• Nenhum resultado encontrado

4.2.1 A participação nas atividades

Compreende-se que no campo da saúde mental é essencial ter como princípio a estratégia de empoderamento. O que significa elucidar que existem grupos marginalizados e estigmatizados historicamente na sociedade que sofrem de uma falta de poder. Para haver a mudança deste contexto é notório que esses grupos aumentem o seu poder de luta pelos seus direitos, por ganhos sociais e econômicos, bem como, o poder de apropriação sobre as decisões que interferem em suas vidas (FAZENDA, 2005).

Nesta categoria buscou-se identificar, a partir da compreensão dos sujeitos entrevistados na pesquisa, a participação dos usuários na construção de seu projeto terapêutico singular. O sujeito que usufrui do serviço substitutivo em saúde mental possui autonomia para poder decidir sobre seu tratamento? Há a escuta e o respeito para com este sujeito de desejo e de direito, enquanto cidadão?

Propõe-se a análise das seguintes falas: “[...] É assim oh: se abriu o caderno [de atividades] e tem esse, se eu não me enquadro, é assim, eu não acho certo! (Frida); “[...] Isso aí eu acho que assim tu quer participar de tal coisa, às vezes as portas vão ta abertas pra tu entrar, ou fechadas, às vezes tu quer e vai e falam não, ta cheio, não pode. Tem algumas coisas que eu quis mais fazer aqui não posso, e ter que fazer outras que eu não me agrado.” (Clarice); “[...] Não é chegar e dizer qual é, ou tem só isso ou só isso, entendeu? Tem que fazer um desses, é um ultimato! Não acho certo! (Frida). Tais falas demonstram que não existe a participação destas usuárias na construção do projeto terapêutico, pois estas dizem que não conseguem participar das atividades que mais desejam, e são incluídas em algumas

atividades que não desejavam participar, sem poder de escolha. Entretanto, o conteúdo de tais falas denota que estas usuárias possuem desejo e consciência de maiores participações nas decisões no serviço.

O conteúdo das falas de outros participantes da pesquisa denota o contrário, revela a participação dos usuários na construção e no desenvolvimento do projeto terapêutico de ambos. “[...] O que eu quero fazer eu faço, e o que eu não quero, também não faço!” (Alice); “[...] Todo ano a gente faz o projeto terapêutico, e eu participo, [...].” (Salvador Dalí).

Para Fazenda (2005) o movimento de empoderamento resulta dos conceitos como o de autonomia e responsabilidade dos indivíduos, e Vasconcelos (2000) salienta que estimulando o empoderamento, através de impulsos às iniciativas de auto-cuidado, auto- estima, auto-ajuda, suporte mútuo, mudança cultural, defesa dos direitos, e a participação efetiva dos usuários nas decisões nos serviços, o campo da saúde mental teria maior apropriação crítica.

Pode-se problematizar o poder de crítica dos usuários do serviço substitutivo em saúde mental em relação à participação destes nas atividades propostas, por meio do conteúdo das falas dos entrevistados: “[...] Outras atividades são as da Unisul, o pessoal da naturologia, com cromoterapia e aquelas massagens, com as coisas pro bem-estar, então são essas atividades que mais me ajudam!” (Clarice); “[...] Eu gosto de participar de todas as atividades, até porque a minha cabeça fica melhor, aí eu me sinto melhor!” (Alice). Ribeiro (2005) atenta para o campo da saúde mental como um campo possível de produção subjetiva, no qual os sujeitos podem ter voz, podem dizer sobre si mesmos, e podem escolher neste novo lugar, o Caps. “[...] Eu queria vir mais, queria vir quatro vezes na semana, mas venho duas, porque eu não tô assim, intensivo, é não-intensivo, então eu posso vir duas vezes na semana.” (Salvador Dalí).

Nota-se no conteúdo a seguir: “[...] Eu tenho sim que entrar [na atividade], e eu tenho sim capacidade pra aprender!” (Frida); “Eu tenho chance de voltar [...], chance é poder entrar, ou não veio hoje, fiquei doente, poder voltar.” (Frida); “Eu participo só quando é pra fazer as atividades.” (Raul Seixas). O empoderamento destes usuários se mostra pelo fato deles possuírem o desejo de participação nas atividades do Caps, assim como através da capacidade de pensamento e posicionamento crítico dos usuários. Vasconcelos (2000) aponta para as estratégias que objetivam maior envolvimento de todos os atores responsáveis pelas ações institucionais, afirmando a necessidade de modelos de organização participativa, incluindo os usuários dos serviços substitutivos em saúde mental.

4.2.2 Possibilidades de Atuação

Nesta categoria buscou-se conhecer sobre as possibilidades de atuação dos usuários participantes da pesquisa no serviço substitutivo em saúde mental. A seguir a fala de um usuário:

[...] Eu participo desses grupos duas vezes na semana, mas eu gostaria de vir quatro vezes na semana, porque tem um dia que é reunião de equipe; [...] Ali na frente tem aquela nossa plaquinha, de quantos dias sem internação psiquiátrica, nosso recorde é de 78 dias sem internação, do pessoal que participa aqui do Caps, é importante, porque, por exemplo, se não tivesse o Caps, o que eu ia fazer?; [...] Eu vindo nos grupos eu saio de casa, e eu penso! (Salvador Dalí).

Essa fala indica que há diversas possibilidades de atuação enquanto sujeito de desejo e usuário de um serviço substitutivo em saúde mental.

Vasconcelos (2007) alerta sobre a importância de se conhecer a dinâmica e as estratégias de empoderamento ou “desempoderamento” existentes nos dispositivos de saúde mental. Este mesmo autor afirma a necessidade de propor estratégias concretas de empoderamento dos usuários do Caps, tais como: possibilidades de participação dos usuários nas decisões do serviço; o estímulo à participação direta dos usuários nos movimentos da reforma psiquiátrica, como a luta antimanicomial; a participação dos usuários nos conselhos de saúde, de saúde mental e de outras políticas sociais, pressuposto do controle social da sociedade sobre as políticas públicas; a participação dos usuários na comunidade; a participação política dos usuários, na defesa dos direitos enquanto cidadãos, enfim, dentre outras formas de participação.

O conteúdo da fala do usuário citado anteriormente vai ao encontro das demais: “[...] Tu fica ali pra fazer um grupo, é quase uma terapia, tu fica pra fazer, pra tirar os pensamentos ruins da cabeça [...].” (Clarice); “[...] A gente pode debater entre nós, porque da Associação, somos nós, usuários, são todos usuários, então um entende o outro, lutar pelos nossos direitos.” (Frida). Infere-se que os usuários participantes da pesquisa podem se engajar e alcançar maior contratualidade, no sentido de se empoderar na luta pelas próprias conquistas. Os desafios podem se constituir como novos aprendizados no processo de retomada do poder contratual, portanto torna-se importante salientar esta fala: “[...] Tem um monte de usuário igual a mim, que também tão muito por fora, eu penso também que eu tenho

que estar ajudando... porque agora eu penso que eu vou ficar, e vou batalhar mais um pouco, eu vou teimar, e vou ficar!” (Frida).

O processo de contratualidade, ou seja, o processo de alcance do poder contratual é perpassado pelas possibilidades de atuação apresentadas ao sujeito. Este processo se constitui pela retomada do controle, da autogestão, da decisão sobre a própria vida, é pautado no estabelecimento de negociações integradas aos desejos, às escolhas, e aos projetos de cada sujeito. Foucault (1982) em “O Sujeito e o Poder”, relata que há duas descrições diferentes para a palavra sujeito: a primeira designa o sujeito ao outro através do controle e da dependência, e a segunda designa o sujeito ligado à sua própria identidade através de uma consciência ou através do autoconhecimento. Ambas sugerem uma forma de poder que subjuga e sujeita.

Infere-se que os usuários participantes da pesquisa aumentaram sua compreensão acerca das possibilidades de atuação, desde o momento de ingresso no serviço em relação ao momento atual, como exemplo, a possibilidade de participação e engajamento na Associação de Usuários do Caps, assim como da participação na construção do projeto terapêutico singular. A proposta do serviço reflete a ideia de um novo cuidado, uma nova clínica, um novo lugar, e a possibilidade do sujeito ser ativo em seu processo, poder ser autor e ator de sua história, uma postura anteriormente impensável e improvável no contexto da institucionalização da loucura.

Cabe ao usuário do serviço substitutivo em saúde mental, em conjunto com a equipe, opinar, criticar, posicionar-se e optar pela escolha feita em relação ao seu projeto terapêutico. De modo semelhante cabe à equipe do Caps estimular o empoderamento de cada usuário em particular. Presotto (2013) reforça a importância de estimular o empoderamento de usuários de serviços de saúde mental, afirmando que em consequência desta atitude ocorre o aumento do poder contratual e da capacidade de enfrentamento dos próprios sujeitos.

Documentos relacionados