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A inclusão social pelo trabalho em Campinas : um debate sobre o direito, o desejo e a necessidade de acesso ao trabalho para as pessoas com transtornos mentais

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ANA PAULA DONIZETE DA SILVA

A INCLUSÃO SOCIAL PELO TRABALHO EM CAMPINAS: UM DEBATE SOBRE O DIREITO, O DESEJO E A NECESSIDADE DO ACESSO AO TRABALHO PARA

AS PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS

Campinas 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Ciências Médicas

ANA PAULA DONIZETE DA SILVA

A INCLUSÃO SOCIAL PELO TRABALHO EM CAMPINAS: Um debate sobre o direito, o desejo e a necessidade de acesso ao trabalho para as pessoas com

transtornos mentais.

Dissertação de Mestrado Profissional apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde, na Área de Concentração em Política, Gestão e Planejamento.

ORIENTADOR: Profa. Dra. Sabrina Helena Ferigato

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ANA PAULA DONIZETE DA SILVA,

E ORIENTADO PELA PROFA. DRA. SABRINA HELENA FERIGATO

______________________________________________________ Campinas, 2015

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RESUMO

A presente pesquisa busca explorar a experiência de inclusão social de pessoas com transtornos mentais em Campinas-SP. Importa aqui, relacionar as questões de acesso ao trabalho desses sujeitos com as dimensões de seus direitos, desejos e necessidades em desenvolver uma atividade laborativa. Trata-se uma pesquisa de natureza qualitativa que se desenvolve na perspectiva de um estudo interventivo e participativo, que incluiu pesquisa de campo, revisão bibliográfica de artigos, livros e teses dentro do campo da clínica psicossocial, da saúde coletiva, entre outros aportes teóricos. O campo pesquisado circunscreveu os espaços deliberativos e de tomada de decisões, pertencentes ao conjunto de iniciativas de geração de renda desenvolvidas no município de Campinas-SP, tal seleção se deu em razão destes espaços serem elucidativos da temática aqui tratada. Posto isto, a assembleia do Núcleo de Oficinas e Trabalho (NOT) e as rodas de conversas de três oficinas passaram a integrar o campo de pesquisa. Por meio de ferramentas de produção de dados como a observação participante, diário de campo e grupos focais, este estudo apresenta o material produzido junto aos oficineiros e seus monitores. Com isso pudemos nos aprofundar na análise de como as dimensões supracitadas compareceram nesse espaço. Como resultados identificamos que a necessidade pelo trabalho, bem como o direito e o desejo de trabalhar são categorias que expressam não apenas importantes movimentos de constituição do sujeito em suas relações com trabalho, mas que também podem nortear processos emancipatórios, que confluem para a produção de uma sociedade mais justa e solidária.

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ABSTRACT

This research seeks to explore the social inclusion of people with experience of mental disorders in Campinas-SP. Matters here, relate the issues of access to the work of these individuals with the dimensions of their rights, needs and desires to develop a labor activity. This is a qualitative research develops the perspective of a descriptive study, which included field research, literature review of articles, books and the psychosocial clinical field of public health, among other theoretical contributions. The researched field encircled deliberative spaces and decision-making, belonging to the set of income-generating initiatives in Campinas-SP, this selection was due these spaces are illustrative of the subject here treated. The assembly of workshops and Work Center (NOT) and three workshops conversations have joined the search field. Through data production tools, namely participant observation, field diary and focus groups, this study presents the material produced together to workshop instructors and their monitors. We were able to deepen the analysis of how the above dimensions appeared in this space. The results identified that the need for the work, and the right and the desire to work are categories that express not only important subject Inception movements in their relations with work, but can also guide emancipatory processes that arise for the production of a more just and caring society.

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Sumário

DEDICATÓRIA...xiii

AGRADECIMENTOS ... xv

LISTA DE ABREVIATURAS... xvii

INTRODUÇÃO... 1

SEÇÃO 1: ASPECTOS METODOLÓGICOS: A TRAJETÓRIA DA PESQUISA ... 5

1. A construção de um problema de pesquisa e as motivações da pesquisadora ... 5

Análise da implicação da pesquisadora e a construção do olhar em movimento ... 9

2. A composição do campo de trabalho com o campo de pesquisa ... 10

O percurso de construção do objeto de pesquisa ... 13

3. O caráter qualitativo e interventivo da Pesquisa ... 18

4. Características Gerais da Saúde Mental em Campinas e o contexto do campo de pesquisa ... 20

5. Ferramentas e procedimentos de produção e análise de dados. ... 23

Revisão Bibliográfica ... 24

Pesquisa de campo ... 24

A Observação participante e a Construção de Diários de Campo. ... 24

Realização de grupos focais ... 27

Construção de eixos analíticos ... 28

Aspectos éticos da investigação ... 30

SEÇÃO 2: ARTIGO ... 33 CONCLUSÃO ... 67 Bibliografia ... 71 ANEXO I ... 75 ANEXO II ... 79 ANEXO III ... 81

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A primeira coisa que fiz ao nascer foi gritar e seja pela vida, por justiça ou para celebrar o gozo, _O ser humano precisa do grito! Dedico este trabalho a um homem trabalhador, líder de muitas famílias, mas com lugar especial na minha, ao meu pai,

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AGRADECIMENTOS

A todos os trabalhadores, oficineiros que contribuíram com essa pesquisa, pela doação do tempo e pela satisfação com as quais compartilharam comigo suas experiências.

À Sabrina Ferigato, orientadora e amiga, por seu apoio, seu carinho e alegria que fizeram menores as distâncias de nossas orientações transatlânticas.

Aos professores da banca de qualificação e defesa, titulares e suplentes: Elizabeth Maria Freire de Araújo Lima, Maria Luisa Gazabim Simões Ballarin, Rosana Onocko Campos, Gustavo Tenório Cunha e Isabela Aparecida de Oliveira Lussi.

À pequena e amada Julia, por sua compreensão em todas as vezes em que o brincar ficou para depois e por todas as dicas divertidíssimas que ela deu para o “meu livro”.

A tots els amics catalans: Inès, Lucía, Núria, Saïda, Laura, Ferran, Eulalia, Nama, la meva dolça germana Marcela, per donar-me suport, inspirar-me i per cada matí de sol a l'habitació. A l'Arnau per mostrar-me els païsatges més bells i expressar-me sempre el seu suport. Moltissimes gràcies!!

À Mariana por seu ombro amigo nos momentos cruciais e por fazer ainda melhor a combinação arroz com feijão com Brasil no coração!

A meus familiares pelo apoio e segurança que foram determinantes nesse processo. Em especial, meu irmão caçula e mais bonito, Elton.

Aos amigos Pedro e Ellen, por compartilharem comigo sempre o melhor, dos queijos aos vinhos e azeites, dos livros à casa, isso sem contar a agradabilíssima companhia, obrigada!

Aos amigos do Mestrado Profissional, pelo bom humor de nossos ricos debates e por todo cuidado que cultivamos entre nós. Obrigada!

Aos amigos Núbia, Camila, Gustavo, Juliana e Gama, por fazerem parte da "equipe de apoio à pesquisa" oferecendo generosamente aquela mãozinha nos grupos focais, edições, traduções, etc. O meu sincero agradecimento!

Um agradecimento especial às amigas irmãs, Carina, Renata e Tânia, pela aliança que fizemos ao aceitar o desafio de nos tornarmos pesquisadoras! Obrigada e parabéns a todas vocês!

A meu companheiro de vida, meu amor Bruno, por todo cuidado, paciência e, sobretudo por acreditar em mim mesmo nos momentos mais difíceis, até o final, Te amo pra sempre!

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LISTA DE ABREVIATURAS

BVS – Biblioteca Virtual de Saúde CAPS - Centro de Atenção Psicossocial

CEREST - Centro de Referência em Saúde do Trabalhador CLT - Consolidação das leis do Trabalho

GF - Grupo Focal

LILACS - Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud NOT - Núcleo de Oficinas e Trabalho

PTS - Projeto Terapêutico Singular RAPS - Rede de Atenção Psicossocial

SCIELO – Scientific Electronic Library Online SSCF - Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira SUS - Sistema Único de Saúde

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INTRODUÇÃO

O estudo que aqui se apresenta é resultado de uma investigação do mestrado profissional que, tendo realizado uma imersão nas experiências de pessoas com transtornos mentais que trabalham em oficinas protegidas, se focou na inclusão social pelo trabalho como objeto de estudo.

Tendo em vista o grande número de abordagens possíveis referentes a esse tema, optamos por avaliar aspectos gerais desse processo, mas mais especialmente como ele se dá na singularidade da constituição dos sujeitos com transtornos mentais. Por isso, elegemos três dimensões de análise que nos pareceram relevantes para atingirmos nosso objetivo. Essas dimensões são o desejo, a necessidade e o direito ao trabalho.

Os sujeitos dessa pesquisa são conhecidos por oficineiros e desenvolvem diversas atividades laborativas dentro dos equipamentos da saúde que integram a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Essa rede é a materialização de uma luta pela melhoria das condições de tratamento desses sujeitos, uma conquista advinda do Movimento da Luta Antimanicomial.

No início nos anos 1970, esse movimento foi encabeçado por trabalhadores de saúde mental que não mais compactuavam com os maus tratos e o abandono que eram comuns nos hospitais psiquiátricos do Brasil, além da cronicidade da doença mental, que era diretamente influenciada pela lucratividade alcançada com a chamada indústria da loucura (1). Pensadores e intelectuais se juntaram a esse movimento que, para além de marcar a resistência ao tratamento negligente reservado aos ditos “loucos”, também se posicionavam em relação a como a sociedade deveria lidar com o fenômeno da loucura no âmbito do pensamento, da cultura e igualmente no meio jurídico. O ápice dessa luta culminou com a aprovação da lei 10.216 de 2001, a partir da qual ocorre efetivamente a transformação de tais instituições. Esse processo é conhecido como Reforma Psiquiátrica e aqui é entendido como um processo social complexo (2) e ainda em curso. De acordo com Amarante (1), se estrutura a partir de dois pilares principais: a luta pela mudança concreta das precárias condições dos milhares de internos encerrados nos pátios dos hospitais psiquiátricos e a busca de alternativas à institucionalização como única resposta social à loucura, resposta esta tradicionalmente circunscrita aos hospitais e ambulatórios

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psiquiátricos.

A mudança deflagrada pela implantação das estratégias de atenção psicossocial no Brasil tem em Campinas uma expressão significativa pelo pioneirismo do município no investimento em políticas de Saúde Mental. Esse mérito deve ser creditado aos movimentos sociais, movimentos de trabalhadores, gestores que seguem lutando para manter tais conquistas.

Essas mudanças, por si só acarretaram transformações significativas dos modos de levar a vida das pessoas que tem transtornos mentais no município. Entre elas destacamos: Acesso a um tratamento em espaços abertos, conduzido de forma a não romper e a reforçar os laços com a família e a comunidade, bem como a criação de estratégias de convívio, inserção no trabalho e de exercício de cidadania.

Pensar na inclusão efetiva das pessoas com transtornos mentais através do trabalho é um passo maior para o alcance da cidadania, indicação que concretamente tem encontrado entraves em razão da fragilidade das políticas públicas de emprego e renda que as assistam em nível nacional. Atualmente vem sendo solicitado pelos movimentos sociais e entidades representativas das pessoas com sofrimento psíquico, uma política nacional de apoio ao cooperativismo social e a extensão das cotas de trabalho aos portadores de transtornos mentais, como pudemos verificar na IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial e em outras conferências municipais de saúde (3).

Com relação à lei de cotas (4), esta prevê que toda empresa com 100 ou mais funcionários deve destinar de 2% a 5% (dependendo do total de empregados) dos postos de trabalho a pessoas com alguma deficiência. Porém, devido a rígidos critérios diagnósticos, a imensa maioria dos portadores de sofrimento psíquico não é contemplada por essa legislação. A Parceria entre empresas e a Associação Cornélia já existe para uma parcela muito pequena de oficineiros. Em razão dessa prática se realizar em paralelo às iniciativas cooperadas de geração de renda, pensamos ser este um tema que indica que mudanças estão ocorrendo nesse campo.

Por essa e outras razões, o momento presente nos parece próprio para conduzir tal investigação, e por isso, queremos aqui nos permitir repensar, rever, questionar, quais processos de singularização do trabalho e de fortalecimento do seu plano coletivo seriam possíveis ao estabelecer práticas mais transversais, que reconheçam o sujeito em sua

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maneira de ser no mundo. Para isso procuramos não tomar por referência o padrão de normatividade imposto que hoje ocupa a sociedade de controle, especialmente no que tange aos padrões de produtividade e trabalho, mas sim nos debruçar nas relações, nos ruídos, nas potencias e limites das práticas de inclusão pelo trabalho ofertadas pela rede de atenção psicossocial.

A decisão de selecionar o município de Campinas para produzir dados empíricos sobre o tema, se justifica pela histórica contribuição do campo da saúde mental deste município às iniciativas de geração de renda (oficinas protegidas desenvolvidas pela área de saúde mental nessa região) e inclusão pelo trabalho.

Para a realização dessa pesquisa, foi realizado levantamento de material em base de dados como SCIELO, LILACS e BVS, bem como a análise de documentos institucionais, além de catálogos on-line de universidades sobre o conceito de desejo, necessidade e direito, sempre circunscrevendo, dentre a polissemia do termo trabalho, a especificidade do trabalho digno, solidário, no qual se pretende inserir, um trabalho que necessariamente signifique mais saúde. Assim, mantivemos o todo tempo o foco nesse sentido de trabalho que mais interessou à problemática da pesquisa.

Paralelamente a esse movimento de revisão bibliográfica, soma-se um trabalho de campo que inclui o acompanhamento e documentação dos processos de inclusão social pelo trabalho no município de Campinas, com enfoque específico na perspectiva dos oficineiros sobre como sua inserção no trabalho responde aos seus direitos, necessidades e desejos, no período setembro de 2013 a janeiro de 2014.

Para a construção do material final da dissertação, optou-se conforme sugerido pelo programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, pela produção de um artigo-síntese dos esforços e resultados da pesquisa.

Assim, como o espaço de um artigo é sempre insuficiente para abranger toda a produção do processo de pesquisar, apresentaremos esse material em duas seções e as considerações finais.

A primeira seção tem por finalidade explanar de forma mais abrangente e livre aspectos gerais da pesquisa e seu percurso metodológico. Nessa etapa, nos permitimos por ora produzir um texto em primeira pessoa, dada a implicação da pesquisadora com o objeto

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de investigação e a necessidade de colocarmos em análise a variação dessa implicação que fez variar o próprio objeto de pesquisa.

A segunda seção apresenta o artigo que buscou sintetizar esse percurso e dar corpo aos resultados da pesquisa propriamente dita: um processo difícil de síntese e objetivação de um processo amplo, repleto de subjetividades e cruzamento de muitos enunciados, interesses, desapego de muitos textos, seleção de referências e recortes da pesquisa.

Por fim finalizamos com um espaço para considerações finais onde buscamos fazer um balanço geral do processo de investigação como um todo.

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SEÇÃO 1: ASPECTOS METODOLÓGICOS: A TRAJETÓRIA DA

PESQUISA

Quando podemos considerar que se inicia a pesquisa?

A questão acima me provoca a pensar sobre o lugar de onde eu falo, lugar de trabalhadora de um CAPS e membro do corpo de atores que, conjuntamente com usuários, familiares e gestores, são as pessoas que sustentam e investem em um projeto de saúde mental baseado no ideário da Reforma Psiquiátrica.

Pensar sobre essa questão ajudará o leitor a compreender as motivações e processos que fizeram nascer essa pesquisa, bem como ao conhecimento co-produzido nesse processo.

1. A construção de um problema de pesquisa e as motivações da pesquisadora

O CAPS Novo Tempo em Campinas - local onde dediquei sete anos trabalhando como terapeuta ocupacional - como muitos outros CAPS, se via com a responsabilidade de ser um equipamento-chave dentre os outros que compõe a Rede de Atenção Psicossocial - RAPS, possivelmente por seu papel de articulador de um cuidado que transcendia o viés biomédico. Da forma como eu observava em meu cotidiano profissional, este papel vinha sendo posto em prática com a utilização da ferramenta do projeto terapêutico singular (PTS) no estabelecimento de contatos e na construção de redes de apoio, a fim de que, em outros espaços, cada paciente de maneira particular, ampliasse seu acesso às atividades culturais, educativas, de trabalho e convivência, entre outras necessidades que cada paciente pudesse demandar ao serviço. Assim, entre os desafios deste serviço estavam propiciar o cuidado para além de socorrer a fase de crise de cada paciente e efetivamente alcançar a inserção de seus usuários em atividades comprometidas com um propósito singularizado, se dirigindo à produção de mais autonomia.

Em um determinando momento, levando em consideração a especificidade desse equipamento e considerando que seu funcionamento se dava em rede, surge a possibilidade de receber a equipe do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do município (CEREST) para uma conversa sobre saúde e trabalho. Desse encontro se

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produziu um estado de alerta para situações do mundo do trabalho que estavam em segundo plano, e a equipe começou a identificar demandas onde os quadros de saúde mental eram agravados por situações vividas no trabalho e, além disso, passou a estar muito mais atenta a história ocupacional dos pacientes que atendia, levantando esses dados com mais qualidade, junto aos pacientes que eram acompanhados no serviço. Assim pudemos conhecer (e nos surpreender também) com ex-garçons, ex-palhaços/animadores de festas, ex-secretárias e em cada história contada, pudemos conhecer a experiência de viver a interrupção de uma carreira, causada muitas vezes não pela doença mental, mas pelo preconceito e exclusão ligado a ela.

A maioria das pessoas ouvidas nessa parceria, que recebeu o nome de “Repensando o trabalho”, não eram egressas de hospitais psiquiátricos, ou ao menos tinham realizado seu tratamento em equipamentos substitutivos a maior parte de suas vidas. Havia também pacientes jovens que ainda não tinham experiência com o trabalho e queriam pensar sobre esse tema.

O nome do projeto, decidido coletivamente, estava bastante relacionado com sua finalidade e nos ajudou a pensar que a melhor postura para alcançar esse fim seria a de uma escuta livre, ou aberta, que questionasse até mesmo as convicções uns dos outros. Percebíamos que estar ocupado com o trabalho era a expectativa social para os adultos e que estava carregada de valoração moral.

O “Repensando o trabalho” foi uma oficina de formação em ato da equipe do CAPS, que através do compartilhamento de três terapeutas ocupacionais e uma psicóloga que participaram ativamente dos encontros, tornou possível para a equipe a tarefa de identificar e conduzir temas da saúde que eram perpassadas diretamente pelo trabalho.

Os temas dos encontros iniciais foram propostos pela terapeuta ocupacional Marisol Watanabe do CEREST que acompanhou esse processo, sendo que nos encontros subsequentes os participantes (profissionais e usuários) conduziam os temas para seus interesses mais específicos. Enquanto ferramenta de intervenção, essa experiência se aproximava ora de atendimentos grupais realizados conjuntamente por ambos os serviços, ora de ações de matriciamento.

A oficina durou dois meses, alguns casos do CAPS foram atendidos em conjunto com o CEREST, e outro investimento subsequente foi a supervisão da oficina de

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geração de renda “Toque de Arte”, a qual era uma iniciativa desse mesmo CAPS, em conjunto com outras oficinas da região sudoeste. A supervisão era realizada pela mesma profissional do CEREST e durou 18 meses. Esse espaço foi usado para pensar sobre pontos críticos do processo de produção das oficinas integrantes, como a diminuição dos custos de produção/desperdício, expansão da comercialização dos produtos, pactuação da divisão dos lucros, bem como serviu de espaço formativo em economia solidária.

Alguns acontecimentos vivenciados com as experiências acima foram relevantes para determinar as categorias de análise da pesquisa: o primeiro se refere à percepção dos desejos dos participantes.

Para fins ilustrativos, posso citar alguns exemplos, como o caso de Sara1, usuária formada em pedagogia, cujo principal desejo era lecionar. “Paciente bem orientada” como se lia diversas vezes em seus registros do tratamento, ela sabia bem que não estavam em suas habilidades como professora as razões de não ser aceita pelo mercado de trabalho: “eles preferem ligar a TV no salão da escola, a me contratar, mesmo como

monitora/recreacionista, por causa do meu diagnóstico de F.202” (notas do diário de

campo). Essa paciente, apesar de fazer parte de oficinas de geração de renda, relatava que o que ela queria mesmo era conquistar um trabalho que, naquele momento, só era oferecido no mercado formal e por essa razão ela resistia em receber uma aposentadoria definitiva. E na negociação entre o desejo dela, as ponderações da família e a real possibilidade de realização desse sonho, ela hoje é aposentada por invalidez.

Diferente do que pensava Sara, a escuta livre nos ajudou a entender que, na visão de muitos outros pacientes, a aposentadoria era o projeto esperado para vida, como uma espécie de proteção, que aos poucos entendemos se tratar em grande parte de proteção ao preconceito, à sensação de fracasso em desempenhar o papel de trabalhador. Sem dúvida estes relatos foram importantes para que a equipe refletisse sobre o arranjo previdenciário e fazer a crítica que, da maneira como está organizado ele não dava suporte à produção de emancipação, tampouco à inclusão social pelo trabalho.

Houve outra situação que me fez pensar em possíveis interfaces entre a necessidade e o desejo: a família de Fernando, um jovem com diagnóstico de esquizofrenia,

1

Todos os nomes utilizados nesse trabalho são fictícios

2

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tinha expectativas de que o processo de reabilitação ultrapassasse a rotina de frequentar o CAPS uma ou duas vezes na semana, seguidas de muitas outras horas de ociosidade em casa, de modo que ter um trabalho seria uma boa solução. Com isso, ele se propôs a pensar sobre o trabalho, se dedicou a reconhecer suas capacidades e tentou pensar a quem elas interessariam. Ele pensou em dar aulas de inglês em escolas de idiomas, mas lhe faltavam muitos módulos para alcançar o nível avançado. Pensou em ser office-boy, digitou seu currículo mas não conseguiu entregá-lo, se questionava sobre como seria ocupar esse cargo, outra vez ele olhava para suas habilidades, sabia que se deslocava bem usando o transporte público, que manejava bem a internet, ele até alimentava um blog, apesar de ter dificuldades em se comunicar via escrita. Ainda assim, lhe preocupava a cobrança de um chefe, o medo de descompensar, de ter uma crise por ser convocado a muitas responsabilidades. Mas Fernando insistiu em contemplar suas potencialidades, percebeu que havia um ofício que o faria pensar menos no medo de assumir um cargo, de ter um chefe ou de ter que lidar pessoas, ele pensou que seria bom se relacionar com o público, mas com outro tipo de público: decidiu ser ator.

A partir dessa decisão todo seu PTS foi direcionado a tornar isso o mais concreto possível: conversar com a família sobre as expectativas de inclusão no trabalho, pensar junto sobre várias questões da autonomia, a necessidade de se sustentar no futuro na falta dos pais, enfim, muitos temas trabalhados com ele. Atualmente, é o terceiro ano consecutivo que Fernando conclui mais um módulo de teatro amador e foi convidado a participar de uma companhia de teatro, atividades que ele foi estimulado a buscar sozinho, construiu seu espaço e a cada ano, a equipe do CAPS é convidada a prestigiar suas peças. Muitas de suas necessidades ainda estão em aberto, mas fazer esse investimento no desejo dele produziu um desvio em seu cotidiano que reverberou em outra postura diante da vida.

O último episódio que trago, irrompe na fala de Verônica, oficineira do Núcleo de Oficinas e Trabalho – NOT há mais de dez anos. Verônica obteve tantos benefícios para sua vida por estar inserida em um espaço protegido de trabalho, que mesmo com mais de cinquenta anos lhe custa pensar a vida sem trabalhar. No NOT ela pôde criar laços com as pessoas, encontrou sentido em ter uma atividade que resultava em produtos bonitos, vendáveis e que representassem no mercado um pouco da saúde que ela precisava para realizar tal produção. Porém, ela não estava exatamente satisfeita, sentia uma certa angústia

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por não ser escutada em sua necessidade e como um ultimato, faz o pedido: “Eu me sinto

bem, sou inteligente, tenho três crises leves ao ano, quem é que vai me dar um emprego fora do hospital psiquiátrico? É meu direito!” (notas do diário de campo). Verônica queria

mais de sua experiência com o trabalho, queria usar suas outras capacidades que não o artesanato, pensava em ser secretária ou trabalhar num shopping e embora houvesse o desejo de trabalhar em outro ramo, embora ela mesma reclamasse repetidas vezes seu direito de trabalhar em outro espaço, ela segue trabalhando no NOT.

Essas situações foram algumas das experiências que me fizeram refletir e que tornaram evidentes para mim a existência de pelo menos três categorias principais pelas quais um indivíduo com transtorno mental poderia ser levado ao mundo do trabalho: O desejo, o direito e a necessidade. Decidi estudar essas categorias e parti da ideia de que conhecer essas categorias segundo a experiência dos próprios sujeitos que vivenciam os processos de inclusão, poderia fornecer pistas para explicar as razões pelas quais conduzimos a inclusão social pelo trabalho dessa maneira e assim poderíamos aproveitar o estudo e reavaliar esse modus operandi e avaliar o alcance do propósito da inclusão e, quem sabe, aprimorar esse processo.

Análise da implicação da pesquisadora e a construção do olhar em movimento

Além desse conjunto de experiências, inquietações e ideias havia ainda outra implicação, que diz respeito a esse lugar de trabalhadora, mais especificamente com o fato de ter vivenciado este campo enquanto terapeuta ocupacional, de representar o saber de uma categoria profissional.

Esta implicação me fez crer que era este o território que me dava condições para fazer as perguntas da pesquisa. Dessa forma, entendi que o fato de ser terapeuta ocupacional, de ter o fazer humano como objeto de estudo da profissão, me levava a ter um particular compromisso ético fortemente arraigado na questão do fazer, que me fazia olhar para a inclusão social de pessoas com transtorno mental como a expressão social deste nosso tempo, como produção de mundo e se perguntar: O que estamos fazendo? Que direcionamento estamos dando para a relação desses sujeitos com a atividade trabalho? Qual a responsabilidade do profissional terapeuta ocupacional sobre essa produção de mundo?

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Sendo terapeuta ocupacional, eu sabia que, epistemologicamente, o conjunto das ações humanas, o fazer humano, estava organizado dentro de muitas dimensões, entre elas, as dimensões do trabalho, do lazer e do autocuidado e julgava pertinente que se produzisse uma abordagem de Análise de Atividade, transversal para responder as perguntas acima em cada dimensão da ação. Aqui eu partia do pressuposto de que este profissional se beneficiaria de uma maior compreensão de seus pares e sobre a sua prática, tendo em vista que, ao afirmar um saber interdisciplinar o T.O circunscreveria outro caminho de defesa de seu saber, um caminho não legitimado pelas disputas corporativas, pois isto certamente comprometeria o reconhecimento de sua prática como ciência.

Naquele momento eu queria deixar claro quais eram as circunstâncias e condições em que se desenvolveria a atividade de pesquisar e afirmar que, diferente de se inserir num campo de disputa por um poder-saber entre corporações, o que era pretendido era consolidar um caminho de desenvolvimento de um saber que fosse consciente e responsável para com as relações de poder que nele interferiam, implícita e explicitamente. Com essas finalidades para o estudo, que apontavam para algumas hipóteses desacertadas, ingresso no programa de mestrado profissional e dá-se início à construção de um novo lugar que seria ocupado por mim, desde esse novo lugar eu seguiria a olhar o objeto da inclusão social pelo trabalho, porém, desde esse momento, na condição de pesquisadora-trabalhadora.

2. A composição do campo de trabalho com o campo de pesquisa

Uma característica marcante deste coletivo de mestrandos do Programa de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva, no qual eu me insiro, é a larga experiência de inserção de seus discentes em diversas áreas da Saúde Pública. O que esse perfil discente procura na formação em saúde conversa com interesses particulares de usar o conhecimento para transformar e intervir em dada realidade. Muitas vezes isso se resume em produzir resistências a diversos poderes hegemônicos instaurados e buscar produzir vida onde encontramos uma brecha.

Sendo assim, somar essa realidade à tarefa de produzir pesquisa é deixar passar por esse cotidiano de vivências tão complexas, um instrumento que tem potência de

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resistência, na qual se pode organizar um know-how em um tipo de conhecimento científico. Tal fato implica na busca de metodologias de pesquisa que contemplem os interesses desse perfil e que ofereça um caminho de aprendizado de como fazer pesquisa.

Com um programa de mestrado profissional bastante recente, o Departamento de Saúde Coletiva da UNICAMP, propõe um processo de ensino-aprendizagem onde o mestrando, concomitantemente ao estudo de conteúdo de pesquisa e planejamento da pesquisa, constrói e direciona autonomamente seu projeto de pesquisa, que necessariamente tem seu objeto relacionado com o campo de trabalho em que se está inserido, e escolhe quem o acompanhará na orientação.

Nesse cenário, a afirmação de pesquisas que visavam algum tipo de intervenção como escolha primeira, evidenciava o uso que estes pesquisadores queriam dar para essa formação. Entre encontros e desencontros, surgiam ideias de transformar uma realidade. Diante disso, constantemente era necessário relembrar a dimensão do tempo, consideração bastante relevante, para se finalizar satisfatoriamente a pesquisa, produzir recortes num objeto amplo de intervenção, no qual estava imerso o próprio cotidiano do pesquisador.

Algumas aspirações eram próprias dos papéis ocupados por esses discentes/pesquisadores, que facilmente poderiam se confundir com o papel de “trabalhador da rede”. Para esse grupo, para o qual a tarefa de transformar a realidade vinha carregada de uma série de experiências vividas, o cientificismo acadêmico era muitas vezes questionado ou confrontado em direção à construção de um conhecimento que fosse efetivamente transformador ou condizente com os enfrentamentos da rede.

À medida que novos conhecimentos eram adquiridos, as perspectivas de explicar, explorar, descrever também foram valoradas em suas potencialidades de produção de outro tipo de saber e de possibilidades de pesquisa. Vislumbrava-se um encontro potente entre dois mundos que produzem conhecimento, teoria e prática. Logrou-se entender que a ação do pesquisador é, em si, uma forma de intervenção na medida em que o pesquisador assume uma posição em campo, estabelece uma relação com os sujeitos pesquisados e dados são produzidos a partir desse encontro. Ao produzir dados, produz também novas relações, e possíveis mudanças no cenário pesquisado. Fica marcada aqui, uma postura diferente das concepções de pesquisa positivista, que advogavam que a neutralidade

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atestaria a cientificidade. Ao contrário, considera-se que o conhecimento é um construto cuja gênese teórica e social são indissociáveis (5).

Dessa forma, a produção de efeitos a partir das observações do pesquisador em razão de sua relação com o campo pesquisado é até esperada, por esse motivo é que destaco a importância da conjuntura que compreende o ato de pesquisar, lançando mão da análise de implicação a fim de estabelecer o caráter de cientificidade da pesquisa. Afinal, pesquisar é também marcar um posicionamento.

Contar essa experiência de pesquisa tem a intenção de apresentar o contexto do processo de aprendizagem da metodologia de investigação no mestrado profissional e refazer o itinerário de encontros com saberes e achados do campo que, como setas, indicaram o caminho dessa pesquisa. Esse caminho de constituir-se como pesquisador-trabalhador parte de alguns pressupostos.

Uma pesquisa presume um diálogo entre o pesquisador e o leitor, onde o primeiro apresenta ao segundo sua construção de pensamento, composta de suas hipóteses e verificações acerca de seu objeto de estudo previamente determinado. A isso acrescento a relação que o pesquisador tem com o espaço onde ele está pesquisando, ou seja, que paisagem dá-se à vista do ponto a partir de onde ele olha? Que giro ele faz? Se alto, se gordo, são analogias práticas para entender que ninguém fala por si só e sim por variadas estruturas que te permitem um espaço de olhar (seja do mirante ou do abismo, o olhar é sempre o exercício de fazer uma ocupação crítica de seu território).

Pressuponho também um ponto indispensável relacionado à postura de pesquisa ou ao ethos pesquisador. O discurso do pesquisador diz de quem sabe sobre o que diz? De quem está descobrindo o que está dizendo? Demonstra flexibilidade com relação ao uso dos seus métodos? Qual é sua implicação com o objeto e com o campo da pesquisa? Assim entendemos ser necessário colocar em análise toda a interferência do pesquisador em seu espaço de pesquisa, uma vez que consideramos improvável que nunca se esteja implicado. Melhor seria expor a condição do pesquisar de estar ao menos implicado com a problemática com que está trabalhando (6).

Para isso, considero importante destacar a análise da implicação do pesquisador, ou ainda sua sobreimplicação. Aqui entendemos que a implicação é algo do qual é impossível furtar-se, diz da relação do pesquisador com a instituição (6). Durante a

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pesquisa procuramos manter a atenção na questão da implicação e sobretudo fazer uma análise coletiva das possíveis dificuldades de diagnóstico tanto por parte do pesquisador quanto dos sujeitos entrevistados, pois, conforme Monceau (7), não devemos abandonar nossas idealizações, mas colocá-las em discussão coletiva a fim de compreender os possíveis entraves na compreensão por qualquer situação de sobreimplicação que irrompa do maciço envolvimento com o objeto pesquisado.

No presente trabalho a questão da implicação está relacionada com o fato de eu ser também sujeito e objeto da pesquisa, sendo trabalhadora de CAPS; não diretamente de um serviço de inclusão social pelo trabalho, mas tendo contato muito próximo com essa temática e pertencendo à mesma rede de saúde, eu estive indubitavelmente implicada. É esse o motivo pelo qual é essencial que esta análise de implicação dê visibilidade ao fato de que como pesquisadora, além de ser alguém que trabalhou na prática com o objeto de estudo da pesquisa, ou seja, fui praticante de inclusão social, o fiz dentro da mesma instituição que, por sua vez, engendrou novas implicações históricas e sociais relacionadas aos modelos utilizados ou defendidos, como é o caso das demandas sociais da própria inclusão ou da Reforma Psiquiátrica.

Deste modo, ocupar um cargo de terapeuta ocupacional foi ocupar um posto de trabalho de onde pude contemplar o objeto de estudo (a inclusão social pelo trabalho) sob três perspectivas que se intercruzam na produção desse texto: a de terapeuta ocupacional, a de trabalhadora da rede de saúde mental de Campinas e a de pesquisadora.

Ao identificar de onde parte o olhar, dá-se o primeiro passo, uma primeira jogada por sobre um tabuleiro que nos ajuda a definir entre outras coisas, o objeto, os objetivos, o tempo, e o percurso de produção de dados.

O percurso de construção do objeto de pesquisa

Dado o lugar de onde olhei, o contexto e o texto da paisagem mirada, considero importante apresentar as diferentes fases que construíram esse processo de pesquisa, a fim de melhor localizar nossa construção no tempo, bem como as modulações que a pesquisa atravessou. Modulações amplas e complexas, que fizeram variar não apenas os métodos ou ferramentas de produção de dados, como fizeram variar o próprio objeto de investigação. Dividirei didaticamente o processo de pesquisa e minhas observações em 3 fases:

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Fase 1 – a terapeuta ocupacional

Tendo como ponto de partida o olhar do profissional terapeuta ocupacional, bem como a especificidade do olhar deste sobre a ocupação humana, este projeto se propunha inicialmente a conhecer como estavam sendo as experiências de inclusão social pelo trabalho, no município de Campinas, tanto na perspectiva do terapeuta ocupacional, quanto na do usuário. Sua principal motivação era enriquecer o debate e a potência inclusiva e reabilitadora da estratégia de atenção psicossocial.

Postulava-se que a estratégia de atenção em Saúde Mental caberia realizar a problematização de um de seus maiores desafios, o de uma Reforma Social. Buscava-se defender o uso de práticas que fossem congruentes com as necessidades ocupacionais e os direitos do sujeito tido como louco e que, enquanto ação política, encontrassem caminhos para expandir e sustentar tais práticas, contribuindo para a construção de uma nova ética, que fosse mais equânime e menos desigual.

Com a aprovação desse pré-projeto, concomitantemente ao curso de disciplinas da grade curricular de saúde pública, este passou a ser revisitado à luz de novas leituras que buscavam dar apoio a algumas afirmações e observações contidas nele. Conforme as indicações de Flick (8) a revisão de literatura especialmente nessa fase vem em auxílio exatamente da argumentação do pesquisador, é o momento de verificar as afirmações já descritas sobre seu contexto de pesquisa, de avivar a sensibilidade do pesquisador para as nuances que encontrará nos dados, além de estimular questionamentos, ou ainda ajudar na formulação de novas hipóteses. Com o início das orientações, alguns problemas foram apontados, por exemplo, aparecer no texto o resgate do itinerário histórico da profissão para só então, apresentar o olhar sobre o trabalho na perspectiva desse profissional. Estava implícita aqui a ideia de que este profissional teria, a partir de seus conhecimentos científicos, contribuições a dar aos interesses postos da pesquisa, porém a esses temas se mesclavam problemas epistemológicos de constituição e afirmação da profissão, englobando uma série de problemas tão complexos que seria impossível abordá-los de maneira satisfatória sem desfocar do objeto de estudo, considerando que se tratava de uma pesquisa de mestrado.

Neste momento o objeto da pesquisa não era claro, pois além de tentar abordar a própria “inclusão pelo trabalho”, ressaltava-se a importância de se abordar “conceitos de

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trabalho” (objeto conceitual) que era empregado nas práticas de inclusão pelos terapeutas ocupacionais, já como um remodelamento do objeto que antes estava sendo chamado de “perspectiva do terapeuta ocupacional”.

A fim de corrigir essas fragilidades, recortes foram propostos para a pesquisa. O processo de orientação era importante para situar o estudo diante de seu foco, ou de denunciar a falta deste. Em um momento em que a revisão bibliográfica, se valia de uma avalanche de contribuições de várias disciplinas que pensavam o trabalho, como a Sociologia e a Filosofia nas Ciências Humanas; a Engenharia de Produção, a Administração, as Ciências da Saúde etc., e como já nos advertia Quivy & Campenhoudt (9) era preciso evitar a 'gula livresca', o excesso de informações levaria ao desalento, por isso, parecia apropriado intensificar a busca por uma abordagem metodológica que acessasse esse termo tão polissêmico.

Após a primeira tentativa de efetuar tais recortes, o objeto da pesquisa ficou definido como sendo a “análise de atividade” como uma ferramenta do terapeuta ocupacional olhar para o campo da inclusão pelo trabalho. Essas e outras modificações do processo, veremos na sequência, quando se inicia a fase 2.

Fase 2: a trabalhadora no encontro com o mundo da pesquisa

A disciplina de projetos e práticas de pesquisa e intervenção dispunha de um tempo para que cada aluno apresentasse seu projeto a uma banca compostas por seus colegas, onde o orientador da pesquisa também era convidado a participar. Este exercício marca um ponto importante da pesquisa, no qual a tentativa de organizar o conteúdo para uma apresentação ajuda o pesquisador a ter clareza dos pontos frágeis de seus objetivos, cujo alcance poderia ser um tanto moroso ou incerto. Neste momento da pesquisa, o esforço em fazer um recorte apenas tornava seu objeto ainda mais específico. Aqui a pergunta era: De que maneira a análise da atividade, ferramenta do núcleo da Terapia Ocupacional, poderia contribuir com o debate da problemática da inserção de pessoas com transtornos mentais no mundo do trabalho? Esta questão trazia expressa em seus objetivos específicos que se desejava: Sistematizar um novo tipo de abordagem da análise de atividade em Terapia Ocupacional, para além de uma ferramenta descritiva, uma análise que considerasse a estrutura que condicionava a liberdade do sujeito de ser desejante, de suprir

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suas necessidades básicas como qualquer outro cidadão e de exercer seus direitos que, todavia não estavam garantidos, para mim essas análises deveriam comparecer como trabalho-vivo-em-ato na tarefa de inserção social pelo trabalho, mais que isso, elas serviriam como ferramenta norteadora de uma forma de cuidar transversal, dessa discussão se produziria interferências que interessariam à pesquisa, bifurcações e problematizações. Estava implícito o intuito de provocar mudanças na ordem estabelecida e o desejo de dar ares de movimento à Reforma Psiquiátrica, considerava-se que as práticas em saúde poderiam afirmar, negar ou reformular os modelos postos.

Este projeto, que seguia em construção, foi então apresentado a este coletivo de mestrandos. A apresentação tinha como principal expectativa ou encomenda, que os objetivos fossem mais bem delimitados, tendo em vista que a pesquisa de campo se iniciaria em breve. Assim, pude verificar que novas adequações deveriam ser feitas, havia objetivos demasiados, a problemática apresentada requeria métodos variados, a sugestão era tomar a análise de atividade como uma análise da prática do TO no campo da inclusão social pelo trabalho e fazer uma análise crítica da profissão, o estudo seria mais teórico, porém a inserção em campo se manteria a fim de apreender as contradições a serem discutidas no texto.

Entrei em campo e no intuito de analisar o universo das perguntas contidas neste momento do projeto, a investigação se focou no encontro entre trabalhadores da rede, entre terapeutas ocupacionais e os oficineiros. Ainda que considerasse os recortes que um estudo de mestrado requeria e a pontuação anterior de colocar o foco no profissional terapeuta ocupacional, havia uma postura que me fazia manter a atenção também ao usuário/oficineiros, já que problematizar a tarefa de inclusão sem constar o olhar do usuário, seria desconsiderar que a clínica deve volver-se aos interesses daquele a quem ela se destina. Até esse momento, os participantes da pesquisa seriam oficineiros e terapeutas ocupacionais.

Assim, nos relatos em diário de campo constaram também as impressões sobre o cotidiano, narrativas que os usuários apresentaram no momento da observação participante. A entrada em campo trouxe questionamentos que foram cruciais para conseguir finalmente delimitar o estudo. Em primeiro lugar, entendi que, na prática, recortar a tarefa de inserção social no trabalho seria apenas aparente, já que em ato, essa é

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uma tarefa do coletivo multidisciplinar que atua com esse foco, em segundo lugar, o próprio campo evidenciava qual conceito de trabalho deveria ser explorado na pesquisa e a busca pelo aprofundamento desse conceito guiava as observações em campo, onde o núcleo da T.O se dissolvia na prática do campo da Inclusão pelo trabalho, tendo suas fronteiras borradas no encontro com outras disciplinas. Muitas preocupações que me afetavam como terapeuta ocupacional eram preocupações compartilhadas pelo coletivo de trabalhadores multidisciplinares que atuavam no universo da inclusão pelo trabalho.

Essa delimitação entre o campo da inserção pelo trabalho e os núcleos profissionais também se borravam nas entrevistas realizadas com oficineiros, para quem, a abordagem dos monitores, independentemente de sua formação profissional (psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, etc.) tinham a mesma função nas oficinas.

O que marcou o fim dessa fase da pesquisa foi a passagem pela qualificação. O texto apresentado continha revisões bibliográficas sobre o itinerário científico e objeto de estudo da Terapia Ocupacional e sobre as contribuições no que tange à relação trabalho/doença mental nas teorias marxistas, na economia solidária, saúde do trabalhador e trabalho imaterial, além de problematizações sobre o acesso ao trabalho nas perspectivas do direito, do desejo e da necessidade e um anexo (I) com uma narrativa do diário de campo.

Da devolutiva da banca avaliadora, tive o reconhecimento de um texto que tinha questionamentos importantes e o apontamento para a urgência de um direcionamento, uma escolha de um foco na pesquisa. Foi sugerido que a pesquisa seguisse seu foco na inclusão social pelo trabalho e que o olhar, já implícito de um terapeuta ocupacional/pesquisador comparecesse somente como perspectiva de análise. Sobre essas alterações e seguimento da pesquisa, falaremos na próxima fase.

Fase 3 – A pesquisadora

Uma oportunidade de intercâmbio atravessa o percurso da pesquisa que passa a se realizar à distância. Nessa fase, me distancio do trabalho e por isso, tentamos antecipar a realização de novos grupos focais com trabalhadores para readequação dos objetivos da pesquisa, mas isso não foi possível devido a uma profunda crise que a rede de saúde mental de Campinas estava vivendo, com a precipitação de uma greve.

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A partir de então, a pesquisa passou a ser realizada a distância com enfoque no material que já tínhamos produzido (observação participante, produção de diários de campo e grupo focal com oficineiros) e com aquilo que foi possível ser realizado à distância, tendo o Oceano Atlântico como espaço de distanciamento do campo.

Nesse momento, o cotidiano de trabalho sai do centro e vai ganhando mais corpo meu olhar como pesquisadora na abordagem do objeto de investigação.

Nessa fase, ao analisar o material produzido que tínhamos em mãos e a fragilidade de alguns dados, se revê o fato da pesquisa se dar na perspectiva da terapia ocupacional e se recupera a valorização do olhar de quem vivencia esse processo, optando por seguir a investigação a partir do olhar do oficineiro.

Assim, chego ao ponto de definir o objeto e o recorte temático que daria a ele, tendo sido definido como objeto dessa pesquisa a inclusão social pelo trabalho na perspectiva dos oficineiros. Defini como recorte temático o desejo, o direito e necessidade dos participantes da pesquisa de acessarem os espaços protegidos das oficinas de geração de renda do município.

Analisar esse movimento de variação também nos foi útil para desmistificar o lugar do pesquisador, por nos flagrar em movimentos de pesquisa mesmo antes do ingresso no mestrado. Do mesmo modo, distante do contexto prático de trabalho, todas as elucubrações teóricas ganhavam sentido ao serem conectadas com as experiências vividas. Isso corrobora a ideia de que a teoria e a prática não são apreensíveis por lugares estanques. Produzimos conhecimento dentro ou fora da academia, teoria e prática flertam o tempo todo e só podem se dar efetivamente de modo articulado.

3. O caráter qualitativo e interventivo da Pesquisa

Diferente das metodologias positivistas, que consideram científico aquilo que pode ser objetivado em números e variáveis, a metodologia de pesquisa qualitativa, busca apreender as relações sociais (e seus objetos de pesquisa também) em seus aspectos subjetivos. Esses aspectos são impossíveis de serem condensados em dados estatísticos. Tratando de superar as limitações do pensamento científico hegemônico na modernidade, a abordagem qualitativa incorpora a significação e a intencionalidade como algo imanente

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aos atos, às relações e as estruturas sociais, entendendo estes como construtos humanos significativos (10).

Uma postura contrária à neutralidade da pesquisa como garantia de rigor científico fica marcada aqui, e afirma-se que o conhecimento tem uma gênese teórica e social que são indissociáveis, onde inevitavelmente se produzirão efeitos advindos dessa relação complexa por sobre suas observações.

É em função da complexidade da realidade social que se faz necessária a adoção de uma abordagem do conhecimento que contemple o plano de forças que nela atua. Para Heckert e Passos (11) o processo de pesquisa qualitativa pode ser encarado como uma espécie de arte de produção de novos problemas, o fato é que não se trata de descobrir a realidade e sim de entender que dinâmicas se instauram na produção do real. Este estudo, além de ter um cunho qualitativo e interventivo, também buscou ser participativo.

Como perspectiva participativa queremos entender o campo através do olhar do outro e nesse caso, esse outro deixará de estar sujeito à pesquisa, sendo na realidade um colaborador na produção de dados, isso é, participante da pesquisa.

As pesquisas participativas, de modo geral, possuem diferentes abordagens de trabalho em campo, estas são compreendidas como estratégias de pesquisa que visam a participação dos grupos sociais na busca de soluções para as problemáticas que eles próprios vivenciam, perfazendo-se em um processo de compreensão e mudança da realidade. Dessa forma sua principal característica é que o conhecimento produzido é disponibilizado para todos e para usufruto da qualidade de vida da população estudada (12). Já em relação ao aspecto interventivo, devemos dizer que a pesquisa intervenção vem se constituindo como uma tendência dentro das pesquisas participativas e dentre os aspectos que norteiam seu desenvolvimento, podemos citar a crítica à neutralidade, ao reducionismo e à objetividade do pesquisador, enfatizando a conexão entre gênese teórica e social, bem como a concomitante construção do sujeito e do objeto, uma ênfase na subjetividade e na análise da implicação (12).

Em congruência com o exposto acima definimos que neste estudo, o nosso modo de caminhar se alinha com a pesquisa intervenção como método. Conserva-se o entendimento de que pesquisar é um ato político que coloca em xeque o jogo de interesses e o poder ao entrar no campo de pesquisa, de tal forma que a pesquisa intervenção nessa

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perspectiva entende que é preciso implicar-se para conhecer, sendo que todo conhecer é um fazer (13).

4. Características Gerais da Saúde Mental em Campinas e o contexto do campo de pesquisa

O modelo campinense de Saúde Mental - Dos avanços do passado à atual crise. A história da rede de Saúde Mental de Campinas se entrelaça com o percurso da instituição Cândido Ferreira.

Fundada em 1924, o Sanatório Dr. Cândido Ferreira, surgiu como possibilidade de retirar da situação de maus tratos os "desajustados" que se encontravam enclausurados no porão da cadeia pública de Campinas. No ano de 1989, a instituição enfrentava dificuldades financeiras e o então diretor de finanças, Nelson Noronha Gustavo, procura o poder público para saber se o orçamento municipal poderia respaldar a instituição com algum tipo de doação.

Com isso, a solução da municipalização do Sanatório foi cogitada e essa agenda prosseguiu com a visita do secretário de saúde, Dr. Gastão Wagner de Sousa Campos à instituição. Nessa visita, o secretário pode verificar o típico cenário de manicômio, pessoas trancadas em celas, recebendo comida de má qualidade. A instituição era organizada por psiquiatras que compunham uma equipe de 12 profissionais e aqui também se repetia a conhecida dinâmica de vários hospitais psiquiátricos do Brasil, onde cigarro e café eram unidade monetária utilizada como recompensas por trabalhos (14,15).

Por questões burocráticas não foi possível a municipalização do sanatório, porém, mesmo reconhecendo a limitação orçamentária, a Secretaria de Saúde de Campinas tinha o desejo de que a instituição se integrasse ao SUS, motivo pelo qual se criou a estratégia da co-gestão.

A estratégia da co-gestão provocou praticamente uma refundação da instituição, pois no novo desenho o Sanatório integrava a rede em conjunto com os outros equipamentos públicos, se comprometia a funcionar dentro dos parâmetros do SUS, participava dos distritos de saúde, do conselho municipal. Podemos destacar três alterações importantes decorrentes do início dessa parceria: foi necessária a mudança de estatuto da

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instituição, essa mudança foi marcada com a abertura dos portões e queda dos muros do sanatório, assim marcou-se o início de profundas alterações no modelo assistencial. O modelo de gestão sofreu alterações, transformando-se em uma instituição não estatal, mas com caráter Público, com 100% de dedicação ao SUS, a gestão era pautada na construção coletiva, trabalho em equipe.

A partir dessa parceria, o Serviço de Saúde Dr. Candido Ferreira (SSCF) passou a assumir o papel de sustentar as políticas públicas de saúde mental em conjunto com a prefeitura e foi protagonista no processo de desinstitucionalização.

Diferentes governos, com diversos interesses e investimentos dirigidos à saúde mental estiveram representando a Prefeitura Municipal de Campinas nesses anos de parceria com o agora SSCF. Os últimos anos têm sido os mais críticos. Desde 2011,

Campinas atravessa uma séria crise política que interfere em toda a rede de saúde. Durante o governo de Prefeito Hélio de Oliveira Santos (PDT), houve escândalos de corrupção, envolvendo a SANASA (Empresa Mista de Saneamento de Campinas) no qual ele, a esposa e mais 20 pessoas tiveram decretada a prisão preventiva, entre elas: empresários, funcionários da Prefeitura e Secretários em uma operação do Ministério Público. Os movimentos Contra a Corrupção e Fora Hélio, foram importantes iniciativas da sociedade civil organizada para pedir o Impeachment de Hélio, ocorrido em agosto de 2011. O Prefeito é cassado e o vice-prefeito (também suspeito) assume o cargo por três meses até também ser cassado. Após trocar o prefeito por três vezes o Presidente da Câmara de Vereadores, Pedro Serafim, assume e governa por nove meses até as eleições.

Esta conjectura fez com que a relação interinstitucional que já estava sujeita ao projeto público de saúde mental de cada gestão, ficasse ainda mais precarizada. Essa situação vem sendo expressa no endurecimento do convênio, nas greves, demissões, no sucateamento dos serviços, acarretando a caracterização do SSCF mais próxima de um prestador de serviços do que de um parceiro dentro da relação estabelecida com a prefeitura Considerando o exposto acima, podemos dizer que Campinas é uma cidade reconhecida nacionalmente por ser uma das precursoras na implantação da Reforma Psiquiátrica e por consequência, uma rede substitutiva aos manicômios. Embora esse pioneirismo e as conquistas advindas dele nos tempos atuais venham sofrendo constantes ataques pelo atual modelo de gestão, os trabalhadores, gestores, usuários e familiares

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envolvidos no processo da saúde mental do município, ainda resistem para manter vivo seu compromisso, sua competência e pioneirismo em se tratando de inclusão de doentes mentais pelo trabalho.

A Organização da Rede

Conforme dito anteriormente, em Campinas, a inclusão social pelo trabalho das pessoas portadoras de transtornos mentais, opera em sincronia com a RAPS do município e em articulação com a Atenção Básica. Isso inclui uma gama de serviços destinados a dar suporte aos cidadãos que sofrem de transtorno mental grave.

Pensados com um funcionamento territorial, estes serviços reafirmam o legado da Reforma Psiquiátrica ao estabelecer o cuidado na comunidade e promover ações inclusivas. Entre os serviços que compõe a rede assistencial em Saúde Mental de Campinas que tem uma relação direta com iniciativas de geração de renda, podemos citar: Os Serviços Residenciais Terapêuticos, 6 CAPS especializados na articulação do cuidado dos casos de transtorno mental grave, que se ocupam da reabilitação, cuidado da crise e inclusão social, 3 CAPS especializados no acolhimento das dependências de álcool e outras drogas, 7 Centros de Convivência, abertos à experimentação de toda a comunidade aos laços sociais e afetivos, além do suporte da Atenção Básica e equipamentos de apoio intersetorial à integralidade na atenção da população de rua, como o consultório na rua e a unidade de acolhimento transitório e abrigos municipais.

Considerando a especificidade da inclusão pelo trabalho, além do apoio dos equipamentos mencionados anteriormente, as iniciativas de geração de renda contam com a articulação de um fórum, conhecido como Fórum Gera Renda, um espaço de interlocução, organizado por representação, com a finalidade de fomentar a construção de uma rede que execute ações dentro da lógica da economia solidária. É um espaço intersetorial, aberto à participação de iniciativas de outras secretarias do município. O Fórum é composto por 22 oficinas distribuídas em dois serviços de geração de renda – o Núcleo de Oficinas e Trabalho (NOT) e a Casa das Oficinas, além de mais outros pequenos núcleos de geração de renda, que se inserem dentro dos serviços de saúde mental, como CAPS, CECCOS e Centros de Saúde de todos os distritos do município de Campinas. Ao todo, nesse conjunto de iniciativas, estão representados cerca de 350 usuários nesse Fórum.

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O campo da inclusão pelo trabalho, tem na experiência do NOT, uma das suas iniciativas mais exitosas. Este serviço é um equipamento da rede municipal de saúde mental, sediado dentro do hospital Cândido Ferreira, sendo o principal serviço de inclusão pelo trabalho em Campinas. Sua forma jurídica é associação, na qual o hospital Candido Ferreira e a Associação Cornélia Vlieg compõem uma parceria. O Núcleo de Oficinas e Trabalho tem vinte e três anos de existência, oferece experiência de criação e trabalho de forma autogestionária, trabalhando na lógica da economia solidária. Atualmente tem quinze oficinas e atende a mais de trezentos usuários da rede de Campinas. As oficinas Agrícola, Culinária, Papel Artesanal, Nutrição, Vitral artesanal, Construção Civil, Parceria, Gráfica, Ladrilho Hidráulico, Mosaico, Marcenaria, Serralheria, Eventos, Costura e Pintura reambientaram os espaços onde antes funcionavam as enfermarias e o necrotério.

Atualmente, compondo com a experiência do NOT, temos a Casa das oficinas, que se divide em dois espaços de trabalho (a Casa do Artesanato e a Casa da culinária). A Casa das Oficinas se define como um serviço de inclusão social pelo trabalho e geração de renda em saúde mental, está em funcionamento desde 2005. Na Casa da Culinária acontece a Oficina Sabor da Vida que produz e comercializa salgados, bolos, doces, cafés da manhã, lanches e coquetéis em uma parceria com o Ceco Tear das Artes, onde formam o Clube dos Sabores, que comercializa pastéis num espaço cedido pela prefeitura.

A Casa do Artesanato e o Armazém das oficinas são os espaços onde se comercializam os produtos dessas oficinas, além da participação em feiras e eventos. Em todos esses serviços acontecem “rodas” semanalmente: o espaço de reunião com oficineiros, e onde se pode avaliar o andamento do trabalho, os sentidos de estar ali etc.

A organização apresentada acima diz dos espaços destinados a iniciativas de geração de renda para pessoas com transtornos mentais no município de Campinas e dentro dessa rede estabelecemos nosso campo de pesquisa, conforme apresentaremos mais adiante.

5. Ferramentas e procedimentos de produção e análise de dados.

Após esse longo processo de modulação do objeto de pesquisa, tendo realizado a caracterização do contexto e do campo da investigação, descreveremos mais amplamente

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quais foram nossas ferramentas para produção e análise de dados utilizados no processo de pesquisar:

Revisão Bibliográfica

A revisão bibliográfica praticamente acompanha todo o processo de pesquisar, sua função é municiar o pesquisador dos conhecimentos já produzidos antes da pesquisa, com os quais ele poderá relacionar seus insights, observações, sempre relacionando com o contexto estudado (8). Esse exercício contribui avivando a sensibilidade do pesquisador para as nuances que se expressarão em seus dados, além de estimular novos questionamentos quando da análise do material coletado, ou ainda pode ajudar na formulação de novas hipóteses. Assim, desde o início este estudo foi revisitado à luz de leituras que buscavam dar apoio a algumas afirmações e observações que já estavam presentes em sua fase de projeto, com a intenção de auxiliar na argumentação da pesquisa.

Utilizamos como fonte de dados bibliográficos artigos e teses vinculados à base de dados da Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), SCIELO, LILACS, catálogos online de Universidades, além de textos, livros e documentos institucionais pertinentes para essa pesquisa.

Pesquisa de campo

Para a construção dos dados empíricos, dentre as iniciativas de geração de renda mencionadas anteriormente, o campo pesquisado, circunscreveu os espaços deliberativos e de tomada de decisões, tal seleção se deu em razão destes espaços serem elucidativos da temática aqui tratada. Posto isto, a assembleia do Núcleo de Oficinas e Trabalho (NOT) e as rodas de conversas de três oficinas passaram a integrar o campo de pesquisa.

A Observação participante e a Construção de Diários de Campo.

Como já mencionamos antes, acreditamos que a ação do pesquisador é, em si, uma forma de intervenção na medida em que o pesquisador assume uma posição em campo, sendo esta a forma pela qual se estabelece uma relação com os sujeitos pesquisados

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e se produzem dados a partir desse encontro. Por tais considerações é que as observações realizadas nesse estudo se afinam com a ideia de observação participante.

O que caracteriza a observação participante é a inclinação do pesquisador em construir suas observações e discussões em composição com a perspectiva de quem está vivenciando o contexto estudado. Se relacionando com os pertencentes ao campo, o investigador irá estabelecer uma lógica flexível e engajada, pautando-se também pelos achados durante o processo de pesquisar; razão que torna o sujeito de pesquisa não um objeto, mas um parceiro dialógico (8). Esse é o motivo pelo qual preferimos usar o termo participantes da pesquisa ao invés de sujeitos desta.

Valoriza-se nesse tipo de abordagem a diversidade que estes podem apresentar ao desvelar uma realidade local e particular, ou seja, o que os participantes da pesquisa sabem de seu próprio cotidiano e suas práticas. Nesse sentido, trata-se de um tipo de intervenção investigativa que se insere no contexto concreto da vida. Na observação participante o pesquisador é parte do contexto observado e ao mesmo tempo em que o modifica, é também pelo contexto modificado (16).

No presente estudo a observação tinha um foco, que era exatamente buscar no campo captar onde as dimensões de desejo, direito e necessidade compareciam dentro do modo em que se operava a inclusão social pelo trabalho, ali, no momento da pesquisa. Buscando uma sistematização para as observações e reflexões resultantes desse processo, encontramos no diário de campo uma ferramenta capaz de prolongar a transitoriedade da experiência em campo, permitindo, ao escrever, reescrever e ler as notas de pesquisa um constante repensar sobre o vivido, sobre as implicações do autor. Ao mesmo tempo, seu processo de escrita demanda que o pesquisador tenha sua atenção voltada para o presente, para o vivido.

O diário possui uma capacidade antecipadora, capaz de elucidar fatos que ainda não estavam evidentes, pois, através de sua releitura, é possível passar de uma compreensão comum para uma análise implicada dos objetos pesquisados. Sempre escrito no presente, embora adquira uma dimensão histórica com o tempo, essa ferramenta de registro do cotidiano oferece a possibilidade de retratar e revisitar aspectos afetivos vivenciados em campo (17).

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