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O locus desta pesquisa é o curso de Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba – Campus I. Trata-se de uma licenciatura que passou por mudanças identitárias interessantes.

O curso foi criado pela Lei Estadual n. 341 em 1 de setembro de 1949, autorizado em 1949 e reconhecido em 1955, sendo vinculado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Em 1969, passou a ser a Faculdade de Educação. No ano de 1976, passou a integrar o Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) e, desde sua desvinculação, em abril de 1979, tornou-se o Centro de Educação. De início, o curso funcionava em sistema de créditos e formava Especialistas em Educação: o Administrador Escolar, o Orientador Educacional e o Supervisor Escolar (CENTRO DE EDUCAÇÃO, 2006).

A necessidade de reformulação do curso remonta aos anos 1970, não só na Paraíba como em todo o país, com críticas à concepção curricular tecnicista. Essa mudança somente ocorre em 1996, quando seu currículo passa a ser reestruturado e regimentado pela Resolução Nº 13/1996, do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONSEPE: o grau de Licenciado em Pedagogia passa ser atribuído também ao Magistério em Educação Infantil e Ensino Fundamental. Nesse momento, o curso passou a ter quatro áreas de aprofundamento que o/a estudante deveria cursar no último período: Magistério das Matérias Pedagógicas do Ensino Normal, Magistério em Educação Especial, Magistério em Educação de Jovens e Adultos e Supervisão Escolar e Orientação Educacional (CENTRO DE EDUCAÇÃO, 2006).

Em outubro de 2006, um novo Projeto Pedagógico de Curso (PPC) é estabelecido e vigora até hoje. A docência é considerada a base da formação oferecida aos licenciados/as em Pedagogia que podem atuar como docentes na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em disciplinas pedagógicas dos cursos de nível médio, na modalidade Normal, na Educação de Jovens e Adultos e na Educação Profissional na área de serviços, no apoio escolar e em outras em que disciplinas pedagógicas estejam previstas, no planejamento, na execução e na avaliação de programas e projetos pedagógicos em sistemas e unidades de ensino e/ou em ambientes não-escolares. Também são criadas as áreas de aprofundamento em Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial (CENTRO DE EDUCAÇÃO, 2006).

A caracterização do campo associada à formação da identidade profissional é percebida por meio das transformações destacadas. No início, a formação em Pedagogia habilitava um profissional especializado em funções mais bem demarcadas e separadas por influência do tecnicismo (administrador, supervisor e orientador educacional). Depois, a formação profissional foca no magistério, mas

restrita ao espaço escolar. O referido PPC de 2006 indica que ainda há especial atenção à docência, contudo ampliando o leque de possibilidades para além das tradicionais áreas de gestão, coordenação pedagógica ou magistério no sistema escolar, prevendo até atuações em espaços não escolares.

Assim, fica evidente que o campo e seu currículo atuam como formadores de identidade profissional e é com essa caracterização em mente que se pensarão as representações sociais gendradas dos/as participantes desta pesquisa.

Tomo como currículo a noção que é tudo que se ensina e aprende, na teoria e na prática, assim como os métodos aplicados. É tudo o que se diz sobre ele, mas, sobretudo, trata-se de um campo de luta em torno da significação e da identidade relacionado a que tipo de sujeito se pretende formar (SILVA, 2016). Logo, o currículo estudado, situado no campo escolar/universitário do curso de Pedagogia, incide diretamente na formação da identidade profissional de sujeitos que atuam no campo educacional.

Quanto aos/às participantes da pesquisa escolhi estudantes que frequentaram o componente curricular de Trabalho de Conclusão de Curso I (TCC I), que é ofertado no penúltimo semestre, tendo sido correspondente ao período de 2019.1. Como estão nessa fase do curso, são chamados/as de pré-concluintes. A escolha por tais sujeitos de pesquisa se deu porque intenciono perceber como estudantes que estão finalizando sua trajetória acadêmica de formação inicial, supostamente mais próximos/as ao ingresso no mercado de trabalho, representam sua identidade profissional. Ademais, como ainda frequentam as aulas, tornou-se mais fácil encontrá- los/las reunidos/as em comparação a turmas de concluintes, o que viabilizou a aplicação da técnica de produção de dados.

O questionário aberto foi aplicado nas turmas de TCC I dos turnos da manhã, tarde e noite em setembro de 2019, visando atender ao maior quantitativo possível de estudantes na condição de pré-concluintes. O número de matriculados/as nas turmas de TCC I são: 35 alunos/as no turno da manhã, 18 no turno da tarde e 45 à noite. Isso totaliza um universo de 98 pessoas matriculadas, dados fornecidos pela Coordenação do Curso de Pedagogia da UFPB em 13 de janeiro de 2020. Sendo assim, apliquei o questionário a 47 pessoas o que representa quase 48% do universo, conforme detalhado por turno no Gráfico 1.

GRÁFICO1-PERCENTUAISDERESPONDENTES PORTURNO

Fonte: Produzido com base nos dados da aplicação do instrumento, 2020.

Já ao perguntar às professoras e ao professor responsáveis por cada uma das três turmas qual era em média a efetiva frequência dos/das estudantes às atividades do componente, a professora da manhã revelou que 30 estudantes eram regulares na presença em aula, a professora da tarde disse que o número de estudantes regulares estava entre 10 a 15, enquanto o professor da noite informou que, apesar de haver 45 alunos/as matriculados/as, em média, frequentavam suas aulas de 28 a 30. Logo, o público possível de alcance por frequentarem as aulas girava em torno de 75 estudantes, o que torna minha amostra de 62,6%.

Como se pode perceber, a amostra retrata entre 40% a 60% dos/as matriculados/as que frequentaram as aulas durante a quinzena do mês de setembro em que efetuei a coleta e que se dispuseram em colaborar com a pesquisa.

Quanto à identificação de gênero, 39 pessoas se identificaram como mulher ou feminino, 7 como homem ou masculino e 1 pessoa não informou. Optei por colocar no questionário de identificação, no lugar do tradicional sexo, a palavra “identidade de gênero”, visando abranger o maior número de identificações possíveis e para fugir dos estereótipos binários. Contudo, os resultados nessa questão foram binários.

No momento da aplicação do questionário, essa foi o item que mais gerou dúvidas nas três turmas na fase de identificação dos sujeitos. Em todas elas, ao menos uma pessoa fez uma pergunta sobre o que era para identificar ali. Essa observação me fez confirmar mais uma vez que o conceito de gênero é de difícil sensocomunização (CARVALHO, 2010).

Por turmas, os/as respondentes foram: pela manhã, 4 homens e 14 mulheres; à tarde, 10 mulheres e nenhum homem; e à noite 3 homens, 14 mulheres e 1 pessoa que não se identificou. Deixo claro que, quando faço as análises comparando homens e mulheres, os dados produzidos por este/a último/a participante foram desconsiderados, resultando comparações entre 46 sujeitos.

A proporção em porcentagem é de, aproximadamente, 83% de mulheres, 15% de homens e 2% não identificado. Esse número retrata uma amostra feminilizada e possui relação porcentual entre homens e mulheres semelhante à do próprio curso no geral, conforme já indicado na introdução deste texto.

Quanto às idades, a de maior incidência foi de 22 anos (8 participantes, o que corresponde a 17%). As idades variam, no geral e entre as mulheres, de 20 até 59 anos. Os sete homens possuem idades distintas e indicaram que têm 20, 21, 24, 28, 35, 50 e 54 anos. Cerca de 55% dos/as participantes possuem idades na casa dos 20 anos e os outros 45% variam entre 30 a 59 anos. Isso mostra um público etário diversificado. O Gráfico 2 ilustra esses dados.

GRÁFICO2-RESPONDENTESPORSEXOEIDADE

Fonte: Produzido com base nos dados da aplicação do instrumento, 2020.

Sobre ter outra formação, apenas 7 pessoas indicaram possuir (5 mulheres e 2 homens). Logo, os sujeitos, em sua maioria, estão em sua primeira formação profissional. 0 1 2 3 4 5 6 7 8 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 48 50 52 54 56 58

Entretanto, é preciso dizer que há estudantes dessa Licenciatura já inseridos/as no mercado de trabalho antes mesmo de finalizarem seus percursos formativos, como se verifica no Gráfico 3.

GRÁFICO3-TOTALDERESPONDENTESQUE TRABALHAM

Fonte: Produzido com base nos dados da aplicação do instrumento, 2020.

Constata-se que 47% dos/as participantes já estão no mercado de trabalho e que na turma da noite a porcentagem chega a 79% de trabalhadores/as, sendo 11 mulheres do universo de 14 e dois homens do universo de três. De forma geral, 46,3% das mulheres já estão inseridas no mercado de trabalho, enquanto que os homens trabalhadores são 71,4%. Conforme se percebe, quase metade dos sujeitos trabalham. Esse dado está em consonância com a minha experiência de estudante do curso.

Os dados demonstram que o trabalho se impõe mais frequentemente ao homem, a quem a cultura sexista atribui a função de provedor principal de uma família. Já para as mulheres, essa obrigação não se impõe tão imperativamente (LAMOUREUX, 2009), embora elas também entrem no mercado de trabalho para apoiar o custeio de uma casa e/ou família e/ou para prover suas próprias necessidades. O Gráfico 4 detalha esses dados por turno:

47% 53%

SIM NÃO

GRÁFICO4-RESPONDENTESQUETRABALHAM PORTURNO

Fonte: Produzido com base nos dados oriundos da aplicação do instrumento, 2020.

O turno da noite apresenta o maior número de estudantes trabalhadores, sendo comum a escolha deste turno para viabilizar o exercício profissional durante o dia. Assim como outros cursos das ciências humanas e sociais, com destaques para as licenciaturas, Pedagogia é um curso que é ofertado no turno da noite atraindo estudantes trabalhadores e de baixa renda. Nesse sentido:

[...] a formação de professores sempre foi relegada às partes menos prestigiadas desse sistema. Atualmente, a mesma formação é feita nos cursos noturnos de licenciatura nas universidades públicas ou nas licenciaturas em instituições particulares. Todos eles, ou quase, são destinados aos alunos que são os primeiros de suas famílias a ter acesso ao ensino superior. [...] Isso tudo indica que todo o sistema, ainda que revestido de todos os parâmetros de igualdade e legitimidade, continua sendo afetado, em seu funcionamento, por critérios alheios ao sistema meritocrático, como bem tem demonstrado a literatura sociológica contemporânea sobre o nível de desigualdade do acesso aos sistemas de ensino superior, devido a fatores relacionados à origem social das pessoas (PRATES; BARBOSA, 2015).

Não só no período noturno a inserção profissional do/a estudante de Pedagogia ocorre, comumente, no decorrer do curso, muito influenciada pelo fator econômico já mencionado. Dubar (2005) trata da identidade de estudantes assalariados ao fazer um contraponto com a realidade dos estudantes do passado. Nos anos 1960, argumenta que a identidade estudantil era definida por uma espera construída em torno da formação e do período de estudo, pois os/a estudantes eram da classe burguesa. Contudo, a partir da década seguinte, com a transformação radical das condições da inserção profissional – no sentido de um prolongamento generalizado,

7 2 13 11 9 5

MANHÃ TARDE NOITE

o fortalecimento do privilégio relativo dos/as estudantes no acesso ao emprego, somado à democratização relativa do acesso às diversas formas de Educação Superior – mudou essa identidade, crescendo o número de estudante que ultrapassam a “idade normal” nos estudos e que precisam trabalhar para auxiliar suas formações.

Todavia há uma dimensão que deve ser destacada, é a existência de pessoas que já estão inseridas no universo profissional educativo e buscam nesta licenciatura um meio de legitimar sua posição de emprego por meio do diploma. Do universo dos sujeitos que trabalham, 72,7% trabalham na área da educação, principalmente no exercício do magistério (76,7% das mulheres e 60% dos homens). A presença desses profissionais sem formação no mercado de trabalho educativo comprova a existência de problemas enquanto categoria profissional, pois desvaloriza o diploma e impõe condições de trabalho mais precarizadas.

Em consonância com o exposto, estes/as estudantes podem conjugar em si o que Oliveira (2011) chama de identidades profissionais em formação e em exercício. Essa autora, ao fazer um estudo etnográfico, percebeu distinções entre a identidade de quem ainda estava em formação, sendo esta mais idealizada e de alta valorização do futuro profissional construída sob o olhar do/a professor/a e dos demais colegas de curso e ainda muito atravessada pela sua identidade escolar, daquela de quem já está no mercado de trabalho, que se torna mais envolvida no reconhecimento do caráter dinâmico, crítico e de alta responsabilidade da profissão. No caso, as identidades profissionais analisadas dos/as participantes desta pesquisa estão atravessadas pelas identidades em formação e em exercício.

A identidade profissional percebida em estudantes que ainda não trabalham somente se completará na efetiva socialização profissional que proporcionará a conversão identitária, pois só na prática é que o processo de dupla identificação da dimensão objetiva e subjetiva se completa, ainda que se trata de um processo sempre inacabado, em contínua negociação. As representações sociais dessa identidade ainda não chegaram ao seu último nível da objetificação, o da naturalização, pois ainda não se materializaram na realidade dos/das estudantes que não trabalham. Já os/as que trabalham poderiam apresentar a identidade em exercício já socializadas, principalmente os/as já inseridos/as na área da educação. Embora a presença desses sujeitos no mercado de trabalho demonstre problemas para a categoria profissional,

eles/as poderão possibilitar visualizar o confronto destas duas identidades nas análises.

“É no exercício da profissão que os pedagogos vão ajustando a sua identidade, tendo como parâmetros as formulações da legislação, as certezas da sua formação e as incertezas que a realidade vai lhes impondo” (POOLI; FERREIRA, 2017). Por isso, as análises dos resultados confrontam essas identidades. Por ora apresento a técnica, o instrumento de pesquisa, as impressões quanto à aplicação e o plano de análise.

2.2 Levantamento representacional: características e a construção do