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A importância do estudo de correspondência e da teoria das espécies naturais para o renascimento da morfologia pode também ser explicada pela conceitualização de um caráter filogenético como um ‘fenômeno de homologia’ (o qual incorpora homologias táxica e transformativa) somado aos conceitos de semaforonte e semaforonte complexo. Assim, é fundamental construir táxons como relações filogenéticas de partes ontogenéticas da vida (Nelson, 1989). Segundo Rieppel (2003a, p. 172; veja também Hennig, 1966), “o semaforonte é um aspecto contínuo de um organismo particular em um ‘pedaço de tempo particular’” e “um ‘semaforonte complexo’ pode ser construído pelo aspecto de fusão de vários aspectos contínuos representando o mesmo organismo em estágios ontogenéticos diferentes. Mas como um complexo semaforonte pode ser construído para um organismo, assim ele pode também ser construído pelo aspecto de fusão para espécies e táxons superiores” (Rieppel, 2003a, p. 172). Como um semaforonte complexo corresponde a vários aspectos contínuos de um organismo particular (o qual não pode explicar uma relação de homologia; Rieppel, 2006a) em estágios

ontogenéticos diferentes, táxons podem também ser filogeneticamente conceitualizados como relações de homologia entre partes (homólogos) de semaforontes complexos de dois ou mais organismos em estágios ontogenéticos correspondentes.

Mas há um hiato entre ontogenia e filogenia que precisa ser preenchido. No sistema de Hennig (1966), a ponte ligando ontogenia e filogenia foi sustentada pelas séries de transformação de caracteres morfológicos (Rieppel, 2006a) que concebe um caráter como um conceito de

relação de propriedades diferentes mas iguais (i.e., ‘similaridade’ por diferença; Rieppel &

Kearney, 2002). Essa indicação de relata (Rieppel, 2006a) é vista no conceito de caráter proposto por Platnick (1979), que afirmou que um caráter tem dois estados, de modo que um estado é uma forma modificada do outro, ou ambos são formas modificadas de um terceiro. Todavia, na sistemática filogenética, relata deve corresponder a um ‘fenômeno de homologia’ que captura ambas homologias táxica e transformativa em uma hierarquia (cf. Brigandt, 2009; vide Capítulo 2). Portanto, um caráter filogenético deve abranger a comparação de mais do que dois organismos, com conseqüente eliminação de caráter baseado em similaridade de pares – Bang

et al. (2002) apresentaram uma perspectiva similar para eliminar a ambigüidade de proposições

táxicas de homologia baseadas em similaridade de pares. Nesse sentido, um caráter filogenético pode ser conceitualizado como um ‘fenômeno de homologia’, baseado na relação de similaridade (correspondência) entre homólogos (estados de caráter) de semaforontes correspondentes (estágios ontogenéticos) de três ou mais organismos na hierarquia. Conformemente, as explicações táxica e transformativa exemplificadas por um caráter são dependentes de sua

coextensão (lógica e causal) com outros caracteres no cladograma.

Hennig (1966, p. 7) estabeleceu uma relação entre caráter e semaforonte: “nós chamaremos aquelas peculiaridades que distinguem um semaforonte (ou um grupo de semaforontes) de outros ‘caracteres’”. Entretanto, o que ele chamou de caráter corresponde ao que eu chamo um homólogo. Semaforontes de dois ou mais organismos são distinguidos por seus homólogos (estados de caráter) não por caracteres. Mas é importante manter em mente que “nenhuma declaração geral pode ser feita por quanto tempo um semaforonte existe como uma entidade constante útil para a sistematização, porque isso depende do índice de sua mudança” (Hennig, 1966, p. 6). Portanto, longo ou curto o tempo que um semaforonte deveria ser pode variar, porque o ciclo de vida poderia ser definido com um único semaforonte ou apenas uma específica parte do ciclo de vida. Como a relação entre caráter, homólogo e semaforontes é sensível ao contexto, ela pode fornecer modos diferentes de ver o mesmo caráter e seus homólogos

durante a diversidade morfológica dos ciclos de vida, e assim ela reforça o uso de caracteres morfológicos na reconstrução filogenética.

Realmente, alguns exemplos na literatura caracterizaram os efeitos de incluir caracteres relativos aos diferentes ciclos de vida na reconstrução da filogenia. Wahlberg et al. (2005, p. 1583) destacaram que em Lepidoptera “características morfológicas são freqüentemente unicamente estruturas complexas derivadas que inequivocamente unem categorias taxonômicas superiores, tais como as glândulas osmeteriais das larvas de papilionídeos e a antena tricarinada dos adultos de ninfalídeos, e nós as vemos como um componente intrínseco de um tratamento robusto desse grupo importante”.

Pohl (2002) mostrou que caracteres morfológicos do primeiro estágio de desenvolvimento das larvas forneceram resultados satisfatórios em uma filogenia de Strepsiptera. A análise dele gerou uma topologia em acordo com a topologia baseada em adultos, com algumas discrepâncias.

Bybee et al. (2008) apresentaram uma filogenia de libélulas baseada em dados morfológicos e moleculares, na qual o monofiletismo de Isosticidae foi sustentado por uma sinapomorfia morfológica de um estado de caráter larval (premento com muitas setas rapitoriais longas).

Em contraste, quando filogenias moleculares são tratadas como a base para hipóteses de evolução morfológica, o papel dos ciclos de vida na reconstrução da filogenia é omitido. Embora eu tenha uma visão otimista para incluir a diversidade morfológica dos ciclos de vida na reconstrução da filogenia, eu estou ciente que esse tema não é simples. Em vários grupos, os estágios de vida são desconhecidos, gerando uma limitação decisiva durante a construção de matrizes de dados e a reconstrução da filogenia (Bridge et al., 1995; Nielsen, 1998; Collins, 2002; Freitas & Brown Jr., 2004; Wahlberg et al., 2005). Por exemplo, Bridge et al. (1995) e Marques & Collins (2004) discutiram definição de caráter e dados ausentes em Medusozoa. Nielsen (1998) salientou as dificuldades de elucidar a filogenia de muitos grupos de animais, devido à falta de uma imagem completa de seus ciclos de vida. Collins (2002) recorreu a uma filogenia molecular para elucidar a história evolutiva dos ciclos de vida em Medusozoa. Os resultados dele foram subseqüentemente confirmados por uma análise cladística de Medusozoa baseada em dados morfológicos (Marques & Collins, 2004). Esses exemplos registram claramente a necessidade e a relevância de estudos preocupados com a diversidade morfológica dos ciclos de vida na reconstrução da filogenia.