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5 OS AGRICULTORES FAMILIARES SEM SUCESSORES DO MUNICÍPIO DE

5.1 CARACTERIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES FAMILIARES

Inicia-se a descrição dos dados da pesquisa de campo, apresentando a caracterização das propriedades familiares sem sucessores, composta por questões relativas à área da propriedade e origem, e processo do trabalho realizado no interior do mesmo.Foram consideradas propriedades familiares sem sucessores àquelas propriedades em que residem apenas os pais, pois os filhos, por distintas razões, já estão encaminhados profissionalmente fora da atividade agrícola ou da propriedade familiar.

No que diz respeito à área de terra média das propriedades, evidencia-se que as mesmas são relativamente pequenos, possuindo entre 2 e 56,5 hectares de área própria, acompanhando os valores médios regionais (Tabela 16). De acordo com Tito (2012), é neste local que se encontra a maior concentração de minifúndios do estado do Rio Grande do Sul, com tamanho médio das propriedades de 15 hectares, predominando, assim, a agricultura familiar.

Analisando o número de propriedades por estratos de área, evidencia-se que o maior percentual (43,5%) possui entre 10 a 20 hectares. Por outro lado, apenas uma propriedade (4,3%) possui mais de 50 hectares.

Tabela 16: Área média, mínima e máxima das propriedades familiares e estratos de área das propriedades. Frederico Westphalen, 2016

Medidas de dispersão Área das propriedades

Média 19,9

Mínima 2

Máxima 56,5

Estrato de área Número de propriedades %

0 a 5 ha 3 13,1 6 a 10 ha 1 4,3 11 a 20 ha 21 a 50 ha Mais de 50 ha 10 8 1 43,5 34,8 4,3 Total 23 100

Fonte: Dados da pesquisa de campo (2016).

Tratando-se da forma como ocorre a obtenção das propriedades, especialmente os familiares, Carneiro (2001) ressalta que as gerações de agricultores os obtêm de variadas formas, dentre as principais destacam-se a herança e a compra de terceiros ou parentes através de acordos familiares que visam, sobretudo, garantir a reprodução econômica e social das famílias. Cabe ainda destacar que a obtenção da propriedade pode ocorrer ainda de formas associadas, constituídas pela associação entre herança e compra.

No caso deste estudo, os agricultores obtiveram suas propriedades basicamente de três formas: somente compra, seguido de somente herança e finalmente associação entre herança e compra, em onze, oito e quatro casos respectivamente. De forma isolada, a obtenção por meio da compra foi a que predominou perante as demais.

Entretanto, de forma conjunta, a maior parte dos agricultores obteve a propriedade ou parte dela através de herança, ou seja, somente por herança ou herança mais compra de parentes e/ou terceiros. Verifica-se assim que o principal meio de acesso à terra tem sido a transmissão geracional (pais para filhos).

De acordo com Spanevello (2008), a obtenção através da herança ocorre quando o pai deixa para o filho sucessor a propriedade, conforme já destacado. Já a aquisição constituída de parte por herança e parte por compra ocorre quando o atual proprietário da propriedade

herdou uma área de terra por conta dos acertos da divisão com os demais irmãos e o restante foi adquirido através de compra.

Ainda a esse respeito, evidenciou-se que em todos os casos de acesso à terra via herança o homem foi o herdeiro, nos quais os atuais proprietários herdaram a propriedade dos pais, ou receberam áreas em outros locais. Ou seja, estes dados confirmam a dimensão de gênero, que já é apresentada na literatura, atestando que a herança de terra privilegia predominantemente os filhos do sexo masculino.

Conforme ressalta Carneiro (2001), as mulheres geralmente não são candidatas a receber a herança da terra porque tradicionalmente seu trabalho na agricultura é visualizado apenas como uma extensão do papel de esposa, não sendo, portanto, reconhecidas socialmente como gestoras da propriedade familiar e “merecedoras” de herança. Diante disso, na divisão do patrimônio, uma das regras costumeiras é recompensar as mulheres com o enxoval composto de roupas de cama, mesa e banho, utensílios domésticos, máquina de costura e vaca leiteira, podendo ter mais ou menos itens de acordo com as condições financeiras dos pais. Deste modo, geralmente o homem acaba sendo o herdeiro.

Em relação ao tempo em que os agricultores estão instalados na propriedade atual, o mesmo é bastante variável. De modo geral, os agricultores residem no local a mais de 30 anos, sendo que a média reside em 32,5 anos. Destes agricultores, o que reside a mais tempo está na atual propriedade há 49 anos e o que reside a menos tempo está a apenas 3 anos.

Neste último caso apresentado, o agricultor e sua esposa continuam residindo na mesma localidade do município, porém, recentemente, adquiriram uma área de terra em um local mais próximo à sede da comunidade, no qual há maior número de vizinhos, tendo em vista que o local no qual residiam anteriormente era mais afastado e praticamente não havia moradores próximos, devido ao esvaziamento do meio rural que já é constatado no local. O agricultor, que sofre de problemas cardíacos, e sua esposa residindo sozinhos, sem filhos, optaram pela mudança, por questões de segurança. Na atual propriedade há produção para o autoconsumo e na antiga propriedade são cultivados grãos em parceria com um vizinho. Este regime de parceria se dá da seguinte forma: como o agricultor não possui os maquinários necessários para realizar os cultivos, o vizinho os fornece e realiza o plantio, cuidados e colheita na área de terra disponível. Possivelmente este fato refere-se a uma estratégia ou arranjo adotado pelos pais diante da ausência de sucessores.

Tratando-se dos processos de trabalho que ocorrem no interior das propriedades familiares sem sucessores, evidencia-se que, embora parte das tarefas seja desenvolvida

através do uso de força de trabalho mecanizada, a importância assumida pela mão de obra familiar é bastante evidente, a qual é escassa devido a saída dos filhos do meio rural.

Diante disso, as atividades são realizadas apenas pelos pais, o que acaba gerando um grande número de atribuições e uma sobrecarga de trabalho aos mesmos. Em apenas dois dentre os casos analisados há contratação de terceiros, porém de forma esporádica, em determinados períodos do ano, a qual é empregada especificadamente na produção de fumo.

O fato de estas propriedades contarem apenas com a força de trabalho do casal faz com que a divisão social do trabalho seja bastante relativizada, tendo em vista que o casal precisa “pegar junto” para dar conta dos afazeres. Sendo assim, as mulheres auxiliam os homens nas atividades ligadas a lavoura e pecuária; em contrapartida, os homens auxiliam as mulheres nas atividades domésticas, cuidado com a horta, pequenos animais e produção para o autoconsumo.

Inclusive, observou-se que as atividades ligadas a gestão, comando e tomada de decisões nas propriedades também são compartilhadas entre os homens e as mulheres. O fato é que a maioria das mulheres possuem benefícios previdenciários, o que acaba proporcionando a elas maior autonomia e poder de decisão nas famílias. Se antes a renda proveniente do seu trabalho era administrada quase que exclusivamente pelo marido, hoje elas são responsáveis pelo próprio dinheiro.

Bianchini (2010) atribui a essa relativização na divisão social do trabalho35 entre homens e mulheres a limitada mão de obra na família, ao contrário do que ocorria no passado, onde as famílias eram numerosas e os filhos representavam uma importante força de trabalho.

Por fim, apresentando uma breve síntese desta seção que abordou a caracterização das propriedades familiares sem sucessores, destacam-se os aspectos mais representativos no quadro 1:

35 Estudos de Carneiro (2001); Paulilo (2004); Brumer (2004); Zorzi, (2008); Hernández (2009), Spanevello et al. (2016) entre outros mostram que, tradicionalmente, os homens e mulheres possuíam papéis distintos nos processos de trabalho.

Quadro 1: Síntese das principais características das propriedades familiares Principais características Aspectos mais representativos

Área das propriedades Entre 2 e 56,5 hectares (média de 19,9 hectares)

Forma de obtenção Herança (podendo ser somente herança ou parte por herança e parte por aquisição).

Tempo de obtenção Maioria mais de 30 anos (média de 32,5 anos).

Mão de obra Familiar (desenvolvido apenas pelos pais). Em virtude da reduzida oferta de mão de obra observou-se que praticamente não há divisão social e sexual do trabalho como ocorria tradicionalmente.

Fonte: Dados da pesquisa de campo (2016).

Dando sequência à caracterização, a seção seguinte tratará das principais características dos agricultores familiares sem sucessores.