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4 O DIREITO MATERIAL (FUNDAMENTAL) DO MEIO AMBIENTE

4.2 Características materiais e jurídicas do bem ambiental

4.2.1 Noção geral

Compreendidos os contornos constitucionais do meio ambiente como bem jurídico fundamental, cumpre, neste momento, apresentar algumas das principais características do bem ambiental e de suas normas protetoras, que direcionam para a percepção da imperiosa necessidade de prevenção do dano ambiental.

Serão apresentadas, de um lado, as características materiais do bem jurídico protegido, que permitem melhor compreensão sobre a fragilidade do meio ambiente, a maneira como as agressões praticadas podem ter sua repercussão ampliada para além de fronteiras geográficas, bem como sobre as razões por que o bem jurídico ambiental demanda tratamento jurídico diferenciado.

Em seguida serão abordadas as características jurídicas do bem ambiental, buscando-se identificar os principais traços distintivos das normas jurídicas de direito do meio ambiente, aptos a justificar o tratamento diferenciado que se destaca no presente trabalho.

Se cada espécie de direito material sob tutela do estado se constitui de caracteres únicos e específicos, a exigirem uma aplicação especializada do processo e de institutos processuais, para fins de melhor efetivar o direito material tutelado, no caso do bem jurídico ambiental as características do direito protegido são ainda mais peculiares, exigindo

135 “Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo

individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. Por certo que não se ignora, especialmente diante da já mencionada complexidade do bem jurídico ambiental, situações em que a incidência da norma de proteção ambiental poderá transformar a relação jurídica difusa em relação com sujeitos determinados, em que tais direitos de origem ambiental (geralmente direitos civis de reparação) aparecerão subjetivados, em especial quando do cometimento de ilícitos ambientais. (Cf. MELLO, Marcos Bernardes de.

conhecimento e habilidade ainda maior do aplicador do direito para lhe promover satisfatória efetividade.

De maneira geral, giram todas elas em torno da questão da íntima relação das normas de proteção ambiental com todos os demais ramos do direito, e mesmo do saber humano como um todo.

Esta íntima relação é tamanha que leva até mesmo alguns autores reconhecidos na matéria ambiental, como Toshio Mukai, a negarem a autonomia científica do direito ambiental, em direção oposta de outros doutrinadores.

Citando Michel Prieur, o autor se posiciona no sentido de que o Direito do Ambiente é um “Direito de interações”, um Direito horizontal que “tende a penetrar todos os sistemas jurídicos existentes para os orientar num sentido ambientalista”136 , sem se constituir num ramo único e autônomo, mas numa forma de abordagem aplicável a todos os demais ramos do direito.

Paulo de Bessa Antunes, de outro lado, no que é acompanhado por Édis Milaré, pondera a irrelevância de se questionar sobre a autonomia científica do direito ambiental como ramo autônomo do direito, visto que o próprio conceito de autonomia científica de ramos do Direito é artificial e discutível: o direito é um só, e todos os ‘ramos’ criados para sistematizar seu estudo estão em constante interpenetração137.

O que não se pode negar, e vem destacado por estes doutrinadores, é a estreita relação do direito ambiental com os demais ramos do direito, o que é reflexo da própria presença do meio ambiente e da necessária proteção ambiental em todas as searas da

atividade humana.

Neste sentido é que Paulo de Bessa Antunes leciona que:

136 MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 7ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2010, p. 10/11.

137 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 20; MILARÉ,

Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 155.

a relação do DA com os demais ramos do Direito é transversal, isto é, as normas ambientais tendem a se incrustar em cada uma das demais normas jurídicas, obrigando que se leve em conta a proteção ambiental em cada um dos demais ‘ramos’ do Direito138.

E segue, mais à frente, enfatizando esta interpenetração da matéria ambiental com os demais ramos do direito, considerando-a como uma das mais fortes na ordem jurídica, consequência natural da transversalidade como característica mais marcante do direito ambiental:

O DA é um dos ‘ramos’ da ordem jurídica que mais fortemente se relaciona com os demais. Este fato, indiscutível por si só, é uma consequência lógica da transversalidade, que é, como sabemos, a característica mais marcante do DA. Transversalidade significa que o DA penetra os diferentes ramos do direito positivo, fazendo com que todos, indiferentemente de suas bases teleológicas, assumam a preocupação com a proteção do meio ambiente139.

No conceito legal, meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”140.

A expressão denota, de um lado, o conjunto de elementos que constituem o âmbito de vida de todos os seres, mas abrange, também, o sentido da interação entre estes elementos. Por esta razão, enquanto muitos autores destacam certa redundância na expressão, outros tantos defendem a opção constitucional e legislativa, por representar com maior fidelidade a amplitude da noção.

É como expõe José Afonso da Silva, ao discorrer que:

O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que se vive. Daí por que a expressão ‘meio ambiente’ se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra ‘ambiente’. Esta exprime o conjunto de elementos; aquela expressa o resultado da interação desses elementos. O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, abrangente141.

No mesmo sentido complementa Édis Milaré:

138 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 20. 139 Idem Ibidem, p. 55.

140 Art. 3º, inciso I, Lei 6.938/81.

Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente, embora no sentido vulgar a palavra ambiente indique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expressão consagrada na língua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso país que, amiúde, falam em meio ambiente, em vez de ambiente apenas142.

Deste próprio conceito de meio ambiente decorre que toda a existência humana, qualquer atividade desenvolvida pelo homem, necessariamente estabelece algum tipo de relação com o ambiente que a circunda, sendo natural, portanto, a íntima relação da proteção ambiental e suas normas com os demais ramos do saber humano e jurídico.

Sendo assim, conforme já explorado anteriormente, se o objeto imediato das normas de proteção ambiental é o equilíbrio ecológico, enquanto fator necessário à preservação da beleza cênica, da salubridade e da existência de todas as formas de vida; o objeto mediato de proteção pelo direito ambiental é a própria vida humana, no sentido de vida humana digna, saúde e sadia qualidade de vida.

Ocorre que o equilíbrio ambiental é mecanismo complexo e delicado. A formação de um ecossistema é resultado da interação de inúmeros fatores, químicos, físicos, biológicos, climáticos, gradualmente estabelecida ao longo de bilhões de anos, e que não têm todo o seu processo conhecido.

Por tudo isso, é premente a necessidade, imposta pelo direito ambiental, de que se desenvolvam meios econômicos e hábitos de vida capazes de utilizar tais recursos racionalizadamente, com respeito às necessidades de tempo e cuidado de que necessita a natureza para se refazer.

A proteção ambiental baseada no princípio da precaução, portanto, é medida mais urgente do que se supõe, sob pena de tornar-se inviável, em médio prazo, qualquer forma de

142 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos

vida (principalmente a humana) no Planeta; e, antes disso, a dignidade e a qualidade da vida humana estará ainda mais comprometida143.