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Caracterização do local a visitar e a experiência da visita

8 Lugares a visitar

8.1.3 Caracterização do local a visitar e a experiência da visita

O local a visitar é um largo organizado por uma praça dominada por uma igreja, o que nos apresenta estratégias especíicas de visitação. Aqui, a proposta será de duas possibilidades de abordagem: a primeira é a visitação da praça com a observação externa da igreja (sua facha- da, situação na praça etc.), e a segunda incluindo a igreja pensada também no seu interior.

instituição a ser visitada. Para que o interior da igreja e as atividades que ali se desenvolvem sejam conhecidos na visitação, é preciso consultar horários de funcionamento e a abertura da instituição para registros como fotograias e gravação de áudio.

A data e horário em que a visita ocorre também deve ser objeto de relexão. As impressões aqui apresentadas foram colhidas a partir de uma visita no Largo do Paissandú em 14 de setembro de 2014, um domingo, a partir das 08h00, o que apresenta um cenário especíico: circular no centro de São Paulo nos inais de semana, especialmente aos domingos, é bastan- te diferente de executar a mesma ação durante a semana. A quantidade de pessoas por ali é bem menor aos domingos e é possível observar com mais detalhes alguns elementos do local. Entretanto, a própria dinâmica de circulação ampla do local, conforme descrito acima, não pôde ser observada na visita. Ainda, há outros pontos a considerar, como as datas festivas. Ir ao Largo do Paissandú nos feriados comemorativos da abolição da escravatura, da consciência negra ou no dia nacional de tradições de matrizes africanas proporcionaria uma experiência na qual a expressão simbólica do lugar no seu uso pela comunidade negra de São Paulo esti- vesse bastante ativa, o que não se observa necessariamente no cotidiano.

O horário especíico também deve ser considerado. Sabemos que há luxos de circulação mais ou menos intensos ao longo de certos dias da semana dadas as condições cotidianas de deslo- camento relacionadas à jornada de trabalho. No período matutino, o deslocamento de regiões periféricas para regiões centrais é intenso, ocasionando certa aluência consistente de pessoas no centro urbano em regiões como a do Largo do Paissandú. O horário do almoço e da saída do trabalho, de retorno à casa em regiões distantes ou a busca de lazer noturno e mesmo a ida a instituições de ensino marcam esses luxos. Dessa forma, o horário especíico da visita pode oferecer àquele que vive a experiência da observação de um local cenários especíicos. Quanto ao edifício da igreja, ele é pintado com uma cor amarela bem forte, destacando-se na paisagem da praça. Ao chegar, ele é o elemento mais visível do conjunto. O estilo arqui- tetônico é neorromânico, com torre central associada à fachada principal, situada frente à esquina do Largo do Paissandú com a Avenida São João. Sua fachada está repleta de picha- ções, assim como quase todas as construções que constituem o conjunto da praça: além da igreja, a base da estátua, os pontos de ônibus e algumas muretas delimitativas dos canteiros, que estão dispostos em torno do edifício da igreja que domina a parte central da praça, e são caracterizados por espécies diversiicadas de árvores, além de outras que foram plantadas iso- ladamente. O calçamento da praça é feito com “pedras portuguesas” brancas e avermelhadas formando desenhos geométricos. É possível notar que, enquanto a igreja possui uma fachada mais tradicional ligada a um estilo historicista (o neorromânico), o desenho do mosaico em pedras portuguesas no calçamento, os recortes dos canteiros (especíicos e assimétricos), e a própria estátua da Mãe Preta possuem uma proposta diferente, mais modernista que histori- cista, criando-se, assim, um conjunto variado de estilos que compõem a praça.

Esse elemento é importante já que há duas propostas diferentes de circulação no local: uma delas é a ligada ao culto na igreja que, como se sabe, em contexto cristão é situado no interior do templo. Assim, as atividades da igreja são amplamente concentradas nesse contexto. Já a proposta de ampla circulação em espaço público, o que inclusive possibilita as concentrações de pessoas em manifestações e a circulação diária daqueles que passam pela praça, está mais ligada à ideologia modernista de produção de espaço. Dessa forma, além de estilos diferentes, percebe-se lógicas diferentes de circulação presentes no mesmo local.

O conjunto caracterizado por construções de períodos diferentes proporciona certos proble- mas de visibilidade. Por exemplo, os pontos de ônibus de concreto armado situados na praça bloqueiam em parte o acesso visual da fachada da igreja. Nesse conjunto, a situação de estátua da Mãe Preta é discreta: ela está disposta na parte posterior da igreja entre dois canteiros. Associados à estátua é possível ver lores depositadas e uma concentração de pertences de moradores de rua que eventualmente aparecem. Reforçando o caráter variado e público de circulação do local, na praça, há ponto de troca de bicicletas (não havia nenhuma bicicleta por ali no contexto desta visita) e ciclovia que conecta o Largo do Paissandú com a região do Anhangabaú. Veriica-se, ainda, acesso identiicado a deicientes visuais relacionados às faixas de pedestres contíguas à praça.

Percebe-se o caráter público de circulação reforçado por elementos como o próprio padrão de desenhos do calçamento da praça acima descrito. O desenho geométrico estruturado pela técnica de pedras portuguesas é encontrado, além do Largo do Paissandú, em áreas de circula- ção pública na região: em várias calçadas e calçadões relacionados à Avenida São João existe o mesmo tipo de calçamento com padrões geométricos, inclusive no trecho que conecta o Largo do Paissandú à Praça do Correio e que se estende até o Vale do Anhangabaú. Há, nesse sentido, uma noção de conjunto criada pelo poder público baseada em certa uniformidade destacando a função de circulação, ratiicando a característica cívica desses espaços. Assim, a experiência de observação desse espaço indica uma tensão entre o público em contexto repu- blicano, ligado à ampla circulação e mesmo concentrações populares, noção de organização popular própria de meios urbanos e que remontam a formas de apropriação do espaço público presentes já no contexto da Revolução Francesa por exemplo. De outra forma, há a frequenta- ção pública do templo sagrado ali presente no Largo do Paissandú, onde a circulação e gestos são mais controlados. Dessa forma, é interessante pensar na segunda estratégia de visitação desse local, incluindo também a visitação da igreja.

Como dito, o edifício religioso domina a paisagem da praça. Externamente, quase monocro- mática (predomina o amarelo forte, com molduras em branco, teto em tom marrom e esver- deado na torre), internamente a construção é mais colorida: as cores amarelo claro, rosa, azul predominam na organização de trechos pintados, molduras e de uma grande quantidade de padrões e iguras religiosas pintadas nas paredes, compondo um espaço interno ricamente or- namentado. Ali, a celebração das missas acontece diariamente, exceto aos sábados, em vários horários. O que acompanhamos foi a missa iniciada às 08h30 e teve aproximadamente uma hora de duração. O espaço interno não é muito amplo, e quase completamente ocupado por uma parte posterior e central onde é situado o altar e por bancos nos quais os iéis se dispõem no contexto da celebração da missa. Nas paredes, em nichos, há estátuas de santos negros (São Benedito, Santo Antônio de Categeró e Santa Eigênia).

Apesar da forte ligação histórica dessa paróquia com populações negras de São Paulo, presen- te em alguns signos claros de referência como os santos citados, os iéis que acompanhavam a missa, em número relativamente pequeno, era de composição étnica variada. Nesse sentido, é possível observar que a restrição original do culto nessa igreja, relacionada à distinção interna nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário entre negros e brancos, não tem aplicação prá- tica no plano da longa duração. Não se pensa, é claro, na manutenção da distinção ao longo do tempo, mas de uma eventual tradição ligada especiicamente à comunidade negra, o que não foi observado nessa visita, apesar de serem conhecidas celebrações intimamente ligadas à

A experiência nesse espaço interno, assim, indicou uma descontinuidade da sensação no es- paço exterior, marcada pela ampla iluminação solar e circulação de populares. Ali dentro, inspirando certa circunspecção e retraimento, o espaço bem mais escuro é iluminado por um candelabro central pendurado no teto, algumas lâmpadas e pela luz externa que atravessa as janelas (rosáceas) com vitrais igurativos coloridos. O gesto é ritualizado e o texto relacionado à liturgia institucional. Além disso, a participação nesse ritual é marcada pela aceitação de uma identidade cristã, católica. O controle da ação das pessoas nesse meio interno revela, ain- da, uma preservação material mais forte da região interna do edifício, mas é possível observar certo estado de degradação em alguns elementos arquiteturais.