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Experiências positivas de promoção da igualdade racial

4 Considerações inais

Unidade 9 Experiências positivas de promoção da igualdade racial

Objetivos: Apontar algumas iniciativas educativas voltadas à questão étnico-racial.

Olá cursist@s!

Hoje vamos trabalhar, de forma breve, com algumas iniciativas pedagógicas realizadas duran- te os últimos anos e que se mostraram importantes para a discussão sobre uma educação étni- co-racial, antes e depois da implementação da Lei. São experiências educativas que apontam para o tratamento da diversidade sob vários ângulos e natureza institucional.

1. Um breve panorama

Poucos estudos se debruçaram em mapear e analisar de forma sistematizada as experiências educativas de promoção à igualdade racial. Atualmente, os bancos de teses e dissertações apresentam trabalhos de pesquisas pontuais e especíicas sobre uma determinada localidade, uma ou outra escola e algumas práticas pedagógicas. Isso torna difícil compreender um uni- verso mais macro.

Diante dessa diiculdade analítica, optamos em apresentar dois recortes sobre as práticas pedagógicas que abordam a temática racial. O primeiro, está relacionado às experiências de educação comunitária, mapeadas na década de 1980 pelo Instituto de Recursos Humanos João Pinheiro.

Vale ressaltar que a chamada educação comunitária surge no bojo das discussões sobre a edu- cação popular dos anos de 1950 e 1960 com as ideias difundidas por Paulo Freire. De modo geral, pode-se dizer que a educação popular trazia como mote a valorização dos saberes co-

munitários para os processos de ensino e aprendizagem24.

O segundo recorte, compreende as ações informais de Organizações Não-Governamentais que desde os anos de 1990 vem alimentando e incentivando essa rede de práticas pedagógicas atentas ao tema étnico-racial. Essas práticas, contudo, revelam a premissa que nos cerca, qual seja, tratam de iniciativas individuais.

É importante destacar que muitas entidades antirracistas buscam criar canais de diálogo entre escolas, poder público e comunidades negras. Essa atuação promove resultados importantes na difusão, e visibilidade dos pressupostos da Lei, como também resulta em intervenções po- líticas signiicativas.

24 PEREIRA, Dulcineia de Fátima F.; PEREIRA, Eduardo T. Revisitando a Historia da Educação Popular no Brasil. Revista Histedbr on line, Campinas, n.40, p.72-89, dez. 2010, disponível em: http://www.histedbr. fe.unicamp.br/revista/edicoes/40/art05_40.pdf

Nessa linha, traremos a atuação do Centro de Estudos das Relações e Trabalho e Desigualda- des (CEERT), particularmente analisaremos alguns elementos do Prêmio Educar para a Igual- dade Racial.

A proposta aqui é reletir de que maneira essas experiências contribuíram para a formação de um repertório didático ligado à diversidade racial e à valorização das culturas afro-brasileiras. Veriica-se uma rede educativa tecida em torno da escola que mobiliza alguns educadores e gestores para discutir o tema racial. Essa rede tem se mostrado, atualmente, como um impor- tante ator no processo de efetivação da Lei 10.639/03.

1.1 Comunidades negras e educação:

Segundo Silva; Gonçalves (2000), as experiências de educação comunitária com o enfoque étnico-racial se alastraram pelo país, sobretudo, a partir da década de 1980. No entanto, a maioria se concentrou nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador. Na primeira, as propostas educativas envolviam as escolas de samba, concebidas como lugares negros.

Cabe frisar que nesse momento, essas comunidades ligadas à cultura negra e/ou às religiões

de matrizes africanas eram consideradas como territórios negros ou lugares negros25.

A categoria lugar analisada por alguns autores diferencia, a grosso modo, o lugar espacial e so- cial demarcado pelo racismo daquele espaço onde os indivíduos se encontram, se reconhecem e compartilham saberes e experiências com os seus pares. (RATTS, 2011). Daí Ratts (2011) ressaltar a distinção entre lugares negros e lugares de negro. O primeiro ligado ao espaço de cultura e identidade; o segundo, aos espaços essencializados e naturalizados pela segregacão racial do espaço.

O universo cultural e étnico cumpre uma função importante na demarcação simbólica dos lugares negros, enfatizado pela ideia de comunidade. Esses lugares criam um sentimento de pertença comunitária e étnica, na medida em que se encontra ali uma memória e um conjunto de saberes compartilhados.

Essa relação com a comunidade negra, com o seu território, se impõe desde os anos de 1980 como uma forma de busca e construção de identidades.

Em Salvador, essas experiências comunitárias foram realizadas na relação com os grupos de Afoxé Ilê Aiyê, Olodum e com os terreiros de Candomblé.

O projeto sobre a pedagogia nagô26 parece ter tido grande visibilidade no II Encontro de Edu-

cação Comunitária, realizado na década de 1980, pois tratava da apresentação de uma escola criada no interior de um terreiro de candomblé.

25 O conceito de território negro é utilizado aqui como lugar identitário, histórico e relacional. Ver, SODRÉ, M. 1998 26 A palavra nagô consiste em um termo genérico para referir-se aos antigos africanos provenientes das regiões de línguas iorubanas (localizados, grosso modo, no sudoeste da Nigéria, Benin e Togo). No Brasil, com o tráico

Essa escola surgiu dentro do terreiro Ilê Axé Opó Afonjá no ano de 1978 com o nome de Obá Biyi27. O seu objetivo inicial consistia em atender crianças entre seis meses a cinco anos, ilhos

dos membros da comunidade de terreiro.

O Ilê Axé Opó Afonjá, localizado no bairro de São Gonçalo em Salvador, na Bahia, conta com um extenso terreno que abriga mais de 50 famílias descendentes de antigos escravos. A sua importância histórica foi reconhecida com o seu tombamento em 2000, pelo Instituto de Pa- trimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

A partir de 1986 a escola se tornou de 1º a 4º série do Ensino Fundamental, com o nome de Eugênia Anna dos Santos, em homenagem a primeira yalorixá da comunidade (mãe Aninha).

Escola Eugênia Anna dos Santos, Salvador

Fonte:http://meuatelierdeideias.blogspot.com.br/2009_11_01_archive.html, acesso em 18/05/2015.

Com a atuação e esforços da sacerdotisa Stella de Azevedo Santos (mãe Stella), a escola foi municipalizada em 1998 e atende hoje mais de 350 crianças.

O currículo dessa escola se estrutura a partir dos conteúdos formais e dos valores e saberes da cultura religiosa desenvolvidos com o projeto Ire Ayó (caminho da alegria), implantado em 1999. Essa escola parece ser uma das primeiras iniciativas que trabalha a diversidade de uma forma diferenciada (SANTOS; LUZ, 2007).

O fato de estar inserida no espaço religioso cria pontos de partida diferenciados para a apren- dizagem. Isto porque a extensão da área e a coniguração do espaço arquitetônico proporcio- nam outras maneiras de apropriação do saber. De acordo com Santos (2011), as crianças se sentem livres e não presas a um contexto disciplinador que algumas escolas apresentam. Além disso, a convivência com o espaço sagrado e o conjunto de saberes que isso implica, como: o respeito aos mais velhos, ao espaço, à oralidade, entre outros, cria um sentimento de pertencimento étnico-cultural.

Souza (2001), ao questionar certas orientações presentes nos Parâmetros Curriculares Nacio- nais que folclorizam o tratamento da pluralidade, enfatiza a importância da vivência. Assim, podemos dizer, tal como a autora destacou, que na escola Eugenia Anna dos Santos não se aprende, mas vive-se a pluralidade.

1.2 Ceert: uma Organizações Não-Governamental antirracista

As Organizações Não Governamentais (ONGs) surgiram na década de 1970 dentro de um contexto marcado por tensões políticas e sociais. Inicialmente, as ONGs estavam associadas aos movimentos sociais, contudo aos poucos foram se deslocando e irmando suas próprias estratégias e delineando, com isso, o seu campo de atuação.

No Brasil, as entidades que trabalham com a questão racial formam um universo grande e pouco pesquisado. De modo que o critério utilizado aqui para a seleção do Centro de Estudos das Relações e Trabalho e Desigualdades (CEERT) encontra-se no fato de que essa entidade desenvolve o projeto Prêmio Educar para a Igualdade Racial. Esse se apresenta hoje como uma ação importante no processo de implementação da Lei 10.639/03.

O Prêmio além de criar um grande acervo de iniciativas pedagógicas que tratam do tema racial, também se desdobrou em projetos de monitoramento nas escolas onde tiveram inicia- tivas inscritas e não premiadas. Essa ação traz elementos para compreender o grau de imple- mentação da Lei nas redes públicas de ensino do país.

O CEERT foi fundado em 1990 por Maria Aparecida Bento e Hedio Silva Jr28 e tem como obje-

tivo compreender o mercado de trabalho e as desigualdades raciais vividas pelos trabalhado- res negros. No entanto, dentre as várias ações e projetos desenvolvidos pela entidade, muitas estão voltadas à área de educação.

O Prêmio Educar para a Igualdade Racial surgiu no ano de 2002 com o objetivo de recolher experiências educativas em escolas de todas as regiões brasileiras no âmbito da Educação In- fantil, Fundamental I e II. Na primeira edição, o Prêmio contou com mais de 2000 inscrições, oferecendo uma amostra da relação entre os educadores, gestores com a questão racial. O Ministério da Educação (MEC) reconheceu o Prêmio como uma das ações mais importantes na promoção da igualdade étnico-racial realizadas pela sociedade civil. O banco de expe- riências educativas recolhidas nesses 12 anos de existência conta com mais de 2.300 práticas pedagógicas acessíveis à consulta.

O Prêmio, em sua sexta edição em 2012, selecionou e premiou iniciativas divididas em duas categorias: educadores e escolas. E em todas as edições disponibiliza ao público o acesso ao conjunto de práticas inscritas. Esse acervo virtual se tornou em um espaço de trocas de expe- riências entre educadores de diversas e diferentes regiões do Brasil.

Cartaz do 6° prêmio, 2012

Fonte: http://gppgrcmr.blogspot.com.br/p/legislacoes.html, acesso em 18/05/2015.

Na pesquisa “As práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na

perspectiva de Lei 10.639/2003”, coordenada por Nilma Gomes29, um dos caminhos metodo-

lógicos para criar uma amostragem do universo analisado (todas as regiões brasileiras) foi a consulta do acervo do Prêmio.

Durante a pesquisa, no entanto, observou-se que muitas iniciativas premiadas não deram conti- nuidade. Entretanto, Gomes (2013), embora aponte o caráter descontínuo dessas iniciativas de- monstradas na trajetória das iniciativas premiadas, também as considera como transformadoras. Desse modo, o Prêmio Educar para a Diversidade traz contribuições para superação do ra- cismo, na medida em que reconhece, incentiva e valoriza as práticas pedagógicas ligadas à educação étnico-racial.

SAIBA MAIS

Práticas Pedagógicas para a Igualdade Racial na Educação Infantil. BENTO, Maria A. (Org.), São Paulo: CEERT, 2011. Disponível em: http://www.ceert.org.br/arquivos/Praticas-Pedagogicas-para-a- Igualdade-Racial-na-Educacao-Infantil.pdf

Site: www.ceert.org.br

Música: Afoxé Oyá Alaxé – Quilombo Axé (Dia de Negro) disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZXzKnf_nMJg Filme: Alguém falou de racismo, Daniel Caetano, 2012/Brasil. Lugar: Terreiro de Candomblé Ilê Un Zambi, Caraguatuba/SP.

29 GOMES, Nilma L. As práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva de Lei 10.639/2003: desaios para a política educacional e indagações para a pesquisa. In: DOSSIÊ RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, Educ. rev. no.47 Curitiba Jan./Mar. 2013. Disponível: http:// dx.doi.org/10.1590/S0104-40602013000100003 Acesso 29/09/2014