. Atualmente tem quinze oficinas e atende a mais de trezentos usuários da rede de Campinas. As oficinas Agrícola, Culinária, Papel Artesanal, Nutrição, Vitral artesanal, Construção Civil, Parceria, Gráfica, Ladrilho Hidráulico, Mosaico, Marcenaria, Serralheria, Eventos, Costura e Pintura reambientaram os espaços onde antes funcionavam as enfermarias e o necrotério.

Atualmente, compondo com a experiência do NOT, temos a Casa das oficinas, que se divide em dois espaços de trabalho (a Casa do Artesanato e a Casa da culinária). A Casa das Oficinas se define como um serviço de inclusão social pelo trabalho e geração de renda em saúde mental, está em funcionamento desde 2005. Na Casa da Culinária acontece a Oficina Sabor da Vida que produz e comercializa salgados, bolos, doces, cafés da manhã, lanches e coquetéis em uma parceria com o Ceco Tear das Artes, onde formam o Clube dos Sabores, que comercializa pastéis num espaço cedido pela prefeitura.

A Casa do Artesanato e o Armazém das oficinas são os espaços onde se comercializam os produtos dessas oficinas, além da participação em feiras e eventos. Em todos esses serviços acontecem “rodas” semanalmente: o espaço de reunião com oficineiros, e onde se pode avaliar o andamento do trabalho, os sentidos de estar ali etc.

A organização apresentada acima diz dos espaços destinados a iniciativas de geração de renda para pessoas com transtornos mentais no município de Campinas e dentro dessa rede estabelecemos nosso campo de pesquisa, conforme apresentaremos mais adiante.

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