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5.3 Caso Júlia

5.3.5 Caracterização da aprendizagem de Júlia

A aprendizagem de Júlia não pode ser caracterizada de modo geral, pois vários elementos indicam tipos de aprendizagens distintos, que se relacionam com diversos e complexos aspectos que serão considerados. Embora as duas disciplinas apontadas para análise da informação tenham sido o foco da reflexão proposta, outros vários aspectos identificados em todo o processo da pesquisa colaboraram para a construção da informação.

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Disciplina V

A disciplina teve como principais objetivos contextualizar a educação nos diferentes momentos históricos e considerar os aportes teóricos relacionados a esses contextos. Júlia demonstrou, em vários trechos, seu prazer pelos temas abordados assim como pelo professor. A aluna pareceu relacionar-se com os conhecimentos de forma muito interessante e pareceu motivada pelas reflexões que os temas proporcionavam. Júlia relacionava a educação com os próprios momentos de sua vida, com destaque para a condição de aluna com deficiência visual.

Entretanto, Júlia não apontou diretamente alguns conceitos específicos de História, e não identificou teóricos e teorias abordadas na disciplina. Porém, mesmo que a aluna não tenha identificado termos e nomes pertinentes à educação, sua busca e reflexão sobre os temas chamaram a atenção para sua concepção acerca dessa prática social. Os seguintes trechos de uma entrevista exemplificam essa interpretação:

Júlia: Acho interessante como se dava a educação em diferentes épocas... é bom saber o processo de como a educação veio evoluindo até o dia de hoje. Então podemos ver o que melhorou e o que piorou na educação.

Pesquisadora: ⎯ Vocês estudaram vários pensadores como Durkheim e Dewey, você se lembra quais foram as contribuições desses pensadores?

Júlia: ⎯ [...] me lembro de pouca coisa ... Uns diziam que a educação deveria ser para todos, outros diziam que tinha que ser individualizada, uns eram radicais, outros não.

Júlia: ⎯ Realmente acho que é um processo histórico [...]

[...] ‘e qual o papel da escola na educação?’ E a professora respondeu que seria transformar a criança em adulto ... e educação tem esse papel de nos fazer questionador, curioso.

Pesquisadora: ⎯ Você acha que tem algum desses teóricos que te ajudam a entender a educação assim?

Julia: ⎯ Tem vários. E Platão é um dos que eu gosto porque ele fala que a gente deve ver através da cortina, ou seja, ser curioso.

Em trechos de informação, os exemplos destacados possibilitaram construir a hipótese de que Júlia constituiu, como elementos de sentido, a

necessidade e a valorização de aprender e o desejo de transformar-se pessoalmente.

Na redação que elaborou, Júlia explicitou a distância entre discurso e prática em várias disciplinas da graduação. A ênfase, nesse caso, foi dada ao papel transformador da educação, que a aluna pareceu vivenciar e que se tornou uma convicção.

Assim, percebo que no âmbito da universidade, ainda que se trate da Faculdade de Educação, no curso de Pedagogia, por exemplo, muitos professores não respeitam a diversidade e tampouco colocam em prática o que se prega no próprio curso: a integração na educação.

Outro trecho, em uma entrevista, ofereceu indicadores para a nossa construção:

[...] o professor mostrou um slide, que eu não esqueço ... Mostrava os alunos isolados, separados em .... como se fossem baias [...] As frases, a seguir, também ilustram essa construção.

Secretamente eu admito que gosto de mudanças . Minha opinião depende de reflexão.

Incomodam-me com descaso. Meu dever é ser eu mesma.

Não quero ter que desistir de nada. No futuro serei diferente.

Destacamos que a aluna teve desempenho considerado mediano, e, conforme exemplificado, Júlia não associou conceitos e teóricos abordados, o que nos levou à interpretação de que Júlia não aprendeu os conceitos científicos pertinentes à disciplina.

Pudemos compreender, ainda, que Júlia mostrou-se motivada pelos temas abordados na disciplina, o que nos pareceu favorável a aprendizagens futuras que implicam a reflexão e a própria Júlia como autora de seus pensamentos.

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Disciplina VI

De acordo com as informações da professora, a disciplina esteve dividida em três módulos que se integraram para desenvolver sua proposta: o professor que ensina ciências deve avaliar o conhecimento que pensa ter de determinado assunto, e devem-se fazer perguntas sobre os conceitos de Física, Biologia, Química ou Astrologia, como exemplificou.

Professora: a primeira pergunta que ele deve fazer, primeiro, é pensar na sua própria representação, chamada científica sobre o assunto e verificar e se fazer a pergunta: ‘será que tá certo, será que não mudou, será que o conhecimento não avançou e eu tô atrasado no conhecimento científico?’. Então, meu propósito é esse. Ensinar, de certa forma, a eles avaliarem esse conhecimento deles e saber buscar a fonte válida de informação. O que eu chamo fonte válida de informação? São documentos que apresentam o conhecimento científico, revistas científicas, livros acadêmicos. Mesmo que seja na Internet, que eles procurem conhecer quem é o autor daquele site, quem é o autor daquele texto.

Essas informações foram relevantes para compreender a aprendizagem de conceitos científicos de Júlia, e o que esteve implicado nesse processo. Em vários trechos de informação das entrevistas e das dinâmicas conversacionais, aparecem elementos que permitiram a interpretação de que a aluna pensou sobre o conhecimento do assunto abordado. Em perguntas diretas da pesquisadora sobre alguns conceitos, identificaram-se alguns destes aspectos:

Júlia: ⎯ Conhecimento cientifico seria todos aqueles métodos que eles utilizam para comprovar algo. E ciência seria o estudo, ou seja, a área que busca resposta para acontecimentos. Por exemplo, em biologia, história eles buscam descobrir como as coisas aconteceram.

Pesquisadora: ⎯ E foi essa definição que você viu na disciplina? Júlia: ⎯ Mais ou menos, porque a gente ficava confrontando constantemente sobre o que era conhecimento cientifico e empirismo.

Pesquisadora: ⎯ Vocês trabalharam força e movimento, você se lembra dos conceitos de força e movimento?

Júlia: ⎯ A gente estava usando o conceito newtoniano da força e do movimento. Me lembro que a gente viu figuras de um menino com uma bola e taco de golfe, um menino na bicicleta e um carrinho, então a gente trabalhou discutindo por que um dava a idéia de parado e o outro não, percebi que o pessoal relacionava muito força com quantidade de movimento, eles não olhavam que a bola estava parada pela força da gravidade, e o menino da bicicleta envolvia peso, e o carrinho aplicação de força.

Também a seguinte frase completada pela aluna possibilitou a construção de indicadores:

Aprender é sempre um prazer.

Um conjunto de elementos indicou a construção da hipótese de que, muito além da construção de um sistema de conceitos, a aprendizagem possibilitou a Júlia que se constituísse como sujeito pensante, capaz de avaliar seus próprios conhecimentos.

Em relação aos conceitos científicos abordados na disciplina, Júlia falou com segurança e propriedade, quando, por exemplo, apontou situações que envolviam a Biologia e a Física. Parecia que Júlia aprendera alguns conceitos por meio de uma associação mecânica. Porém, a aluna demonstrou uma compreensão além da representação científica do conceito, como exemplificado na relação entre força e movimento.

Na análise da informação, no caso de Júlia, pode-se caracterizar a aprendizagem de conceitos da disciplina como reprodutiva e reflexiva, pois representou uma possibilidade de a aluna pensar sobre seu próprio pensamento. Outro aspecto importante foi a identificação de elementos da subjetividade de Júlia que constituíram seu processo de aprendizagem. A valorização de sua capacidade de aprender aqueles conhecimentos considerados complexos desde o ensino médio e o desejo de aprender o que gosta foram significativos para tal interpretação.

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