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caracterização das amostras coletadas na pilha do xingu

2 BARRAGENS E PILHAS DE REJEITO

5.1 caracterização das amostras coletadas na pilha do xingu

A Pilha do Xingu é uma estrutura onde os rejeitos são depositados por via hidráulica, podendo, então, ser classificada como um aterro hidráulico, construído pelo Método de Montante. Uma das características mais importantes de um aterro hidráulico está relacionada com a possibilidade de segregação dos materiais depositados hidraulicamente. A segregação refere-se à tendência da fração sólida, ou parte dela, sedimentar-se criando um gradiente de concentração dentro do conjunto (Ribeiro et al., 1998). Küpper (1991) cita que os fatores que mais influenciam no processo de segregação de lamas são o tipo de fluido, tipos e quantidades de aditivos químicos presentes no fluido, tipo de sólidos, distribuição granulométrica, concentração da lama e condições de fluxo.

Esse processo promove uma seleção das partículas dentro do depósito, depositando-as, de acordo com essa seleção, em diferentes locais ao longo da trajetória de fluxo. Nos modelos clássicos de segregação hidráulica, considera-se que esse processo de seleção ocorra granulometricamente, fazendo com as partículas maiores se depositem mais próximas do ponto de lançamento e as partículas menores sejam transportadas, depositando-se em pontos mais distantes do ponto de lançamento. No entanto, esta visão clássica do processo de segregação granulométrica só é válida quando as partículas possuem o mesmo valor de

densidade real dos grãos. Caso contrário, para grãos com diferentes valores de densidade real, o processo se dará de acordo com o peso de cada partícula. Partículas menores, porém com altos valores de densidade real dos grãos (mais pesadas), podem se sedimentar mais rapidamente que partículas maiores com valores inferiores de densidade real dos grãos. Dessa forma, o processo de segregação hidráulica não deve ser considerado apenas como um processo de separação granulométrica. Para dar uma idéia da complexidade do processo de uma lama com 2 tipos de grãos (p.ex. ferro, ρs = 5,7 g/cm3 e sílica, ρs = 2,7 g/cm3), ter-se-ia mais próxima do ponto de deposição, uma região predominantemente de partículas de ferro. Depois viria uma zona intermediária de grãos maiores de quartzo e os menores de ferro e, finalmente, uma zona mais distante com as partículas menores de quartzo. No entanto, durante este processo, não devem ser ignoradas as colisões de partículas, que causariam dispersões neste modelo de segregação por peso de grãos.

No caso do rejeito da Pilha do Xingu, esse fato deve ser avaliado com bastante cuidado. O rejeito dessa pilha é constituído de aproximadamente 50% de ferro puro (Fe), material esse que apresenta um alto valor de densidade real dos grãos. Isso faz com que o rejeito apresente valores acima até de 4,5 g/cm3 de densidade real dos grãos, bem superiores aos valores encontrados para areias quartzozas (2,6 a 2,7 g/cm3). Assim, não se pode garantir que as partículas sejam depositadas de acordo apenas com a granulometria, e sim de acordo com o peso das partículas.

As amostras da Pilha do Xingu ensaiadas foram coletadas de acordo com o croqui apresentado na Figura 4.3. As distâncias dos pontos coletados em relação ao ponto de lançamento do canhão variaram de 3,2 a 47,2 m, o que permitiu avaliação das propriedades do rejeito ao longo desta larga faixa de deposição. Através da análise granulométrica realizada nas dez amostras, pode-se definir um diâmetro característico para avaliar o tamanho das partículas do material e escolheu-se, neste caso, o D50. Esse diâmetro é definido como o diâmetro cujo material com diâmetro inferior a esse valor representa 50% do material analisado. A Tabela 5.1 apresenta os valores de D50, em milímetros, encontrados para as amostras coletadas.

Tabela 5.1 – Diâmetro D50 para o rejeito do Pilha do Xingu

Pontos D50 (mm)

1 0,219 2 0,211

3 0,208 4 0,157 5 0,195 6 0,134 7 0,125 8 0,192 9 0,189 10 0,162

Uma boa verificação da distribuição granulométrica do material dentro do depósito e do modelo clássico de segregação hidráulica pode ser feita analisando a relação existente entre o diâmetro D50 e a distância do ponto de deposição do mesmo em função do local de lançamento do rejeito. Assim, considerando-se as distâncias apresentadas na Tabela 4.1, foi possível obter a relação apresentada na Figura 5.1, que mostra como os valores de D50 se distribuem na praia de deposição. Para uma melhor visualização da distribuição desses pontos no espaço, é apresentado na Figura 5.2a uma relação tridimensional entre o diâmetro D50 e as coordenadas dos pontos amostrados. Por fim, a Figura 5.2b mostra uma visão em planta da superfície gerada pelos pontos amostrais, permitindo uma avaliação geral do depósito em termos de granulometria.

Observando-se a curva apresentada na Figura 5.1, percebe-se que é possível estabelecer uma razoável regressão linear para a relação do diâmetro D50 com as distâncias e que essas duas variáveis podem realmente estar correlacionadas. O comportamento da regressão da Figura 5.1 mostra que, no caso das amostras analisadas, as partículas com maiores diâmetros estão se depositando na região mais próxima do canhão. À medida em que vai se aumentando a distância do ponto de lançamento do rejeito, as partículas depositadas passam a apresentar um menor valor de D50, indicando que, nesses pontos estão se depositando as partículas mais finas, como sugerem os modelos clássicos de deposição hidráulica. No entanto, essa observação não deve ser generalizada para todo e qualquer tipo de rejeito. No caso da Pilha do Xingu, essas variáveis estão bem correlacionadas, mas sabe-se que vários outros fatores podem influenciar no local de deposição das partículas, principalmente o peso das mesmas e as colisões que ocorrem entre elas ao longo do caminho de deposição. Essa observação é ilustrada pela superfície mostrada na Figura 5.2, onde percebe-se uma superfície bastante regular para o diâmetro D50.

R2 = 0,84 0,10 0,12 0,14 0,16 0,18 0,20 0,22 0,24 0,26 0 10 20 30 40 Distância (m) D 50 ( m m ) 50

Figura 5.1 – Distribuição dos D50 ao longo do caminho de deposição na praia

0.13 0.14 0.14 0.16 0.17 0.17 0.19 0.19 0.20 0.22

D50 (mm)

-25 -20 -15 -10 -5 0 5 10 15 20 -25 -20 -15 -10 -5 0 0.12 0.13 0.14 0.15 0.16 0.17 0.18 0.19 0.20 0.21 0.22 (b)

Figura 5.2 – Distribuição de D50 na praia de deposição: (a) Representação tridimensional, (b) Isofatores de D50 em planta

Apesar de existir uma boa correlação entre a distância de deposição e o D50 para o rejeito da Pilha do Xingu, não se pode garantir que a segregação que ocorre na praia de deposição se desenvolva apenas em função da granulometria do material. É necessário que, antes de afirmar que a segregação é granulométrica, pesquisar outros fatores que possam vir a influenciar na posição de deposição das partículas, tornando a deposição um pouco mais aleatória. A maioria dos materiais que são estudados na Mecânica dos Solos clássica são constituídos por vários minerais, porém todos com pesos de partículas bastante aproximados, em geral variando o valor de Gs entre 2,6 e 2,7. Isso faz com que seja comum a idéia de que a segregação hidráulica ocorra apenas em função da granulometria do material, uma vez que, os pesos das partículas são aproximadamente iguais. Em se tratando de rejeito, esse conceito deve ser reavaliado.

No caso de rejeitos provenientes do beneficiamento de minério de ferro, como é o rejeito da Pilha do Xingu, pode-se garantir que os mesmos são constituídos por pelo menos dois materiais: ferro e sílica. Como a densidade real dos grãos desses dois elementos é muito diferente, a densidade real dos grãos do rejeito como um todo é totalmente afetada pelo peso de suas partículas constituintes separadamente. Portanto, no caso da deposição hidráulica de

um rejeito arenoso de mineração de ferro, essa propriedade geotécnica pode não só contribuir para o local de depósito de cada partícula, como também controlar todo o processo de segregação. Se assim não fosse, ou seja, se todas as partículas do rejeito apresentassem a mesma densidade real dos grãos, talvez o material se depositasse seguindo a separação granulométrica, uma vez que, nesse caso, as partículas maiores seriam aquelas realmente mais pesadas e vice-versa. Logo, antes de fazer qualquer afirmação sobre deposição de partículas de rejeito, é necessário avaliar a relação existente entre distâncias de deposição e a densidade real dos grãos do material como um todo.

Sabe-se que a densidade real dos grãos do rejeito está intimamente ligada com a porcentagem de ferro presente no mesmo. A Figura 4.4 apresenta a dependência da densidade real dos grãos em relação à porcentagem de ferro para as dez amostras coletadas da Pilha do Xingu. Percebe-se claramente que quanto maior a quantidade de ferro presente na amostra, maior é o valor da densidade real dos grãos e vice-versa, mostrando uma clara correlação entre essas duas propriedades. Assim, basta estudar a posição de deposição das partículas de uma amostra considerando a porcentagem de ferro existente na mesma que fica definida também essa dependência em relação à densidade real dos grãos. Considerando as distâncias de cada ponto do canhão de lançamento, apresentadas na Tabela 4.1, e as porcentagens de ferro existentes nas amostra coletadas nesses pontos, apresentadas nas Tabela 4.2 e 4.3, pode- se estabelecer uma relação entre essas duas propriedades. A Figura 5.3 apresenta essa dependência. Da mesma forma como foi feito para a granulometria, a Figura 5.4 apresenta a distribuição espacial da porcentagem de ferro na praia deposição. A Figura 5.4a apresenta a superfície gerada pelos pontos amostrais e a Figura 5.4b apresenta essa superfície em planta.

R2 = 0,69 35 40 45 50 55 60 65 0 10 20 30 40 5 Distância (m) % F e 0

Figura 5.3 – Percentual de ferro das partículas depositadas ao longo da praia de deposição Observando-se a Figura 5.3, pode-se perceber que, apesar da regressão obtida não se ajustar perfeitamente aos pontos amostrais, existe uma forte tendência das partículas das amostras com um maior percentual de ferro se depositarem mais próximas do ponto de lançamento do rejeito e vice-versa. A Figura 5.4 também ilustra esse fato, mostrando uma superfície bastante regular para a distribuição do percentual de ferro na praia de deposição. A sela observada na figura entre o ponto de lançamento e o de máximo percentual de ferro pode ser explicada pela energia excessiva de deposição que ocorre próximo ao ponto de descarga, causando erosões do material depositado, ou seja, perturbações e dispersões do processo. Logo, com esses resultados, pode-se dizer que a densidade real dos grãos, conseqüência do percentual de ferro, é outro fator condicionante da deposição de partículas em um aterro hidráulico.

42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 % Fe (a) -25 -20 -15 -10 -5 0 5 10 15 20 -25 -20 -15 -10 -5 0 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 (b)

Figura 5.4 - Distribuição do percentual de ferro na praia de deposição: (a) Representação tridimensional, (b) Isofatores de %Fe em planta

É importante destacar que a discussão até aqui proposta considera a dependência da posição de deposição de partículas de rejeito em uma estrutura hidráulica avaliando dois fatores condicionantes tratados separadamente. No entanto, é importante também a verificação de uma possível relação entre esses dois fatores, ou seja, se existe uma dependência da granulometria em relação ao percentual de ferro. Esse estudo é fundamental para que se possa entender melhor a segregação que ocorre nessas estruturas, uma vez que essas duas propriedades são características do material e atuam sobre a deposição ao mesmo tempo.

Dessa forma, para analisar como os diâmetros das partículas variam dentro de uma amostra com um determinado percentual de ferro, a Figura 5.5 mostra a relação existente entre o diâmetro característico D50 e a porcentagem de ferro de cada um dos dez pontos amostrados na Pilha do Xingu.

R2 = 0,78 0,10 0,12 0,14 0,16 0,18 0,20 0,22 0,24 35 40 45 50 55 60 65 %Fe (mm) D ( mm)

Figura 5.5 – Relação entre a granulometria do material e seu percentual de ferro

A regressão obtida na Figura 5.5 não apresenta um perfeito ajuste aos pontos ensaiados. No entanto, pode-se notar uma certa dependência do tamanho das partículas e o percentual de ferro da amostra. De uma forma geral, à medida em que se aumenta o percentual de ferro, maior vai se tornando o diâmetro D50 do rejeito. Para um melhor entendimento dessa dependência, pode-se juntar a essa análise as curvas granulométricas das amostras 10-A e 10- B processadas pela mesa vibratória, apresentadas na Figura 4.7. Pode-se notar que a curva

granulométrica da amostra 10-A, que apresenta um percentual de ferro bem maior que a amostra 10-B, tem a sua curva mais deslocada para as frações mais grossas de material, segundo a classificação da ABNT (1993a), levando à conclusão de que as partículas do elemento ferro provavelmente são maiores que as partículas do restante dos elementos constituintes do rejeito. Em outras palavras, é provável que a presença dessas partículas de ferro seja a responsável pela fração mais grossa do rejeito da Pilha do Xingu.

É muito importante salientar que essa relação entre granulometria e percentual de ferro só pode ser considerada verdadeira para o rejeito utilizado nessas análises, ou seja, o rejeito da Pilha do Xingu. Qualquer generalização pode levar a análises errôneas das correlações existentes entre os fatores condicionantes da segregação hidráulica. Uma ilustração de que as correlações entre granulometria e percentual de ferro podem variar de acordo com o tipo de rejeito, pode ser obtida pela análise de alguns resultados apresentados por Ribeiro & Assis (1999). Ensaios de simulações de deposição hidráulica em laboratório apresentaram resultados que mostraram que o diâmetro médio do grão aumenta na porção média do talude da pilha e decresce quando se caminha para as extremidades do mesmo. Como os materiais mais pesados depositam-se mais próximos ao canhão de lançamento do rejeito, estes valores evidenciam a presença de finos mais densos próximos ao ponto de descarga, correspondentes às partículas tipicamente ferrosas , por conseguinte, mais densas (Ribeiro & Assis, 1999). Logo, não se pode afirmar que existe uma correlação entre a granulometria e o percentual de ferro do material. Pode-se afirmar sim, que essas duas propriedades do material condicionam a posição de deposição das partículas na praia, mas devem ser tratadas como variáveis independentes. Portanto, não se deve falar em segregação hidráulica considerando apenas a distribuição granulométrica do material no campo, como sugerem os modelos clássicos. Essa seleção de partículas deve sempre ser analisada considerando a granulometria do rejeito e a densidade real dos grãos do mesmo, de forma a se obter uma análise mais realística do processo de segregação de partículas em depósitos executados pela técnica do aterro hidráulico.

5.2 PARÂMETROS DE RESISTÊNCIA OBTIDOS NOS ENSAIOS DE