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Um dado, todavia, é relevante e prenuncia, neste limiar de milênio e a partir mesmo da tendência revelada no final do século passado, uma guinada radical no perfil da criminalidade. Este deverá ser o século do crime organizado. Precisamos, então, refletir com maior profundidade sobre a criminalidade moderna,

68 GARLAND assim situa a interferência dos meios de comunicação sobre a experiência

coletiva do delito na vida cotidiana: “Las sensibilidades que caracterizan esta cultura popular

no nacen de las representaciones de los medios masivos de comunicación o de la retórica política, aun quando éstas influyan en aquéllas. Se originan en la experiencia colectiva del delito en la vida cotidiana y en las adaptaciones prácticas a las que eventualmente dan lugar” (GARLAND, David. La cultura del control. Trad. Máximo Sozzo. Barcelona: Gedisa,

que não é mais aquela tradicional, marcada por delitos contra o patrimônio privado e contra a integridade e a vida das pessoas – sem embargo da necessidade de se buscar soluções também para esta espécie de delinqüência, que afeta a segurança pública.

Especialmente no que concerne ao âmbito da competência da Justiça Federal, a nova criminalidade apresenta um perfil diferenciado: trata-se hodiernamente, na mais considerável parte dos casos, de crimes de cunho econômico, de feitura organizada e praticados por componentes de classes sociais mais elevadas, os chamados “empregados de paletó e gravata”, que se aproveitam de seus cargos e ocupações para aumentar suas rendas com práticas ilegais. Certamente, o prejuízo financeiro para a sociedade com esta espécie de criminalidade é muito superior ao prejuízo decorrente da criminalidade tradicional (assaltos, furtos e roubos). Este é o traço característico da criminalidade contemporânea.

Os agentes destes delitos não são os chamados representantes da escória da sociedade, não são os miseráveis, os excluídos sociais, mas indivíduos que tiveram acesso aos meios de subsistência e à educação. As técnicas criminosas são as mais complexas e sofisticadas possíveis. A estruturação voltada à prática delitiva, o emprego da Internet, a transnacionalidade, a utilização do sistema financeiro, a cooptação de agentes públicos são algumas características que dificultam a descoberta e a investigação destes delitos.

E esta nova delinqüência, em termos da repercussão social dos crimes praticados, basta uma análise singela das suas conseqüências, é muito mais gravosa à sociedade do que a tradicional. Seus efeitos são difusos ou transindividuais, não sendo facilmente perceptíveis ao senso comum do povo, mas nefastos à ordem social, pois que afetam sobretudo as funções estatais direcionadas para a implementação do bem-estar comunitário e, especialmente, as ordens social, financeira e econômica, irradiando funestas repercussões sobre todos e rompendo perigosamente o elemento confiança que preside todas as relações.

Como bem observa FISCHER, com amparo na mais abalizada doutrina, ao contrário da delinqüência tradicional, em relação aos delitos econômicos não se cogita de bens jurídicos que protejam objetos fisicamente individualizáveis e lesionáveis, pois que “normalmente não resta possível essa ‘individualização’, na

medida em que os bens jurídicos são ‘institucionais’ ou ‘difusos’, referindo-se a um conjunto de condições sociais gerais cujo atendimento é indispensável para uma convivência pacífica e próspera da sociedade”.69

Exemplos desta nova delinqüência tem-se em profusão: crimes contra a ordem tributária, econômica e financeira, crimes de lavagem de dinheiro, crimes contra a seguridade social, crimes de fraudes em licitações, crimes contra o sistema bancário cometidos pela INTERNET, crimes contra o meio ambiente, crimes de jogos de azar, toda a gama de delitos praticados por agentes públicos, que não constitui novidade, mas que somente nos tempos atuais passam a receber a repressão penal.

Outro dado é relevante. A estrutura do crime organizado passou a ter um caráter transnacional. Nada obstante, os órgãos de repressão mantêm-se com uma estrutura e uma dinâmica de atuação voltadas para um âmbito nacional. A transnacionalidade confere às organizações criminosas maior agilidade e fluidez, portanto, intensa capacidade de burlar as leis e os morosos sistemas de repressão organizados pelos Estados, limitados e impedidos de agir por deficiência ou mesmo ausência de uma normatividade internacional que possibilite atuação mais eficaz.

Toda esta nova realidade reflete-se negativamente na justiça criminal, em termos de morosidade. Diariamente, convivemos com operações policiais midiáticas, com centenas de prisões e apreensões de bens e valores. Toda esta movimentação policial é judicializada. Desde a origem, tem-se uma autorização judicial para busca e apreensão, autorização de quebra de sigilo ou outra medida que demande autorização judicial; depois é instaurado um inquérito policial sob a presidência do juiz competente, e sobre tudo que nele ocorre este é chamado a decidir, e são impetrados tantos habeas corpus quantos forem os acusados, presos ou soltos e, na mesma medida das apreensões, ajuizados pedidos de liberação de bens. Profusão de presos, processos-crime e de incidentes processuais. Algumas vezes, formam-se litisconsórcios multitudinários com dezenas de réus num único processo, tornado excessivamente volumoso, complexo e demorado. Ficam prejudicadas a celeridade, a segurança e, sobretudo, a defesa dos acusados.

A tendência criminológica, assim marcada pela complexidade em todas as etapas da persecução penal, faz com que o processo penal tenha,

naturalmente, um curso mais dilargado. O desafio é, na perspectiva da eficiência que a sociedade cobra do Direito Penal, encontrar soluções de aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal, e é com este desiderato que se pretende enfocar o fenômeno da prescrição penal, que precisa estar consentâneo e adaptado à atual realidade criminológica que vivenciamos.

4 PRESCRIÇÃO PENAL: NOÇÕES DOGMÁTICAS