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O conceito de identidade está intimamente relacionado a representações sociais e, estas por sua vez, estão relacionadas à cultura, conforme exposto. Nesse

sentido, Canclini (2015, p. 41) traz como uma possível definição operacional que “cultura abarca o conjunto dos processos sociais de significação ou, de um modo mais complexo, a cultura abarca o conjunto de processos sociais de produção, circulação e consumo da significação na vida social”. Esta é uma definição consoante a que adoto e exponho logo no início deste texto, pois se trata de um mundo de significações e de sentidos que constituim a cultura. O autor dá a esse conceito o nome de definição sociossemiótica da cultura. Embora o autor esteja preocupado com as reelaborações interculturais de sentido que afetam as identidades em meio aos intensos deslocamentos da globalização, é interessante sua ideia de que, ao estarem em constantes transformações, as identidades coletivas são muito mais vestimentas do que pele.

Por sua vez, Hall (2002) compartilha da ideia ao defender uma concepção pautada na pós-modernidade, que rompe uma identidade fixa e a pensa de forma fluida, cambiante, múltipla e diversa. A identidade pós-moderna pensada pelo autor critica a sensação de que “alguém é” e ajuda a compreender que “alguém está”. Trata- se de estados que não são permanentes, pois da mesma forma que o mundo muda drástica e rapidamente, as pessoas também acompanham essas transformações. O autor ressalta que estamos em constantes relações de poder, interesses, reconhecimentos, representações que se modificam de acordo com o tempo, espaço e níveis de compreensão sobre si e/ou sobre o grupo.

A ideia identitária de Hall (2002) sugere que as representações sociais da identidade profissional de estudantes em formação estão circunscritas a um tempo e espaço e não são estáveis ou imutáveis. Ou seja, a identidade profissional aqui analisada diz respeito a participantes situados em um contexto específico.

Apesar de Hall (2002) defender a fragmentação, a transitoriedade e a multiplicidade identitária e considerar que as identidades não se fixam a partir de um eu coletivo, é preciso salientar que, para se construir uma identidade, é preciso ter fechamentos temporários, arbitrários e parciais. São pontos de adesão mais ou menos efêmeros que tranquilizam a pessoa diante de suas incertezas. São buscas pelo equilíbrio que envolvem processos de negociação diante de demandas contínuas de desacomodação. Esses fechamentos são necessários para criar uma comunidade de identificação (HALL, 1997).

Hall (2003) utiliza o termo identificação como uma forma de minimizar problemas conceituais, pois a identidade para ele é fluída, fragmentada e múltipla. A

identificação se dá no reconhecimento de algumas características de origem comuns e compartilhadas com outras pessoas, grupos ou nações.

Ele entende que identidades são posições que as pessoas são obrigadas a ocupar, uma vez que sempre “sabem” (neste ponto a linguagem da consciência nos trai) que são representações, e as representações sempre se constroem por uma falta, desde o lugar do outro, e por isso nunca são idênticas aos processos subjetivos investidos nela. Assim, evidencia o processo e o efeito do fato de que uma “sutura eficaz” do sujeito a uma posição subjetiva requer, além da convocação dele/a, que ele/ela seja investido na posição. Ou seja, a sutura que representa a identificação deve ser pensada como uma articulação e não como um processo unilateral (HALL, 2003).

É nessa articulação entre fechamentos temporários, arbitrários e parciais que pretendo compreender a formação dessa comunidade de identificação profissional do pedagogo e da pedagoga. Aqui, apesar de não trabalhar com uma noção rígida de uma identidade unitária, busco perceber como se aproxima nas representações sociais dos sujeitos de uma percepção identitária coletiva de pertença profissional tal como pensada por Dubar (2005).

A identidade profissional é uma das muitas facetas identitárias que um sujeito pode assumir e seu conceito não é só potente, mas necessário como um referencial analítico. Objetivo perceber as representações que circundam esta identidade sociocoletiva, ou seja, o que compartilham os sujeitos quanto à representação da identidade de pedagogo/a. Um dos autores mais reconhecidos nesse campo conceitual é Claude Dubar.

Identidade, para Dubar (2005), é a forma pela qual o indivíduo expressa o seu mundo interno e esse mundo na convivência com os outros. Para ele, cada configuração identitária é resultante de uma dupla transação: uma objetiva e uma subjetiva. A objetiva é entre os indivíduos e as instituições, enquanto que a subjetiva é entre o indivíduo e uma mudança sua de ordem subjetiva ou com seu próprio passado. Isso gera os estados de reconhecimento ou não reconhecimento: na esfera objetiva, da identidade atribuída pelo outro; e, na esfera subjetiva, da identidade para si, construída a partir de continuidade ou ruptura entre o indivíduo e seu passado.

Ao também articular o uso das reflexões em torno da identidade por Dubar e Hall, de Sousa Maria e Fontoura (2015, p. 112) afirmam que esses autores “dialogam quando afirmam que os itinerários identitários não são fixos, mas passíveis de

mudanças e alterações nos percursos a partir das construções subjetivas e das relações sociais que os sujeitos estabelecem”. Ou seja, destaco que Dubar (2005), em consonância com a ideia de sujeito fragmentado de Hall (2002), assevera que as identidades estão em movimento entre estruturações e desestruturações de maneira a gerar “crise de identidade”.

O sujeito vive nessa tensão entre a identidade para o/a outro/a, na busca pelo reconhecimento e a identidade para si, entre a continuidade ou ruptura de seu passado. Isso quer dizer que as identidades sociais e profissionais típicas não são nem expressões psicológicas de personalidades individuais, nem produtos de estruturas econômicas que se impõem a partir de cima, mas sim construções sociais que implicam a interação entre trajetórias individuais e sistemas de trabalho e sistemas de formação (DUBAR, 2005).

Assim, Dubar (2005, p. 329) atribui especial importância ao papel da socialização na construção dessas identidades coletivas: “[...] identidades profissionais e sociais, associadas a configurações específicas de saberes, são construídas por meio de processos de socialização cada vez mais diversificados”. É na relação com o/a outro/a que a imagem identitária de uma profissão se constroi, logo exalto a íntima relação deste conceito com a representação social.

A identidade profissional tem sua representação social alimentada por meio de processos de comunicação de grupos que se dão em contexto de socialização profissional. O indivíduo aprende a se ver como profissional, ou seja, identifica-se com uma profissão, não só no momento de formação inicial ou por deter certas competências, mas é também na constante e permanente relação com o outro em contexto laboral, entre reconhecimentos e não reconhecimentos e continuidades e rupturas, que o sujeito aprende/apreende a representação social de sua profissão e a toma para si. No eixo de interdependência entre a identidade para si – governo de si – e identidade para o/a outro/a – como o eu desejo ser visto/reconhecido pelo/a outro/a –, em meio a disputas e tensionamentos, é que se dá a construção da identidade profissional do grupo.

As identidades profissionais estão imbuídas de particularidades inerentes aos grupos, identificando-se a partir das representações sociais dos sujeitos que compõem esses grupos, bem como das representações sociais dos outros grupos sociais e profissionais com os quais interagem. Elas são construídas como pontos de referência da profissão, sendo influenciadas pelas dimensões funcionais, contextuais

e identitárias, além das socioeconômicas, culturais, simbólicas (aqui inclusa a de gênero) e profissionais em constante mutação e instabilidade (FIALHO, 2017).

Logo, é possível concluir que o que define certa identidade profissional é sua própria representação social construída em contexto formativo e de prática. Fica evidente a relação entre representações sociais e o conceito de identidade profissional pensado por Dubar (2005). Essa relação de uma representação que está no coletivo, no sentimento de pertença ao grupo e no íntimo cognitivo e afetivo de cada um se evidencia quando o autor fala que a identidade é constituída na relação intercruzada do (não) reconhecimento da identidade atribuída pelo outro e com o rompimento ou continuação da relação da pessoa com suas mudanças e com sua subjetividade.

Coelho Filho e Ghedin (2018), quando analisam a identidade docente, trazem alguns contributos para pensar a identidade do/a profissional de Pedagogia. Ressaltam que, apesar da identidade profissional se constituir durante toda a experiência laborativa, o processo formativo inicial possibilita uma construção dessa identidade na medida em que instrumentaliza os sujeitos com um conjunto de saberes, conhecimentos e experiências teóricas e práticas na trajetória formativa. Eles asseveram que essa construção da identidade docente é anterior ao ingresso na Educação Superior tendo início na relação discente-docente quando este/a figurava na posição de estudante, mesmo que inconsciente num processo mimético, performativo e representacional. Assim, essa identidade precoce se integra a saberes e posturas de seus/suas formadores/as que trabalham na sua formação inicial e continua, mais intensamente na socialização profissional, haja vista que ela é:

[...] processo muito geral que conecta permanentemente situações e percursos, tarefas a realizar e perspectivas a seguir, relações com outros e consigo (self), concebido como um processo em construção permanente. É por esse e nesse “drama social do trabalho” que se estruturam mundos do trabalho e que se definem os indivíduos por seu trabalho (DUBAR, 2012, p. 358).

Vale salientar, aqui, que esse processo de socialização não se dá apenas no trabalho em si, mas também nos contextos formativos como durante o curso de Pedagogia, campo da minha pesquisa.

Em síntese, a identidade profissional que aqui busco é o processo de identificação (inicialmente em um contexto formativo) entre: 1. O que é suposto teórico/legalmente ser feito em uma profissão e o que de fato é feito; 2. O que a pessoa faz e como ele/a se reconhece no que está a fazer; 3. Como ela se reconhece

subjetivamente entre teoria e prática do que é feito e como o/a outro/a a reconhece. 4. Como o/a outro/a a reconhece e como culturalmente é representado o valor do que é feito. Essas quatro dimensões do processo de identificação se apresentam de forma cíclica por meio das representações sociais que se dão de forma contextual e relacional e, por isso, interpeladas pelo gênero.

São contextualizadas em: 1. Uma prática curricular referenciada por uma política educacional em vigor; 2. A experiência curricular do sujeito em interação com seus pares; 3. Como ele/a significa seus aprendizados e os compartilha com seus pares; 4. No reconhecimento social da profissão. A experiência curricular e os significados dos aprendizados, em meio aos pares, sendo a grande maioria mulheres, e a história do desenvolvimento social da profissão, ou seja, sua feminização, são e foram atravessados pelo gênero.

Vale lembrar estabelecer que o gênero, na perspectiva de Scott (1995), é elemento constitutivo dessa identidade profissional formada nas articulações de fechamentos temporários, fundadas na relação da identidade para si e da identidade para o outro. Dentre os vários processos de negociação na formação dessas representações sociais em que a identidade profissional se insurge, gênero é importante fator de produção uma vez que está relacionado às relações de poder em disputa.

Sendo assim, em busca de compreender tal identidade profissional e, consequentemente, como gênero a atravessa, é preciso buscar explorar as representações sociais dos/as estudantes de Pedagogia sobre sua profissão. Para isso o próximo capítulo explicita as técnicas de produção de dados e de análise escolhidas.

2 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo, traço o percurso metodológico da pesquisa, delineando o método, o campo, os sujeitos, a técnica e o instrumento, as estratégias e os procedimentos, além do plano de análise.

Tendo em vista a elaboração teórica apresentada e o uso de seus conceitos centrais, a pesquisa que se desenvolve é de natureza quanti-qualitativa, justificada pela própria natureza do fenômeno social estudado, que conjuga os dados de incidência e a ordem de evocação representacionais, mas busca significados pertencentes à subjetividade dos sujeitos para além dos números.

Flick (2009, p. 22) diz que pesquisas quantitativas são aquelas que buscam operacionalizar relações teóricas, medir e quantificar fenômenos. Destaco que os dados que serão produzidos por meio do instrumento construído para este estudo demandam análises quantitativas, mas é necessário um olhar qualitativo aos resultados em busca de significações e sua respectiva construção simbólica.

O autor, ao assumir a variabilidade de abordagens e métodos na pesquisa qualitativa, admite a possibilidade de questionário aberto como técnica, desde que o ponto de vista subjetivo sobre os resultados seja ponto de partida. Esta, além de ser uma pesquisa que parte da subjetividade dos sujeitos, está situada em duas escolas que Flick (2009) destaca como importantes para a pesquisa qualitativa: os Estudos Culturais e os Estudos de Gênero.

Para tanto, a técnica escolhida foi o Levantamento Representacional de Tsoukalas (2006) que foi aplicado a um total de 47 estudantes nos três turnos do curso de Pedagogia da UFPB Campus I em setembro de 2019. A seguir caracterizo o campo e os/as participantes, depois exponho as características da técnica, da aplicação do instrumento e do movimento das análises.