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Como foi discutido anteriormente, a diversidade é uma característica constitutiva da aprendizagem, e possibilita a compreensão mais abrangente e plural desse processo, denotando seu caráter “interdisciplinar”, como expressa González Rey (2006, P. 29). O autor chama a atenção para o fato de que as diferentes visões de homem e de psique, particularmente aquelas pioneiras na Psicologia, marcaram a produção de conhecimento com enfoque na epistemologia positivista, o que desconsiderou aspectos qualitativos na abordagem sobre aprendizagem.

Valendo-se da categoria de subjetividade, González Rey (1999) propõe uma discussão sobre as implicações dessa categoria na Psicologia e na educação, quando destaca:

A subjetividade como sistema complexo que implica o sujeito, as relações e o ambiente permite superar visão do indivíduo como conjunto de processos fragmentados suscetíveis de serem desenvolvidos por técnicas e métodos pontuais próprios do arsenal de processos didáticos e pedagógicos. (p. 109)

González Rey (2003b), enfatizando prospectivamente os aportes de Vigotski para a construção de uma teoria do desenvolvimento humano, aponta como deles decorrente a compreensão do pensamento como “função de sentido do sujeito que pensa” (apud González Rey, 1995, p. 80).

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Vigotski (2001a) afirma de modo enfático que o pensamento como função psicológica isolada e autônoma, um “epifenômeno inútil” em sua expressão, foi uma conseqüência da separação entre cognitivo e afetivo. O desenvolvimento da categoria de sentido por Vigotski, que permitiu integrá-la à complexidade da psique humana, passa a perceber o sujeito vivo, dialético e produtor de sentido, e tem implicações em distintos campos, inclusive o da aprendizagem.

González Rey (2003b) propõe nova concepção dialética para o tema, e entende que considerar o pensamento uma função de sentido nos conduz a considerar a aprendizagem também como um processo de sentido, o que implica considerar o sujeito que aprende no curso singular de sua aprendizajem por meio dos afetos produzidos nesse processo; afetos que não estão microlocalizados na sala de aula. Esta proposição de entender a aprendizagem como produção de sentido permite superar as dicotomias entre individual-social, inconsciente- consciente, cognitivo-afetivo, passando a um nível qualitativamente diferente, que compreende a aprendizagem, e permite integrar a personalidade do sujeito que aprende e os espaços sociais nela implicados.

Sinaliza González Rey (2003b) para uma mudança na concepção do sujeito que aprende, passando da forma padronizada e homogeneizadora para a compreensão do sujeito ator de sua aprendizagem. De acordo com essa perspectiva, a escola deve ampliar sua função no intuito de possibilitar os processos de subjetivação vinculados ao conhecimento, processos esses que possuem sentido e significação para os “sujeitos individuais concretos”. (p. 110)

González Rey (2006) chama a atenção para o fato de que a aprendizagem desenvolvida no espaço escolar está historicamente caracterizada pela transmissão de conhecimentos prontos, e que professores e alunos têm assumido esse princípio como verdadeiro. A conseqüência mais significativa, considerando essa perspectiva, é o caráter reprodutivo que a aprendizagem tem assumido em detrimento do caráter criativo. As mudanças epistemológicas e metodológicas desenvolvidas até então não tiveram impacto significativo na aprendizagem, como salienta o autor:

algo que hoje chama muito a nossa atenção: o fato de não ter nunca considerado, como modelo de aprendizagem, a aprendizagem envolvida permanentemente na produção do conhecimento científico. No ensino escolar, ainda predomina uma visão de aprendizagem como a reprodução daquilo que se apresenta ao aluno: a aprendizagem é reprodução e não criação. (p. 30)

O autor compreende que o nó da questão é a dessubjetivação do aluno e até mesmo a do professor, de sua capacidade de produção de conhecimentos, que rompe com a lógica descritiva e reprodutiva dominante na representação sobre aprendizagem. O autor salienta o fato de que alguns problemas são conseqüentes dessa visão, e que uma representação qualitativamente distinta deve considerar a dimensão subjetiva desse processo. González Rey destaca como problemas: “a representação de objetividade que se associa ao conhecimento, a exclusão do erro como momento da produção de conhecimento e a idéia do conhecimento como algo terminado.” (p. 31)

González Rey dá ênfase ao fato de que a relação objetiva entre sujeito e objeto descaracteriza o sujeito quanto à sua capacidade de se posicionar perante o conhecimento além de dificultar seu papel de produtor de idéias e de conhecimentos. Destaca, também, que a construção de modelos teóricos, pelos alunos, deve implicar representações teóricas abertas, necessariamente vinculadas a um sistema mais abrangente. O autor explica que a falta de um sistema referente pode resultar em elementos desconexos , com caráter temporário e reprodutivo, que não permitem a “continuidade intelectual do sujeito que aprende”. (p. 33)

Outro aspecto importante é a valorização do erro vinculado à reflexão e à produção de idéias. O aluno compromissado com a produção de conhecimentos e com a construção de um modelo teórico não tem medo do erro que representa um momento de reflexão, de tensão e de ruptura que, muitas vezes, orienta seu próprio pensamento. Assim, González Rey afirma: “Aprende-se aquilo que já está resolvido e o conhecimento converte-se assim em um referente verdadeiro que deve ser assimilado. A dúvida, as hipóteses, a reflexão crítica são excluídas do cenário da aprendizagem.” (p. 31)

González Rey entende que a função constitutiva da aprendizagem implica a dimensão subjetiva do sujeito que aprende, por isso deve considerar a

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singularidade do sujeito, unidade da diversidade que constitui a escola, e o diálogo, como sistema de comunicação e interação que integra os sujeitos do espaço escolar.

A compreensão da aprendizagem como constituinte e, ao mesmo tempo constituída da subjetividade individual, implica a escola como espaço de comunicação, tomando-se por base sua subjetividade social. Desse modo, o sujeito que aprende é aquele produtor e produto de sentidos subjetivos, intrincados em sua história, os quais representam a capacidade criativa e geradora de sentidos em relação à aprendizagem. Portanto, a aprendizagem é única e singular para quem aprende, logo, não repetível em outros sujeitos. Porém, é importante destacar que, por esse prisma, compreende-se a categoria de subjetividade como um sistema complexo e dinâmico que implica os sujeitos assim como os espaços sociais em que atuam concretamente.

Por outro lado, importa também destacar que o sentido subjetivo de que fala González Rey não subtrai o aspecto formal ou contraria o aspecto operacional da aprendizagem. Ao contrário, imprime uma nova qualidade à representação de aprendizagem, qualidade essa que destaca o sujeito ativo e reflexivo. Afirma o autor:

O sentido subjetivo não se contrapõe ao aspeto operacional da aprendizagem, senão que acrescenta uma qualidade da aprendizagem que não tinha sido considerada como intrínseca ao aprender”. (p. 35)

As considerações de González Rey têm implicações teóricas e práticas relacionadas à aprendizagem como processo integrado à história de vida dos sujeitos. Tomando como base o aporte da Teoria da subjetividade, a aprendizagem deixa de ser vista como um processo específico do aluno para ser compreendida como fonte de produção de sentidos subjetivos que integram as condições atuais e históricas de vida dos sujeitos implicados na constituição subjetiva do aprender. Isso exige uma reorganização das práticas educacionais vigentes que, em sua maioria, tem gerado mecanismos de dessubjetivação dos sujeitos aprendentes, com repercussões no espaço escolar como dimensão social da subjetividade humana.

Valendo-nos das perspectivas de sujeito e aprendizagem escolar fundamentadas nos capítulos anteriores, nos propusemos a compreender o impacto causado pelos apoios na aprendizagem de alunos com deficiência visual. No próximo capítulo faremos uma caracterização e uma contextualização do sistema de apoios proporcionados pela Universidade de Brasília a esses alunos.

CAPÍTULO 3 - CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA DE APOIO DA