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Tutela preventiva e o mecanismo processual para sua efetivação

2 DIREITO DE AÇÃO, DIREITO FUNDAMENTAL À JURISDIÇÃO

3.3 A tutela jurisdicional preventiva: sub-espécies e mecanismos processuais

3.3.3 Tutela preventiva e o mecanismo processual para sua efetivação

Até o advento do artigo 461 do CPC não existia, no sistema processual brasileiro, previsão genérica que viabilizasse uma genuína tutela jurisdicional preventiva de direitos.

Os provimentos judiciais preventivos (ou inibitórios) existentes eram previstos dentro de certos procedimentos especiais, especificamente destinados à proteção de direitos privados, como direito de posse e propriedade – é o caso do interdito proibitório (art. 932 CPC), da nunciação de obra nova (art. 934 CPC) e do interdito proibitório por uso indevido de bens imateriais, como marca comercial, invento e direitos autorais.

Além destes, o mandado de segurança preventivo é comumente apontado pela doutrina como provimento inibitório típico, aplicável contra ato do Poder Público que, estando na iminência de ser prolatado, represente violação a direito líquido e certo do administrado.

Aliás, ante a inexistência, na ordem processual anterior, de mecanismo adequado para promover a genuína tutela jurisdicional preventiva é que vinha sendo indevidamente

95 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (Individual e Coletiva). São Paulo: Revista dos Tribunais,

1998, p. 117.

96 Assim entendido aquele que, uma vez cometido, permanece produzindo efeitos de ilicitude até que seja

retirada a situação fática correspondente. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.161.

utilizada a tutela cautelar com finalidade preventiva, através da chamada “tutela cautelar satisfativa”.

Ocorre que a tutela cautelar se destina a assegurar o proveito de um possível provimento final favorável, emanado de ação principal, e com esta guarda relação instrumental. Através da conservação de uma situação de fato ou de direito, assegura que a solução final que venha a ser prestada, o seja com eficiência, o que não guarda nenhuma espécie de relação com a busca por um provimento jurisdicional preventivo em si, independente de qualquer espécie de “ação principal”.

Por esta razão que se diz que a reforma do texto legal promoveu uma purificação da tutela cautelar, ao permitir a prestação de tutela preventiva em sede de provimento final e de tutela antecipatória, deixando para as demandas cautelares apenas o trato das questões pertinentes, de assegurar a futura execução forçada, resultante de um provimento final completamente distinto do provimento provisório emanado da cautelar.

Assim, somente com a inserção, em 1994, do mecanismo de imposição de multa diária por atraso no cumprimento da determinação judicial no texto do artigo 461 do CPC, decretável de ofício e antecipadamente pelo juiz (parágrafo 3º), passou a ser possível a prestação de tutela preventiva pura à generalidade dos direitos98.

Por força deste mecanismo, aos legitimados e ao órgão julgador é permitido pleitear e conceder a imposição de um fazer ou não fazer aquela entidade, pessoa física ou jurídica, que esteja na iminência de cometer um ilícito ambiental, e evitar a sua ocorrência mediante a imposição de multa pelo descumprimento da obrigação.

A generalidade do dispositivo, aplicável em qualquer fase do processo, e ainda no âmbito de processo de conhecimento, e não em tutela cautelar, é que permite extrair tutela inibitória genérica (ou atípica), representada no provimento em que o magistrado impõe ao

98 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (Individual e Coletiva). São Paulo: Revista dos Tribunais,

obrigado um fazer ou não fazer capaz de evitar ou fazer cessar o cometimento de ilícito, fixando prazo para o seu cumprimento, sob pena de multa.

Conforme já salientado, no direito do meio ambiente a regulação normativa existente, em geral, estipula uma infinidade de condutas vedadas pela norma jurídica, que nem sempre representam dano ambiental imediato, mas representam exposição indesejada do bem jurídico tutelado a riscos, sendo preferível ao direito proibi-las por completo, através de normas preventivas de caráter não-penal99.

Ocorrendo violação a estas normas, seja pela realização de conduta vedada ou pela inobservância da conduta imposta, dá-se o ilícito civil que, expondo a risco o bem jurídico protegido, deve ser reprimido.

Tendo em vista a garantia veiculada no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, de inafastabilidade da jurisdição, é dever do órgão jurisdicional atuar não apenas diante da lesão, mas também da ameaça a direito.

Significa que, em havendo evidências concretas de que alguma das condutas proibidas pelo ordenamento em prol dos direitos fundamentais esteja na iminência de acontecer, poderá ser acionado o órgão jurisdicional para, antecipando-se a esta ocorrência, prolatar ordem judicial de cumprimento do dever legal, fixando prazo para o cumprimento, sob pena de multa100.

O mesmo se a conduta ilícita iminente se constituir em desrespeito a um dever legal positivo, como a exigência do prévio tratamento dos dejetos industriais antes do descarte para a natureza.

99 MARINONI, Luiz Guilherme, Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004. p. 157 e 261.

100 Neste ponto merece destacar a delicada problemática da prova nas demandas voltadas à tutela preventiva e à

tutela do meio ambiente em questão, visto que deve ser evitado e combatido a propositura de demandas judiciais baseadas em meras conjecturas. É necessário um lastro probatório mínimo, a ser valorado pelo órgão julgador de maneira razoável e ponderada, para que possa ser concedida a tutela preventiva requerida.

Também nestes casos, demonstradas evidências concretas de que a indústria não providenciou instalação do equipamento necessário, estando próxima a iniciar suas atividades, é cabível o provimento judicial determinando esta instalação, fixando prazo para seu cumprimento, sob pena de multa.

Além disso, pode-se fazer uso de outras medidas executivas previstas no texto do parágrafo 5º daquele artigo, segundo o qual:

Art. 461. §5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial

Enquanto na modalidade de remoção do ilícito é patente a possibilidade de utilização destas medidas executivas, na modalidade preventiva pura, em que o resultado pretendido deve se anteceder ao início da conduta ilícita, seja mediante a imposição de obrigação de fazer ou de não fazer101, somente se combinadas com a multa coercitiva é que estas medidas podem alcançar a finalidade, coibindo-se o início da prática ilícita.

E para melhor garantir o alcance desta finalidade, o sistema instituído pelo artigo 461, em seu parágrafo 6º dotou o magistrado do poder suplementar de modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou ineficaz em sua função coercitiva ou excessivamente gravosa para o réu.

Juntamente com a nova redação do artigo 644 do CPC, o parágrafo mencionado demonstrou que a parte da sentença que fixa o valor da multa não fica imunizada pela coisa julgada material, podendo ser alterada pelo juiz para atender as necessidades do caso concreto. A exceção se deu em benefício da efetividade do provimento, uma vez que a multa representa a substância mesma da inovação inserida.

101 A possibilidade de imposição de obrigação de fazer, mediante as chamadas tutelas inibitórias negativa e

positiva, para fins de prevenir a ocorrência do ilícito será melhor explicada no quinto capítulo, já diante da análise concreta de julgados.

Não é demais enfatizar o igual cabimento da redução posterior da multa, se for o caso, e não apenas de seu reforço. Os poderes de que foi investido o magistrado são necessários para a efetivação dos novos direitos e de sua tutela preventiva, que evite o ilícito e, por conseqüência, o dano.

No exercício destes poderes, não poderá o magistrado exceder os limites prudenciais inerentes ao seu labor, e impor sacrifício desmedido ao réu, o qual poderá representar atentado aos princípios do trabalho e da livre iniciativa, e acarretar intolerável restrição à produção econômica que é também constitucionalmente garantida102.

Na aplicação do sistema da tutela inibitória, portanto, valores constitucionais poderão apresentar-se em conflito, restando à decretação das medidas judiciais ser informada pelos princípios habituais ao labor judicante, quais sejam, a razoabilidade e proporcionalidade, para que seja imposta a menor restrição possível dentre os meios idôneos para realizar o escopo do sistema.

Deste modo, a atuação do magistrado ganha ainda maior relevância, requerendo importante preparo técnico para, de ofício, tal como previsto no dispositivo, utilizar-se das medidas facultadas, com vistas ao atingimento do resultado pretendido.

Em igual sentido, é de significativa relevância, ainda, a previsão expressa no corpo do artigo (parágrafo 3º) da possibilidade de utilizar os mesmos mecanismos em sede de antecipação da tutela.

Somente a celeridade de medida interlocutória, como é a tutela antecipatória, permite alcançar o imediatismo indispensável a uma atuação genuinamente preventiva103.

Existindo ameaça concreta de ocorrer o ilícito é imprescindível para a eficácia da tutela preventiva o uso deste expediente, pois o decorrer do tempo poderia representar a

102 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (Individual e Coletiva). São Paulo: Revista dos Tribunais,

1998, p. 114ss.

tolerância a que sobreviesse o ilícito e fosse convertido em perdas e danos o eventual dano decorrente.

Consistindo em direito fundamental que passa a ser reconhecido pela comunidade jurídica como direito à tutela jurisdicional adequada, importa que todos os profissionais do direito se debrucem cada vez mais no estudo acerca deste expediente, e de todos os mecanismos processuais relacionados à prevenção ambiental por meio do processo, tornando- se mais preparados para lidar com as novas situações que se apresentam no cotidiano forense.

4 O DIREITO MATERIAL (FUNDAMENTAL) DO MEIO AMBIENTE E SUA