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SEÇÃO 1: ASPECTOS METODOLÓGICOS: A TRAJETÓRIA DA PESQUISA

5. Ferramentas e procedimentos de produção e análise de dados

Após esse longo processo de modulação do objeto de pesquisa, tendo realizado a caracterização do contexto e do campo da investigação, descreveremos mais amplamente

quais foram nossas ferramentas para produção e análise de dados utilizados no processo de pesquisar:

Revisão Bibliográfica

A revisão bibliográfica praticamente acompanha todo o processo de pesquisar, sua função é municiar o pesquisador dos conhecimentos já produzidos antes da pesquisa, com os quais ele poderá relacionar seus insights, observações, sempre relacionando com o contexto estudado (8). Esse exercício contribui avivando a sensibilidade do pesquisador para as nuances que se expressarão em seus dados, além de estimular novos questionamentos quando da análise do material coletado, ou ainda pode ajudar na formulação de novas hipóteses. Assim, desde o início este estudo foi revisitado à luz de leituras que buscavam dar apoio a algumas afirmações e observações que já estavam presentes em sua fase de projeto, com a intenção de auxiliar na argumentação da pesquisa.

Utilizamos como fonte de dados bibliográficos artigos e teses vinculados à base de dados da Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), SCIELO, LILACS, catálogos online de Universidades, além de textos, livros e documentos institucionais pertinentes para essa pesquisa.

Pesquisa de campo

Para a construção dos dados empíricos, dentre as iniciativas de geração de renda mencionadas anteriormente, o campo pesquisado, circunscreveu os espaços deliberativos e de tomada de decisões, tal seleção se deu em razão destes espaços serem elucidativos da temática aqui tratada. Posto isto, a assembleia do Núcleo de Oficinas e Trabalho (NOT) e as rodas de conversas de três oficinas passaram a integrar o campo de pesquisa.

A Observação participante e a Construção de Diários de Campo.

Como já mencionamos antes, acreditamos que a ação do pesquisador é, em si, uma forma de intervenção na medida em que o pesquisador assume uma posição em campo, sendo esta a forma pela qual se estabelece uma relação com os sujeitos pesquisados

e se produzem dados a partir desse encontro. Por tais considerações é que as observações realizadas nesse estudo se afinam com a ideia de observação participante.

O que caracteriza a observação participante é a inclinação do pesquisador em construir suas observações e discussões em composição com a perspectiva de quem está vivenciando o contexto estudado. Se relacionando com os pertencentes ao campo, o investigador irá estabelecer uma lógica flexível e engajada, pautando-se também pelos achados durante o processo de pesquisar; razão que torna o sujeito de pesquisa não um objeto, mas um parceiro dialógico (8). Esse é o motivo pelo qual preferimos usar o termo participantes da pesquisa ao invés de sujeitos desta.

Valoriza-se nesse tipo de abordagem a diversidade que estes podem apresentar ao desvelar uma realidade local e particular, ou seja, o que os participantes da pesquisa sabem de seu próprio cotidiano e suas práticas. Nesse sentido, trata-se de um tipo de intervenção investigativa que se insere no contexto concreto da vida. Na observação participante o pesquisador é parte do contexto observado e ao mesmo tempo em que o modifica, é também pelo contexto modificado (16).

No presente estudo a observação tinha um foco, que era exatamente buscar no campo captar onde as dimensões de desejo, direito e necessidade compareciam dentro do modo em que se operava a inclusão social pelo trabalho, ali, no momento da pesquisa. Buscando uma sistematização para as observações e reflexões resultantes desse processo, encontramos no diário de campo uma ferramenta capaz de prolongar a transitoriedade da experiência em campo, permitindo, ao escrever, reescrever e ler as notas de pesquisa um constante repensar sobre o vivido, sobre as implicações do autor. Ao mesmo tempo, seu processo de escrita demanda que o pesquisador tenha sua atenção voltada para o presente, para o vivido.

O diário possui uma capacidade antecipadora, capaz de elucidar fatos que ainda não estavam evidentes, pois, através de sua releitura, é possível passar de uma compreensão comum para uma análise implicada dos objetos pesquisados. Sempre escrito no presente, embora adquira uma dimensão histórica com o tempo, essa ferramenta de registro do cotidiano oferece a possibilidade de retratar e revisitar aspectos afetivos vivenciados em campo (17).

O diário de campo pode ser útil para os movimentos e distanciamento e aproximação do objeto de estudo (18). Com essa busca de familiaridade com o campo e o simultâneo distanciamento, realizar uma análise do próprio ponto de vista do autor, trabalhando suas implicações desveladas pelo texto (6), e com isso ir além do sujeito do enunciado para compor com outros sentidos.

Uma das características do diário mais exploradas nesse estudo é descrita por Hess (17) como de escrita transversal e consiste em compor o diário com observações do vivido, sentimentos, ideias e reflexões das leituras, o que resulta em um registro mais completo da experiência.

Observação, produção de dados e análise de implicação são movimentos simultâneos que se entrelaçam com especulações, projeções e construções teóricas para conformar a existência do diário da pesquisa. Este diário é, nas palavras de Lourau (6), uma “narrativa (...) ao mesmo tempo anterior, presente e futura”, é a produção de um texto “erudito” com a projeção e os esboços do que está para ser descoberto.

Na experiência que trago aqui, o diário assumiu as características do diário institucional e do diário de pesquisa, pois coube ao mesmo tempo como registro dos processos institucionais vivenciados, e como processo reflexivo sobre o ato de pesquisar.

Um dos principais parâmetros para a escrita do diário era o fato da pesquisa eleger seguir uma abordagem qualitativa. Por essa razão o conteúdo relatado buscou enfatizar os aspectos subjetivos, relatando o dia-a-dia, as percepções dos sujeitos sobre o objeto da pesquisa, que eram registrados em diário quando expressos em campo.

Nesse contexto, o diário foi ferramenta deflagradora da pesquisa, pois, ao possibilitar a análise da implicação de seu autor com o campo, revelou as relações interpessoais e subjetivas, que no contexto da atual investigação são parte do método de trabalho. O esforço em analisar e sistematizar esses dados de maneira alguma pode ser julgado despretensioso, ao contrário; é o mergulho genuíno na experiência que torna o método doloroso e desafiador, já que, ao arriscar-se a fazê-lo se expõe ao risco de desviar os rumos do trabalho de pesquisa (16,18).

Outro parâmetro norteador para a construção dos diários de campo se baseou na orientação de Passos e Barros (19) que dizem que é preciso se esforçar para a realização de uma análise expressiva do discurso, a fim de que se produza uma política da narratividade,

com o intuito de expressar a processualidade das mudanças que ao longo da pesquisa se passam em si e no mundo. Por isso nesse diário, eram registradas cenas das relações de trabalho, descrição das atividades desempenhadas, percepções do pesquisador sobre as relações, sentimentos despertados durante a observação, bem como as falas de usuários e profissionais. Como nosso objeto estava focado na perspectiva do usuário, do relato dos profissionais, enfatizaram-se apenas os aspectos voltados para a relação deste com os usuários, especificamente nos momentos em que esse discurso dá voz ao oficineiro ou expressa diretamente o comparecimento das dimensões dos direitos, desejos e necessidades dos usuários.

Com a observação participante e produção dos diários de campo buscou-se apreender a dinâmica de relações, o encontro entre trabalhadores e oficineiros ante a tarefa institucional da inclusão social pelo trabalho, entender como se dava esse arranjo institucional no cotidiano.

Realização de grupos focais

O Grupo Focal é definido como uma técnica de pesquisa onde o investigador reúne um pequeno grupo de pessoas pertencentes ao campo de pesquisa que se pretende investigar a fim de debater sobre um tópico específico. O objetivo é a produção de dados a partir das discussões entre os participantes. A tendência do grupo é contrabalancear as opiniões emitidas de modo a oferecer uma rápida validação do dado produzido (8).

O objetivo de se ampliar a compreensão de uma dada situação através do grupo focal teve o sentido de potencializar o caráter participativo da pesquisa e acessar o modo como as pessoas compreendem a experiência investigada, qualificando a análise do objeto com o relato dos participantes da pesquisa, com suas opiniões, sentimentos, sentidos e diferentes significados. Utilizamos o grupo focal apoiados na ideia de que com este recurso teríamos acesso não somente ao que pensam os participantes da pesquisa, mas também às razões de pensarem assim (20).

Além disso, a interação grupal proporciona que o pesquisador possa observar como a controvérsia vem à tona e como os problemas são resolvidos, evidenciando os diferentes graus de consensos e dissensos existentes. Nesse sentido, os grupos focais reproduzem parte da dinâmica social, oferecendo assim ao pesquisador a possibilidade de

analisar a forma que adquirem as relações interpessoais no contato com o tema em discussão (20). Por essa razão esse foi um dos métodos escolhidos para dar abertura ao relato dos participantes deste estudo.

Foram realizados dois grupos focais com oficineiros de duas inciativas de geração de renda diferentes. O primeiro, realizado na Casa das Oficinas, contou com a participação de oito oficineiros. As discussões foram audiogravadas e transcritas. A coordenação do grupo ficou a cargo da própria pesquisadora. O fato de o grupo focal ser realizado no espaço da oficina contribuiu para que os oficineiros estivessem mais à vontade para comentar sobre o seu cotidiano.

O segundo grupo foi realizado junto à oficina de pastel “Água na Boca” que acontece no Centro de Convivência Tear das Artes. Neste mesmo local foi realizado esse encontro sob as mesmas condições de coordenação do primeiro grupo, dessa vez contando com a participação de cinco oficineiros. A audiogravação e a transcrição do material também foram utilizadas aqui.

Para a condução dos grupos focais, partimos de um roteiro-guia (ANEXO III) para a pesquisadora, mas com a flexibilidade de nos desviarmos dele em momentos que isso fosse relevante para os participantes. Essa abertura foi importante não só pela singularidade das pessoas com transtornos mentais, mas também para uma ampliação da pesquisa, incluindo nela aspectos não antevistos pela pesquisadora

Posteriormente, foi realizada uma oficina de apresentação dos resultados da pesquisa. Optamos pelo formato de oficina por considerar esta, uma maneira mais acessível de produzir o diálogo entre os participantes oficineiros com o conhecimento resultante do encontro entre pesquisador e participantes da pesquisa. O processo além de socializar com os participantes os resultados da pesquisa, também facilitou o acesso ao produto final da pesquisa entregando-lhes impresso um resumo com os principais resultados do material produzido.

Construção de eixos analíticos

Apresentaremos agora a maneira como foi organizada a transformação da realidade do campo em texto, esta versão dos eventos vivenciados durante a pesquisa. Eventos que embora tenham uma transitoriedade estão postos aqui para o debate.

Para a construção dos eixos analíticos realizou-se um trabalho de leitura de todos os dados produzidos, fichamento do material bibliográfico, análise do material empírico e de todos os insights e processos de produção de conhecimentos que perpassaram esse tempo dedicado à pesquisa.

De certa forma, esse é o momento onde se dá consequência ao encontro do pesquisador com seu campo. Para abranger com riqueza cada nuance desse processo e abordar ao máximo a realidade local, no espaço de tempo em que se deu a pesquisa, buscamos apreender a composição que o pensamento alcançou fazer nesse processo de pesquisar. Entendemos que nenhum método de análise é exclusivo, por isso seguimos as orientações de Flick (8) e selecionamos alguns métodos que consideramos se ajustar melhor aos dados produzidos aqui e a nossa pergunta de pesquisa.

Buscando sobressair-se das questões sobre o modo formal com o qual podemos apresentar os resultados da pesquisa qualitativa e alcançar uma redação que de fato expresse nossa experiência em campo, encontramos na interpolação de olhares uma via possível.

A interpolação de olhares (21,22) vem a ser um modo de composição de diferentes ferramentas de produção de dados e diferentes olhares para a produção escrita. Caracteriza-se por compilar em uma narrativa ou em um texto os fragmentos de falas, opiniões e apontamentos diversos e entrecruzá-los com as considerações feitas pelo autor do texto e eventuais referências bibliográficas. Assim, cada fala registrada em campo se converte em um acontecimento que provoca justamente os posicionamentos desse estudo, desafiando a maneira como esta posição persevera ante a situação teórico-prática disparada pelo ato da pesquisa (21).

Ferigato (22) ressalta que a potência de tal técnica é facilitar a compreensão de situações que estão em processo e defende que os modos de produção de dados apareçam engendrados entre si, de forma que os dados produzidos com diferentes artifícios se configurem em uma tessitura capaz de desvelar as linhas de força, de criação dos enunciados produzidos no campo.

Aspectos éticos da investigação

A atividade de pesquisa se insere em um campo que, ao ser problematizado e analisado, surgem discussões éticas importantes de serem feitas. O que motiva o pesquisador? Quais são seus interesses? Quais constrangimentos interferem em suas escolhas do método, do tema, a que necessidades sociais respondem essa pesquisa?

A atividade de pesquisa se passa num campo onde o pesquisador é também sujeito e objeto de sua pesquisa. E no contexto no qual esta pesquisa se insere, o que está em andamento, ao menos como norteador, é a produção de saúde e cidadania manifesta na busca de diversos profissionais por novas práticas de reabilitação psicossocial e ampliação do acesso a direitos básicos, onde quem se beneficia é o usuário.

Durante o curso da pesquisa mantivemos uma postura ética em relação a essa sobreimplicação (terapeuta ocupacional na rede de saúde mental/pesquisadora investigando terapeutas ocupacionais e suas práticas) incluindo a implicação do pesquisador na pesquisa como um dos seus pontos de análise.

Inclui-se também nos aspectos éticos dessa pesquisa o modo como cuidaremos dos dados produzidos em campo:

A pesquisa se realizou em instituições do SUS Campinas e contou com a autorização prévia da Secretaria Municipal de Saúde, formalizada pelo Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde (CETS) e aprovação do comitê de ética da universidade.

O coletivo em questão, desde o início esteve ciente da intenção de realização da pesquisa, não se opondo ao início dos trâmites institucionais para realizá-la. Assim, o pesquisador, após a apresentação do projeto ao CETS e sua devida autorização, apresentou a pesquisa no coletivo a fim de obter a autorização do próprio campo, o que seguiu conforme o esperado.

Respeitamos os critérios de inclusão e exclusão da pesquisa conforme os critérios:

Foram considerados sujeitos aptos a participar dessa pesquisa todos os oficineiros, usuários de quaisquer iniciativas de geração de renda no município de Campinas, que concordaram em participar da pesquisa, firmando o TCLE. Entre esses participantes, não estavam incluídas pessoas com idade inferior a 18 anos

Foram igualmente considerados participantes indiretos dessa pesquisa, os trabalhadores da rede pública de Campinas, que quiseram contribuir com a temática da inclusão pelo trabalho, que tendo assinado o termo de consentimento livre e esclarecido, aceitaram participar da pesquisa, colaborando para o desenho da mesma ou em registros do diário de campo.

Foram excluídos da pesquisa quaisquer participantes que não expressaram seu consentimento por escrito, bem como pessoas com idade inferior a 18 anos de idade.

Todos os participantes da pesquisa tiveram suas identidades preservadas, com o uso de nomes fictícios no texto da pesquisa e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para uso de entrevistas, falas audiogravadas (ANEXO II). O uso de dispositivo gravador de áudio só foi utilizado mediante autorização dos participantes da pesquisa.

O conhecimento produzido nessa pesquisa está sendo publicizado por meio da publicação da dissertação, produção de artigo e participação em eventos científicos. A devolutiva formal para os participantes foi realizada por meio da realização de uma oficina.

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