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2 BARRAGENS E PILHAS DE REJEITO

3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE RESISTÊNCIA DE AREIAS

A resistência ao cisalhamento dos solos é normalmente descrita pelo critério de Mohr-Coulomb (τ = c’ + σ’ tgφ’). Em se tratando de areias, pode-se considerar que sua coesão é, na maioria das vezes, igual a zero, com φ’ normalmente variando entre 25º e 35º (Vargas, 1978).

Contudo, com o desenvolvimento da Mecânica dos Solos, veio a se compreender que essa resistência ao cisalhamento das areias dependia das condições de drenagem e da velocidade em que se desenvolvia o esforço de cisalhamento. Convencionou-se, portanto, que os ensaios de cisalhamento diretos deveriam ser feitos com as amostras submersas em água e com velocidades lentas, em amostras relativamente delgadas, para permitir ampla drenagem da água durante o ensaio (Vargas, 1998).

Para os carregamentos comumente aplicados na área geotécnica, o comportamento das areias limpas pode ser considerado drenado, com rápida dissipação de poropressão, devido a alta permeabilidade que as mesmas apresentam. Quando cisalhadas, as areias apresentam comportamentos diferentes de acordo com o grau de compacidade em que se encontram (Figura 3.1).

A causa principal de deformações em areias é o movimento relativo entre os grãos, exceto para deformações extremamente pequenas onde apenas as deformações elásticas dos grãos predominam. Essas deformações são também importantes na medida em que elas permitem a ocorrência do movimento relativo dos grãos. Quebra e fraturamento de grãos

passam a ter importância significativa para altos níveis de tensões (Lambe & Whitman, 1979). Normalmente, esses dois mecanismos ocorrem simultaneamente durante o cisalhamento.

Densa Fofa δ ∆V(+) (Dilatância) (Compressão) ∆V(-) Densa Fofa τ ε Figura 3.1 - Comportamento de areias durante cisalhamento drenado

Areias no estado fofo tendem a diminuir de volume durante o cisalhamento, devido à redução do índice de vazios. Essa redução pode levar à geração de poropressão positiva durante o momento de ruptura em condições não-drenadas. Se o valor de poropressão for muito alto a ponto de se igualar a tensão total, a tensão efetiva tende a zero e a areia flui. Esse processo é conhecido como liquefação, fenômeno comum em barragens construídas por aterro hidráulico sujeitas a carregamentos dinâmicos, como terremotos ou vibrações. As areias densas, por sua vez, tendem a aumentar o volume na ruptura, caracterizando o fenômeno conhecido como dilatância (Vargas, 1978). Considerando o comportamento de areias fofas e areias densas quando cisalhadas, o que se pode concluir é que existe uma total interdependência entre o ângulo de atrito, o índice de vazios e a variação de volume durante o cisalhamento de uma areia. Quanto à deformação de areias no estado fofo e no estado compacto, Oliveira Filho (1987) cita que a deformação axial de ruptura é maior na areia fofa que nas areias compacta e medianamente compacta devido ao fato de que as areias compactas, por apresentarem maior rigidez de estrutura, mobilizam com menores deformações, a resistência de ruptura.

A resistência ao cisalhamento de areias pode ser decomposta em três parcelas. A primeira é mobilizada pela resistência básica de atrito, que depende unicamente do mineral componente dos grãos de areia. A segunda parcela é desenvolvida pela energia requerida para rearranjar e reorientar os grãos e a terceira é desenvolvida pela energia necessária para causar a dilatância (Ratton, 1993).

De uma forma geral, a resistência drenada de areias é governada por três componentes: o atrito entre os grãos, a dilatância e a quebra de partículas e o rearranjo dos grãos. Ratton (1993) verificou em seus ensaios triaxiais em areias saturadas que, a baixos

níveis de tensões, os ângulos de atrito são consideravelmente diferentes. Já a altas pressões, tanto as areias inicialmente densas como as inicialmente fofas, apresentam essencialmente o mesmo ângulo de atrito, sendo que o valor do mesmo é menor que o máximo atingido por areais fofas sujeitas a baixas tensões. Isso significa que o acréscimo de resistência devido a densificação de corpos de prova inicialmente fofos se anula quando eles são testados a altos níveis de tensões, devido a maior contribuição da quebra e rearranjo dos grãos no ângulo de atrito.

Assim, considerando-se as três componentes que governam a resistência de areias acima citadas, o ângulo de atrito pode ser considerado como constante, apesar de poder variar com as tensões confinantes e a quebra dos grãos. A baixas pressões, a dilatância causa um acréscimo significativo no ângulo de atrito e a quebra de grãos fica progressivamente mais efetiva com o acréscimo da tensão confinante.

Em se tratando de resistência de areias, normalmente o conceito de atrito com o qual se trabalha está relacionado com a condição de ruptura do material. No entanto, é importante destacar também o conceito de ângulo de atrito na condição última. Após sofrer uma deformação considerável, a tensão desviatória e o índice de vazios assumem valores que são independentes do índice de vazios inicial e, nesta condição, as deformações ocorrem sem mudança de volume e com tensão desviatória constante. Essa condição é chamada última, crítica ou residual. O ângulo de atrito nesta condição é chamado φcv e é maior que o ângulo de atrito entre as partículas. Podem ocorrer mudanças de volume ainda em uma escala do tamanho das partículas, mas essas mudanças não afetam o volume da amostra como um todo. Logo, o φcv pode ser tomado como uma propriedade do material, refletindo o efeito combinado do ângulo de atrito entre as partículas e do imbricamento na escala de partículas.

Apesar do fato de que para a maioria dos carregamentos aplicados em geotecnia as areias limpas desenvolvem um comportamento drenado, podem ocorrer algumas situações onde as mesmas podem apresentar um comportamento não-drenado. Essa situação acontece quando as mesmas ficam sujeitas a carregamentos dinâmicos muito rápidos, tais como vibrações por equipamentos pesados ou sismos. Pode-se dizer que o comportamento não drenado das areias é similar ao das argilas e que poropressões positivas e negativas irão se desenvolver, dependendo da tendência da areia de diminuir ou aumentar de volume durante o cisalhamento.

A determinação da resistência não-drenada de areias é normalmente avaliada por ensaios triaxiais não-drenados. Nesses ensaios, o ângulo de atrito em condições não-drenadas

normalmente apresenta um valor nulo. Terzaghi em 1932 e 1936 citado em Bishop & Eldin (1950) explica esse fato através de três princípios básicos:

• as propriedades mecânicas e portanto a resistência dos solos é controlada somente pelas forças entre os grãos;

• a efetiva área de contato entre grãos é desprezível; a poropressão atua igualmente ao redor dos grãos e varia, não afetanto, contudo, as forças existentes entre eles;

• comparada à estrutura do solo, a água é incompressível e sendo assim, as alterações nas pressões aplicadas são totalmente absorvidas pela poropressão, não alterando as tensões existentes na estrutura do solo, a menos que a drenagem seja permitida e consequentemente o volume varie.

Em alguns casos específicos da engenharia geotécnica, deve-se levar em consideração esse comportamento não-drenado de areias, como por exemplo, em aterros hidráulicos. Nesses aterros, a estrutura fofa associada a carregamentos rápidos como sismos ou até mesmo equipamentos utilizados no trabalho, podem gerar um carregamento não-drenado e levar a estrutura à ruptura por liquefação, devido à geração de altos valores de poropressão que se igualam à tensão total e levam a resistência da areia a um valor nulo.

De um modo geral, eliminado-se casos específicos, o comportamento das areias limpas pode ser considerado drenado, em face da facilidade que sua estrutura apresenta para a percolação de água.