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1 Existe racismo no Brasil? 1.1 O racismo brasileiro

Em 1995, o Instituto Datafolha fez um amplo levantamento sobre racismo no Brasil e com- provou que 89% dos brasileiros airmam que existe preconceito de cor contra negros, mas somente 10% conirmam que têm um pouco ou muito preconceito. Entretanto, de forma indireta, 87% dos entrevistados concordam inteiramente ou parcialmente com enunciados preconceituosos em relação aos negros. Em suma, “os brasileiros sabem haver, negam ter, mas demonstram, em sua imensa maioria, preconceito contra negros” (RODRIGUES, 1998, p. 11). Há um racismo velado, não revelado publicamente, mas que se efetiva em palavras e atos especialmente em contextos de inferiorização do outro, situações de conlito, disputas, des- conianças, ameaças hierárquicas e medo de perda de poder em relação ao outro classiicado como negro, indígena, imigrante, entre outros.

Criamos historicamente uma autoimagem de uma sociedade mestiça, híbrida de brancos, negros e índios. Bastante diferente de outros imaginários nacionais centrados numa nação branca, como a Inglaterra, França ou Argentina. Somos vistos como majoritariamente mes- tiços, morenos, mulatos, cafuzos, mamelucos. Essa miscigenação ultrapassou as barreiras de cor ou raça e os brasileiros geralmente se enxergam como sendo menos racistas do que os estadunidenses ou os sul africanos, uma vez que naqueles países não houve uma mestiçagem tão intensa como aqui e foram, inclusive, instituídos regimes legais e políticos de segregação racial. Para Oracy Nogueira, no Brasil predomina o preconceito de marca ou cor da pele e nos Estados Unidos o preconceito de origem, ligado à ascendência hereditária de uma pessoa. O preconceito de marca, centrado na aparência, permite mais a assimilação e a mestiçagem vi- sando o branqueamento, enquanto o preconceito de origem tende a ser mais segregacionista. No Brasil, se o indivíduo é mestiço claro, independente que os pais e avós sejam negros, ele so- frerá menos preconceito racial. Nos Estados Unidos, a pessoa pode não revelar nenhum traço negróide na aparência, mas se sabe que em sua origem há pessoas negras, ela será considerada negra e sofrerá os mesmos preconceitos (NOGUEIRA, 2006).

PARA REFLETIR

Nossa mestiçagem, cordialidade, hospitalidade e informalidade teriam sido antídotos importantes de combate ao racismo? Caro (a) leitor (a), você concorda que o Brasil é um país menos racista que outras nações, tais como os Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha? Ou o Brasil é um país racista como os outros países? Os brasileiros teriam uma espécie de duplo código de conduta em relação ao racismo? Não se concebem como racistas, mas na prática social são racistas? Qual a origem desse racismo contra o negro? Como se manifesta o racismo na sociedade brasileira?

O Brasil de hoje é herdeiro de uma sociedade colonial e imperial escravocrata, onde o negro ocupou fundamentalmente a posição de pessoa escravizada. O Brasil em 1888 foi o último país a abolir a escravidão nas Américas. Um abolicionismo incompleto, que não permitiu in- cluir o negro na ordem social capitalista (BASTIDE; FERNANDES, 2008).

O negro livre se tornou marginalizado no mundo rural e urbano do inal do século XIX e início do século XX. Durante grande parte da República brasileira os negros ocuparam especialmen- te posições sociais subalternas no mundo do trabalho, estavam muitas vezes completamente excluídos de trabalhos formais e continuaram sendo discriminados e criminalizados em suas práticas religiosas, culturais e esportivas. Por exemplo, a capoeira e as religiões afro-brasilei- ras foram bastante perseguidas, proibidas e condenadas pelas elites brancas e pelo próprio Estado brasileiro durante muito tempo.

A escravidão negra deixou marcas profundas de discriminação em nossa sociedade, inclusive escutamos insultos raciais atuais exigindo que os negros e negras voltem “para a senzala”. Mas será que o racismo contra o negro brasileiro atualmente só existe por causa do “tempo do cativeiro”? Há pessoas racistas que nem sabem e nem mencionam esse contexto. Elas air- mam que não gostam de “negros”, tem raiva dos “pretos” e que estes são “fedidos”, “sujos” e “preguiçosos”. O racismo opera cotidianamente por meio de piadas, causos, ditos populares etc. Ainal de contas, temos uma variedade de expressões correntes na língua portuguesa re- cheadas de racismo contra os negros.

Primeiro, já airmamos, na unidade anterior, que o racismo contra o negro ou o indígena é produto da modernidade. Filho da colonização e da escravidão. Mas, na escravidão antiga na Grécia e Roma também não havia negros escravizados? Não, prezado (a) cursista, a escravi- dão antiga era sobretudo por dívidas e guerras e os escravos eram recrutados em diferentes povos, tudo indica que não havia nenhuma referência à cor da pele. A associação entre cor negra e escravidão foi produzida no mundo moderno, devido ao modo como os africanos en- traram nesse empreendimento colonial. Basta imaginarmos: se os africanos tivessem sido os colonizadores e os europeus os colonizados e escravizados, a história da hierarquia das raças seria bem diferente. Por detrás da biologização das raças existe uma história de vencedores e vencidos, exploradores e explorados, senhores e escravos.

Segundo, não precisa que os indivíduos racistas tenham consciência ou mencionem a escra- vidão para estabelecermos a relação entre nossa modernidade colonial e escravocrata e o racismo contemporâneo. Nem que os racistas de hoje sejam herdeiros de famílias escravocra- tas. Aprendemos a ser racistas no convívio com outros racistas. A socialização das gerações racistas ao longo do tempo não é somente um processo consciente, é também inconsciente. Há a formação de uma espécie de comportamento racista por meio de gestos, atos, palavras em determinados círculos sociais de convivência.

Terceiro, a herança da escravidão não explica todo o racismo atual. O preconceito racial vai se transformando ao longo do tempo, o racismo adquire novos contornos, enraizamentos e justiicativas, como as formas de racismo institucional analisadas na aula anterior.