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4.3.1 Mudanças na vida dos usuários após a entrada no Caps

Esta categoria se constitui com o propósito de compreensão do modelo assistencial comunitário pela referência dos usuários participantes da pesquisa. Neste sentido,

a categoria se configura na intenção de caracterizar um serviço substitutivo em saúde mental, com base territorial, atribuído como articulador da rede de atenção psicossocial.

Torna-se necessário salientar estas mudanças ocorridas na vida dos usuários do Caps: “[...] Agora eu já consigo escrever numa linha reta, e nem meu nome eu tava mais conseguindo fazer! [...]” (Alice); “Olha... eu, faz oito anos que eu não tenho internação, e eu vou te dizer que hoje eu não tenho motivo pra cair em depressão [...]” (Salvador Dalí); “[...] Eu não fico mais assim, irritado, ansioso, agressivo, e antes como eu não me cuidava, eu tinha esquizofrenia [...]” (Raul Seixas); “[...] Agora eu posso caminhar sozinha, e antes eu era só tachada como louca! Eu era tachada como uma louca, uma doida varrida! [...]” (Alice).

O serviço de assistência comunitária em saúde mental é um serviço substitutivo ao hospital psiquiátrico, que busca a ruptura com o paradigma clássico do saber biomédico de interesse focado na doença mental. Este modelo de assistência inaugura um novo espaço com ênfase no sujeito, no acolhimento e na escuta deste sujeito, propiciando um novo lugar, um novo território chamado Caps.

Nota-se que há compreensão dos usuários de que o serviço propicia processos de mudanças no sentido do empoderamento individual do usuário do Caps, por meio dessa fala: “Eu era um farrapo humano quando eu cheguei e agora eu consigo caminhar sozinha, e consigo andar sem ninguém me carregar, sem ninguém estar me segurando!” (Alice).

Neste contexto da estratégia de empoderamento, há acréscimo de poder, de criação, e de reconhecimento dos sujeitos, conforme descrita por Fazenda (2005). De acordo com Vasconcelos (2007), o empoderamento, na perspectiva crítica, é compromissado com as lutas sociais, democráticas, populares, com a luta antimanicomial e com a ideia autonomista direcionada ao empoderamento dos sujeitos. Diante disso, infere-se que o Caps se constitui como um lugar que promove o alcance do poder contratual pelos usuários participantes da pesquisa no sentido de propiciar processos de empoderamento ao sujeito. O empoderamento individual, no que tange à compreensão dos usuários acerca de como chegaram ao Caps e das mudanças ocorridas em suas vidas após ingressarem no serviço de saúde mental.

4.3.2 Atividades fora do Caps

Com ênfase no modelo assistencial comunitário, busca-se nesta categoria discernir quais são as atividades que os usuários participantes da pesquisa realizam fora do serviço substitutivo em saúde mental. Foram elencadas as subcategorias: circulação em espaços

públicos, e atividades domésticas, objetivando explanar quais são as possibilidades dos usuários para alcançarem maior contratualidade em suas vidas, por meio de estratégias do serviço pressuposto como um centro de atenção regionalizado, de base territorial comunitária. Pode-se conferir que os sujeitos entrevistados no presente trabalho compreendem o alcance do poder contratual, como descrito no conteúdo de suas falas, no sentido do empoderamento individual, relacionado à melhoria de vida, ou seja, o Caps como agente estratégico nas mudanças de vida dos usuários do serviço.

Entretanto, como um serviço comunitário de saúde mental, o Caps II da Palhoça poderia servir como articulador da rede de atenção psicossocial, de modo a tecer as relações entre o serviço e demais dispositivos estratégicos da reforma psiquiátrica. O conteúdo das falas dos usuários participantes da pesquisa demonstra que não há vinculação do Caps com outros locais onde o usuário poderia transitar, dentro de seu território. Não existe ainda no município da Palhoça nenhum Centro de Convivência ou de Cultura. Outras conexões que o serviço substitutivo ao hospital psiquiátrico pode nutrir são com as equipes da Atenção Básica de Saúde, com o programa de Estratégia de Saúde da Família (ESF), assim como relações diretas com os Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF).

O Caps é um serviço de saúde de média complexidade, o que representa um lugar de assistência entre a Atenção Básica (AB), que formam as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e a alta complexidade, que é composta por leitos psiquiátricos e hospitais gerais (BRASIL, 2004). Deve existir articulação e entrosamento entre estes três níveis de atenção em saúde, e no que tange à saúde mental a responsabilidade maior é referida aos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS).

Em relação à circulação em espaços públicos, os usuários participantes da pesquisa anunciam: “Eu vou na igreja [...]” (Alice); “Eu gosto de ir na oficina mecânica dos meus amigos [...], Eu tenho amigos na oficina, fico lá, vendo eles mexer com o carro. Meus amigos, fico lá, posso ajudar eles, fico conversando com eles.” (Raul). O conteúdo das falas demonstra que os usuários do Caps II podem ser atores sociais, de participação ativa na satisfação do desejo de circulação em espaços públicos, o ir e vir, com a liberdade de escolha de cada sujeito. “Eu saio pra caminhar com meu namorado, e ele gosta muito de andar de bicicleta, [...] ele pega a bicicleta, eu saio e a gente passa o dia todo, eu gosto mais de caminhar, mas ele de bicicleta [...].” (Clarice). Surge no conteúdo das falas dos sujeitos entrevistados a contratualidade no sentido de circulação e aparência no cenário social.

Um usuário participante da pesquisa expressa: “[...] Eu posso até um dia voltar a trabalhar... porque eu gosto sabe?! Eu poderia assim... ser ajudante de padeiro, voltar a

trabalhar numa padaria... voltar a aprender!” (Salvador). Diante dessa fala, pode-se problematizar a necessidade de estímulo ao empoderamento do usuário, no sentido de aumento do poder contratual no cenário mercado de trabalho.

As atividades domésticas são descritas, por meio do conteúdo das falas dos usuários participantes da pesquisa, como: “[...] Eu só ajudo a mãe em casa [...]” (Salvador Dalí); “[...] Eu consigo estender uma roupa, lavar uma louça, fazer uma comida, eu consigo! Aí eu cuido dos meus netos, porque eu vou lá e brinco com meus netos, e eles me amam, e eu amo eles [...].” (Alice). O poder contratual desses usuários pode ser reconhecido no cenário familiar, com a execução de tarefas domésticas, no interior das relações familiares.

O Caps ocupa um lugar central na rede de cuidados em saúde mental, entretanto, deve ser contemplado como um local de passagem para os sujeitos, tendo como principal objetivo o investimento na reabilitação psicossocial dos usuários do serviço. De acordo com Ribeiro (2005), os sujeitos ingressam no Caps para um dia poderem ir embora, e não repetirem a institucionalização inerente ao modelo hospitalocêntrico. Tal qual para Vasconcelos (2000) que enfatiza a necessidade de combate ao institucionalismo e incentiva a estratégia autonomista e dirigida ao aumento do poder contratual dos usuários de serviços de saúde mental.

Os sujeitos em severo sofrimento psíquico inseridos em tratamento no Caps encontram no serviço a possibilidade de apropriação daquilo que são e daquilo que fazem, daquilo que desejam ser e vir a fazer. O Caps busca a mudança de paradigma, no que tange ao novo lugar destinado aos sujeitos que outrora não haviam sido outorgados ao poder contratual. O maior e mais relevante interesse do serviço de saúde mental deve ser na desinstitucionalização dos sujeitos em sofrimento psíquico.

4.3.3 A chegada ao serviço de saúde mental

O sujeito em sofrimento psíquico considerado em sua singularidade, sendo um sujeito desejante, um sujeito conflitante e de direitos como cidadão, reflete a complexidade da situação em que os usuários ingressam no serviço de saúde mental.

As falas dos sujeitos entrevistados na pesquisa demonstram: “Eu cheguei aqui no Caps anorexa, com anorexia [...] Há um ano mais ou menos eu estava de cama.” (Frida); “Eu cheguei bem mau, com crise, eu tinha tentado suicídio, eu cheguei bem mau aqui, sem consciência nenhuma!” (Clarice); “Ah! Eu cheguei aqui carregada pelos outros... eu chegava a

babar, eu não era eu! Parecia que eu não era uma pessoa humana! (Alice). O conteúdo das falas pode ser analisado de modo que o fenômeno do poder contratual seja compreendido como ausente, ou ainda, como um poder sobre si mesmo, e de trocas sociais, comprometido, interditado, assim como os sujeitos como um todo, devido ao extremo sofrimento psíquico, e aos estigmas sociais.

Como ocorre o alcance do poder contratual pelos usuários do Caps? Retomando as mudanças ocorridas na vida dos sujeitos entrevistados na pesquisa, mostra-se: “[...] Eu me sinto mudada, porque eu sinto, eu to conseguindo falar, porque antes eu não falava. Não to tão tola como eu tava no começo [...].” (Frida). Desta forma, pode-se afirmar que o poder contratual mostra-se no âmbito pessoal, o empoderamento do sujeito, de modo individual, como também no âmbito familiar, nas interelações e na execução de atividades domésticas. O poder contratual pode ser compreendido, a partir das falas dos sujeitos entrevistados, como um acréscimo na contratualidade no sentido individual. O histórico de vida dos sujeitos denota que houve uma interdição na contratualidade, e após o ingresso no Caps II de Palhoça os sujeitos entrevistados pronunciaram o aumento de seu poder sobre si mesmo.

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