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CONTROLE DE QUALIDADE GEOTÉCNICO DURANTE O ALTEAMENTO DE BARRAGENS

2 BARRAGENS E PILHAS DE REJEITO

2.2 CONTROLE DE QUALIDADE GEOTÉCNICO DURANTE O ALTEAMENTO DE BARRAGENS

Em barragens convencionais, as características geotécnicas do material de construção são um dos condicionantes do comportamento das barragens em termos de estabilidade dos taludes, deformabilidade e percolação. O mesmo acontece em barragens alteadas com o próprio rejeito. Assim, é possível se fazer uma analogia entre o controle executivo das barragens convencionais com as barragens de rejeito.

Em barragens convencionais, considerando o uso de um solo coesivo, a condição de compactação é definida pelos índices massa específica seca e teor de umidade, para uma dada energia de compactação, definindo-se uma massa específica seca máxima e uma umidade ótima. Essa energia de compactação é definida em campo em função do equipamento, do número de passadas e da altura da camada a ser compactada.

Em uma Barragem de Rejeito executada pela técnica de aterro hidráulico, considerando o uso de materiais granulares, as variáveis que definem a energia de deposição em campo são a vazão, a concentração e a altura de queda. Mantendo-se duas dessas grandezas fixas e variando-se a outra, pode-se definir a densidade máxima em função desta. Variando-se alternadamente as demais variáveis, obter-se-ia a otimização do sistema de deposição para uma certa densidade ideal. No entanto, a otimização dessas variáveis é restrita pela própria operação da planta de beneficiamento. Otimizar significaria provocar mudanças no beneficiamento do minério ou na posição dos equipamentos de lançamento do rejeito à medida em que se verificasse uma alteração na densidade do material depositado. A vazão e a concentração poderiam ser alteradas modificando-se a quantidade de material lançado em um determinado intervalo de tempo e a quantidade de rejeito presente no material lançado. Já a altura de queda só poderia ser modificada pela mudança de posicionamento dos canhões de lançamento. No entanto, essas mudanças despendem tempo e oneram a deposição. Por essa razão, a otimização das variáveis de deposição fica restrita pelo próprio processo de beneficiamento do minério.

Assim, da mesma forma que em barragens convencionais, a melhor maneira de se controlar a qualidade de construção da barragem seria através do monitoramento da densidade in situ e da poropressão.

Deve-se observar que, em aterros depositados hidraulicamente existe uma concepção clássica de segregação por deposição hidráulica (Vick, 1983). Nessa concepção, considera-se que a permeabilidade diminui à medida que ocorre o afastamento do ponto de descarga, gerando zonas de alta permeabilidade próximas a esse ponto e zonas de baixa permeabilidade distantes do mesmo.

Na verdade, esse gradiente de permeabilidade encontra-se relacionado com a segregação em função do tamanho das partículas. No entanto, neste tipo de análise deve-se observar que a seleção pelo volume da partícula somente ocorre quando a densidade real dos grãos for constante. Considerando-se partículas com diferentes valores de densidade real dos grãos, a seleção pode ocorrer não só por volume, mas também por peso.

Considerando-se a influência desses vários fatores na deposição do rejeito, a distribuição das densidades e porosidades dificilmente obedeceria um modelo sistemático. O que se tem em campo é uma grande variabilidade dessas propriedades geotécnicas, as quais devem receber um tratamento estatístico, de forma a considerar a relevância desta variabilidade no projeto ou na avaliação do comportamento das barragens de rejeito (Espósito & Assis, 1999).

Assis & Espósito (1995), Espósito (1995), Espósito et al. (1997) e Espósito & Assis (1999) apresentam uma metodologia correlacionando inicialmente densidade e depois porosidade com ângulo de atrito efetivo e permeabilidade. Essa metodologia probabilística assume que os parâmetros de resistência e permeabilidade podem ser diretamente correlacionados com as densidades in situ, em caso de aterros uniformes, ou com porosidades, no caso de variação da densidade real dos grãos. Assim, a distribuição das variabilidades seria assumida a mesma entre os parâmetros geotécnicos e as propriedades índices medidas no campo. Sugere-se, então, que o controle de qualidade na execução de barragens alteadas pelo Método de Montante deva ser feito seguindo-se os seguintes passos (Espósito & Assis, 1999): i) medida em campo da variabilidade das massas específicas secas (ρd) e dos grãos (ρs) de

diversos pontos amostrados durante um certo alteamento da barragem;

ii) determinação da porosidade (n) e sua respectiva freqüência de ocorrência, calculada em função da densidade in situ e dos grãos e da umidade natural;

iii) obtenção dos parâmetros geotécnicos do rejeito em laboratório, considerando a faixa de variação das porosidades em campo;

iv) estabelecimento de correlações entre as porosidades e os parâmetros geotécnicos ensaiados;

v) geração das distribuições estatísticas dos parâmetros geotécnicos, assumindo que suas variabilidades são as mesmas da porosidade medida em campo;

vi) cálculo da média e do desvio padrão das distribuições dos parâmetros geotécnicos;

vii) análise probabilística da estabilidade e percolação da barragem de rejeitos, considerando a variabilidade dos parâmetros geotécnicos;

viii) avaliação do comportamento da barragem de rejeitos e análise de risco.

Visando avaliar a aplicabilidade da metodologia acima mencionada, Assis & Espósito (1995), Espósito (1995), Espósito et al. (1997) e Espósito & Assis (1999) apresentam um estudo de caso, realizado na Pilha do Xingu, na Mina da Alegria. Foi realizada uma campanha de ensaios de campo a fim de investigar a variabilidade das densidades in situ. Verificou-se uma distribuição de densidades bastante aleatória, independente dos modelos de segregação por deposição hidráulica. Assim, optou-se por uma análise estatística e probabilística conforme a metodologia acima definida. Os resultados dessas análises visavam o conhecimento do fator de segurança e da probabilidade de ruptura, a qual é função das variabilidades dos parâmetros geomecânicos.

É importante destacar que, como as características do rejeito sofrem variações ao longo da construção da barragem, a metodologia acima definida deve ser acoplada ao chamado Método Observacional. Esse método permite que modificações sejam incorporadas no projeto inicial da barragem a partir da observação do comportamento da mesma durante os alteamentos sucessivos. Analisados os resultados do estudo de caso, chegou-se à conclusão de que a metodologia geotécnica baseada no conhecimento da variabilidade das porosidades in situ e aliada a métodos probabilísticos de projeto, em consonância com análises de tensão- deformação, percolação e potencial de liquefação, é eficiente no controle de qualidade de execução de Barragens de Rejeito e também é de fácil de aplicação, podendo ser facilmente incorporada na rotina de projetistas e mineradoras, garantindo segurança e economia através de tomadas de decisões a cada alteamento (Espósito & Assis, 1999).

Vale ressaltar que a metodologia acima descrita foi desenvolvida e aplicada considerando a distribuição real da porosidade no campo. No entanto, os estudos que estabelecem a correlação entre porosidade e parâmetros geomecânicos, através de ensaios de laboratório, consideraram apenas uma curva granulométrica, com uma determinada composição química, assumida a mais representativa dentro da faixa encontrada no campo. Isso significa que a correlação obtida em laboratório considera somente a dependência entre os parâmetros geotécnicos e a porosidade, não avaliando a dependência desses parâmetros em relação à composição química (% de ferro) e à granulometria do rejeito.

As hipóteses adotadas podem levar a alguns questionamentos. O produto final produzido pelas mineradoras, como já citado anteriormente, é muito variável, visto que o mesmo é determinado pelo mercado comprador. Variando-se o produto final,

consequentemente o rejeito irá apresentar uma variação nas suas características, sendo difícil avaliá-lo dentro de uma única curva granulométrica.

Essa variação nas características do rejeito pode ser notada na Tabela 2.1, onde são mostrados dados de ensaios de laboratório e em campo realizados pela Enge-Rio em 1988 (Espósito, 1995), por Espósito & Assis (1997) e por Espósito et al. (1997).

Tabela 2.1 - Variação das características do rejeito da Pilha do Xingu

CARACTERÍSTICA 1988 1997

Granulometria areia fina e pouco siltosa areia fina a média

Densidade seca mínima in situ 1,4 g/cm3 1,75 g/cm3

Densidade seca máxima in situ 1,8 g/cm3 2,56 g/cm3

Coeficiente de permeabilidade 10-3 a 10-5 cm /s 10-3 cm/s

Densidade real dos grãos - 4,11 g/cm3

Índice de vazios 0,67 0,61 a 1,35

Porcentagem de ferro 50% 49,2%

Coesão efetiva (c’) 0 8,6 (média)

Ângulo de atrito efetivo (φ’) 30º 32,6º (média)

Mesmo acoplando-se o Método Observacional ao Método Probabilístico para o controle de qualidade de barragens de rejeito, a correlação obtida em laboratório pode ser melhor ajustada ao método se for levado em consideração não só a porosidade, como também a variação granulométrica e composição química do rejeito dentro da praia.

Torna-se importante saber se uma variação na faixa granulométrica do rejeito, ainda permitiria a aplicação da correlação obtida em laboratório para uma granulometria representativa. Questiona-se a possibilidade de estabelecer essa relação entre porosidades e ângulo de atrito efetivo e permeabilidade para rejeitos com granulometrias um pouco mais finas ou mais grossas e principalmente, quais as curvas granulométricas inferior e superior que limitariam a aplicabilidade dessa metodologia de controle de qualidade.

Além dessas questões, outro ponto importante a discutir é se a existência de uma porcentagem de rejeitos finos acima da curva granulométrica limite superior inviabilizaria completamente a utilização do método ou se seria permitida a existência de uma determinada fração de finos.

Variando-se a granulometria, mas mantendo-se os estudos dentro de uma faixa granulométrica em que o rejeito pode ser considerado ainda arenoso, outras questões surgem, visto que o comportamento de um solo com características arenosas é influenciado por um grande número de fatores. A influência da porosidade foi bastante avaliada, mas sabe-se que outros fatores tais como a forma, tamanho e resistência dos grãos, estrutura, trajetória de tensões etc. afetam o comportamento de solos arenosos em termos de resistência e permeabilidade. Logo, devem ser considerados no desenvolvimento de uma metodologia para avaliação do comportamento do rejeito.

Outro ponto muito importante está relacionado com a densidade real dos grãos e, consequentemente, com a composição química do material avaliado. Sabe-se, que o comportamento das areias, tipicamente quartzozas, se mostra pouco influenciado por essa característica, uma vez que a sua faixa de variação é muito pequena (2,6 a 2,7 g/cm3). No entanto, ensaios de laboratório mostraram que para os rejeitos, conforme a composição química, a densidade real dos grãos pode variar de 3,81 ± 0,34 g/cm3, não se podendo afirmar a priori que o seu comportamento independe dessa característica como no caso das areias quartzozas.

Tendo em vista todos esses questionamentos, sugere-se que para a elaboração ou calibração de uma metodologia para controle de qualidade de barragens de rejeito, o comportamento do mesmo deva ser estudado detalhadamente, avaliando-se, principalmente, sua mudança de comportamento dentro das possíveis faixas granulométricas.