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Características jurídicas: Prevenção e precaução como decorrência das

4 O DIREITO MATERIAL (FUNDAMENTAL) DO MEIO AMBIENTE

4.2 Características materiais e jurídicas do bem ambiental

4.2.3 Características jurídicas: Prevenção e precaução como decorrência das

A maioria dos direitos fundamentais é consagrada pelo texto constitucional com um caráter inviolável (apesar de não absoluto), de maneira a impor proteção máxima ao seu conteúdo, e não permitir qualquer espécie de violação que não decorra de conflito com valores de mesma hierarquia150.

É o caso da proteção ambiental, prevista em alguns dispositivos esparsos da Constituição, entre os quais o artigo 170, que dispõe sobre a ordem econômica, inserindo a proteção ambiental como valor fundamental a ser observado pelo setor econômico, mas cuja disciplina específica consta do artigo 225, de conhecimento obrigatório para os fins deste trabalho. Prescreve aquele dispositivo:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Regulamento)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

150 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Virgílio Afonso da Silva (trad.) São Paulo: Malheiros,

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

Constata-se facilmente, pelos signos destacados no texto constitucional, que a prescrição normativa da Constituição, na matéria ambiental, está voltada, eminentemente, à preservação e proteção do bem ambiental, que são atitudes preventivas, seguindo-se a indicação dos instrumentos para efetivar esta proteção, sendo o principal deles o estudo de impacto ambiental (art.225, §1º, IV).

Por força deste instrumento de prevenção ambiental (EIA) deverão identificados os pontos críticos de eventual atividade econômica a ser desenvolvida, avaliando sua repercussão no meio ambiente e a viabilidade de ser efetivamente instalada, devendo ser propostas alternativas mais sustentáveis ao projeto e condicionando o seu licenciamento151.

Além disso, também a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, como não poderia deixar de ser, em seus artigos 2º e 4º também institui princípios e objetivos de caráter preventivo e de conservação do meio ambiente.

Concretizando estas disposições principiológicas, mais genéricas, a maioria das normas ambientais específicas, especializadas, segue no mesmo sentido, estabelecendo deveres jurídicos de prevenção e de abstenção, consubstanciados em obrigações de não-fazer,

151 Cf., a esse respeito, MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 437/468, em que destaca: “Nenhum outro instrumento jurídico melhor encarna a vocação preventiva do Direito Ambiental do que o EIA. ‘Foi exatamente para prever (e, a partir daí, prevenir) o dano, antes de sua manifestação, que se criou o EIA.’”.

que criam deveres e limitações à atividade humana visando evitar e punir a mera criação de riscos para a preservação do meio ambiente e dos objetos específicos de proteção ambiental.

É como se constata, por exemplo, nas disposições relativas à água e aos recursos hídricos, mineração, fontes de energia, nos objetivos de criação de unidades de conservação152, e mesmo no conteúdo dos ilícitos penais ambientais, a maioria dos quais se caracteriza como crimes de perigo – em que a punição é imposta à mera conduta que cria determinado risco ou perigo ao bem jurídico tutelado, verificando-se a tipicidade penal independente da existência de dano153.

Tudo a fundamentar a existência e, ao mesmo tempo, representar concretização dos dois princípios mais basilares do direito do meio ambiente: os princípios da prevenção e precaução.

Como se sabe, o princípio da prevenção impõe ao Estado e à coletividade providências antecipadas, que sejam capazes de evitar a ocorrência de danos ambientais, os quais, como vem sendo salientado, são eminentemente irreversíveis.

No dizer de Édis Milaré, consiste na imposição de se evitar danos, combatendo a criação de riscos:

O princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, conceernindo à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de modo a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar sua qualidade. Tem razão Ramón Martin Mateo quando afirma que os objetivos do Direito Ambiental são fundamentalmente preventivos154.

152 Cf, a exemplo destes deveres, infrações e penalidades pelo descumprimento das normas de utilização dos

recursos hídricos (art. 49, da Lei 9.433/97 – Política Nacional de Recursos Hídricos); deveres específicos do titular da concessão de mineração: art. 47, Decreto-Lei nº 227/67 (Código de Mineração); objetivos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (art. 4º, Lei 9.985/00-SNUC); tipos penais da Lei nº 9.605/98.

153 A maioria das condutas criminalizadas pela lei ambiental insere-se na espécie de crimes de perigo, seja perigo

concreto ou abstrato, de caráter essencialmente preventivo. Nesse sentido: CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. Os crimes de perigo e a tutela preventiva do meio ambiente. In Revista de Direito Ambiental Ano 9, nº 34, Abril-junho 2004, p. 28-39 e HAMMERSCHMIDT, Denise. O Risco na sociedade contemporânea e o princípio da precaução no direito ambiental. In Revista de Direito Ambiental, Ano 8, n.31, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 136-156.

154 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos

Com a mesma ratio normativa, porém com conteúdo levemente distinto para a maioria dos autores155, o princípio da precaução consiste no dever de evitar riscos ainda desconhecidos ao meio ambiente. Na hipótese de incerteza científica sobre os riscos que determinada atividade poderão representar para o meio ambiente, a precaução indica que a atividade seja evitada, precavendo-se contra o risco potencial.

Além de decorrer da legislação nacional, ambos são expressamente abarcados por inúmeros documentos internacionais de que o Brasil é signatário, consistindo, portanto, em compromisso assumido pelo País perante a comunidade internacional, do qual não pode se imiscuir.

A própria imposição de responsabilidade objetiva, independente de culpa, na reparação de danos da seara ambiental, é também decorrência dos princípios de prevenção e precaução, assim como do caráter incognoscível do bem ambiental, vez que, não fosse este o tratamento, a responsabilização pelos danos causados poderia esbarrar na dificuldade, ou eventual impossibilidade, de demonstração de culpa e nexo de causalidade das condutas degradadoras.

No mesmo sentido se enquadram os conceitos atuais de ‘responsabilidade compartilhada’, princípio da solidariedade ou princípio da cooperação entre os povos, mediante os quais se estabelece a incumbência de todos, Estado, sociedade, instituições e nações, enquanto titulares e beneficiários do direito de proteção ambiental, de promover e fiscalizar esta proteção156. Estes e tantos outros institutos próprios do direito do meio ambiente revelam o caráter especial e as peculiaridades deste direito material, devendo ser objeto de estudo mais completo aprofundado em oportunidade apropriada.

155 Exceção à maioria dos autores, Édis Milaré adota o princípio da prevenção como “fórmula simplificadora”,

cujo conteúdo englobaria a nota da precaução. (MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 144).

Para os estreitos fins deste trabalho, o objetivo foi demonstrar como a ordem jurídica de proteção ao meio ambiente se revela, de maneira geral, destacando a presença inexorável da nota de prevenção em todo o arcabouço normativo, e identificando as características próprias do bem ambiental como justificativa para que assim ocorra.

4.3 Efetividade do direito material do meio ambiente no âmbito do processo: