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“Se eu puder soltar a voz...” a compreensão do poder contratual pelos usuários de um CAPS

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TAÍS AZAMBUJA ALVES DE LIMA

“SE EU PUDER SOLTAR A VOZ...”

A COMPREENSÃO DO PODER CONTRATUAL PELOS USUÁRIOS DE UM CAPS

Palhoça 2013

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“SE EU PUDER SOLTAR A VOZ...”

A COMPREENSÃO DO PODER CONTRATUAL PELOS USUÁRIOS DE UM CAPS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientador: Prof. Maurício Maliska, Dr.

Palhoça 2013

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DEDICATÓRIA

Este trabalho simboliza a conquista de um sonho, o sentimento que emana é o de satisfação, é o prazer. O sentimento é compartilhado com algumas pessoas, as quais são fundamentais para o processo de conquista, de realização deste sonho. Por vocês, eu consegui crescer, aprender, e permanecer acreditando que tudo é possível ao que Crê!

Meus pais, José e Vera, a vocês eu dedico esta pesquisa, o trabalho que tanto sonhamos... Concretiza-se e continuará em processos de empoderamento, de desenvolvimento. Vocês são meus amores, e representam meus maiores locais de afeto, e segurança. Minha gratidão é infinita, nenhuma palavra consegue expressar o que eu sinto, o amor é real com vocês, e sou fruto do amor que sempre cultivaram. Vocês são co-responsáveis por esta obra, estou certa de que realizamos um sonho, aprendemos no caminho, e vamos continuar a sonhar... Urú e Vérão, para mim é um grande prazer vocês serem meus pais, eu dedico a satisfação deste trabalho de conclusão de curso a vocês.

Meus irmãos, Talita e Pedro, vocês são inspiração e orgulho para mim, representam força e persistência. Eu dedico este trabalho a vocês porque, vocês são referência para mim, são estímulos para a minha coragem e fazem parte deste sonho, eu amo vocês, com todo o meu ser. Alice, minha sobrinha, encantadora e feliz, obrigada pelo brilho que traz à minha vida, e Adriano, obrigada por fazer parte da nossa família, vocês representam um lugar de acolhimento, e vocês sabem disso. Dedico a vocês esta conquista.

Eu dedico este trabalho também aos meus avôs, Manoel e Ary, que me ensinaram sobre a dignidade e a cidadania, às minhas avós, e bisavó, minha amada Flor, sempre presente em minha vida com firmeza, constância e esperança, a minha coruja vovó Negrinha, que me ensina sobre a Fé, e sobre a sabedoria, e minha piriquita avó Anna, que eternamente será minha maior fonte de compreensão, a senhora é meu amor sublime, obrigada por viver em mim. Sem vocês, nada disso seria possível. Eu tenho uma família linda, e dedico esta realização, o nosso sonho, a vocês, todos. Meu genuíno agradecimento será inabalável, porque vocês continuam a me apoiar, aonde quer que eu vá, e os caminhos irão se construindo... Eu carrego todos vocês comigo.

“Cada um de nós compõe a sua história, cada ser em si carrega o dom de ser capaz, e ser feliz. [...] É preciso amor pra poder pulsar, é preciso paz pra poder sorrir, é preciso a chuva para florir” (ALMIR SATER E RENATO TEXEIRA).

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AGRADECIMENTOS

Foi pela Fé que eu cheguei até aqui... Agradeço a Deus! Obrigada Pai, a cada novo dia!

Agradeço ao José, e à Vera. Os meus pais! Obrigada pelo amor incondicional! Sou grata, a vocês, Vérão e Urú, vocês me ensinaram amor, aceitação, e cuidado. O sentimento que tenho por vocês é maior do que o Universo e transcende o entendimento. Agradeço à Talita e ao Pedro, meus irmãos! Tatá, você é minha referência, minha amiga verdadeira, minha única irmã! Pedro, meu mano, você é meu apoio, meu amigão, meu norteador! Vocês me proporcionam respaldo e admiração. Obrigada queridos meus! Alice, obrigada por encantar e colorir com o seu brilho os meus dias! Minha Dinda amada, você é arte, você é harmonia, você é a Andréa, minha orquídea! Obrigada por me mostrar os saberes, com doçura e meiguice. Flávia, Débora, Ana Carolina e Mariana, vocês fazem parte de todo o meu processo de crescimento e reconhecimento, primas amadas, obrigada!

Aos meus amigos, companheiros na jornada, meu agradecimento sincero a vocês, Bel, Cayo, Ematuir, Helô, Sú, Pati, enfim, todos que estiveram perto, caminhando junto comigo, lado a lado nas angústias, e nas alegrias do processo, que a nossa conclusão seja feita ao nosso modo, com confiança e espontaneidade recíproca. Somos os agentes em nossa construção, e ela está sendo feita com amor, dedicação, e utopias. Amo vocês. Sou grata de todo coração.

Ao meu orientador Maurício, meu agradecimento, pela tranqüilidade durante todo o desenvolvimento do trabalho. Obrigada pelo ensino, com todos os teus conhecimentos. Agradeço ao Felipe, por fazer parte da banca examinadora, com tanta disponibilidade em contribuir, para mim é uma honra. Agradeço, de maneira especialmente carinhosa, à Gabriela, por ser a minha professora querida, uma das pessoas que mais me estimulou a concretizar este sonho, obrigada, por fazer parte desta realização, pela escuta, pelo teu acolhimento, por cada momento de contribuição generosa para o meu dia a dia.

Agradeço ao Caps II de Palhoça, pela permissão para a realização deste trabalho, e por estarem sempre de portas abertas para acolherem sujeitos. E agradeço, com respeito e admiração, aos usuários do Caps participantes da pesquisa. Frida Kahlo, Clarice Lispector, Alice no País das Maravilhas, Salvador Dalí e Raul Seixas, vocês são os maiores responsáveis pelos resultados deste sonho realizado. Obrigada pelo prazer de conhecer um pouco sobre a história de vida de vocês, é um privilégio para mim. Desejo que vocês continuem a soltar a voz... pois ela é música, é bela, é real.

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Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda Que palavra por palavra eis aqui uma pessoa se entregando Coração na boca, peito aberto, vou sangrando São as lutas dessa nossa vida que eu estou cantando Quando eu abrir a minha garganta, essa força tanta Tudo que você ouvir, esteja certa que eu estarei vivendo Veja o brilho dos meus olhos e o tremor das minhas mãos E o meu corpo tão suado, transbordando toda raça e emoção E se eu chorar e o sal molhar o meu sorriso Não se espante, cante que o teu canto é minha força pra cantar Quando eu soltar a minha voz por favor entenda Que é apenas o meu jeito de viver O que é amar... (Sangrando, Gonzaguinha)

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LISTA DE SIGLAS

ABS – Atenção Básica em Saúde

AUCAPS – Associação dos Usuários do Caps CAPS – Centro de Atenção Psicossocial CNS – Conferência Nacional de Saúde

CNSM – Conferência Nacional de Saúde Mental ESF – Estratégia de Saúde da Família

MNLA – Movimento Nacional da Luta Antimanicomial MTSM – Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial

NASF – Núcleo de Apoio à Saúde da Família PNH – Política Nacional de Humanização PSF – Programa de Saúde da Família PTI – Projeto Terapêutico Individual SUS – Sistema Único de Saúde TR – Terapeuta de Referência

TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UBS – Unidade Básica de Saúde

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SUMÁRIO 1INTRODUÇÃO ... 9 2 OBJETIVOS ... 14 2.1 OBJETIVO GERAL ... 14 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 14 3 MARCO TEÓRICO ... 14 3.1 A REFORMA PSIQUIÁTRICA ... 15

3.2 CAPS (CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL) ... 19

2.4 PODER CONTRATUAL: O EMPODERAMENTO DO LOUCO ... 21

3 MÉTODO ... 25

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ... 26

4.1 PROCESSOS DE FUNCIONAMENTO DO CAPS ... 27

4.1.1 Apoio, cuidado e acolhimento ... 27

4.1.2 Liberdade de escolha ... 29

4.1.3 Estratégias terapêuticas ... 31

4.1.4 Encaminhamento psiquiátrico ... 32

4.2 A CONSTRUÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO ... 33

4.2.1 A participação nas atividades ... 33

4.2.2 Possibilidades de Atuação ... 35

4.3 CARACTERIZAÇÃO DO MODELO ASSISTENCIAL COMUNITÁRIO ... 36

4.3.1 Mudanças na vida dos usuários após a entrada no Caps ... 36

4.3.2 Atividades fora do Caps ... 37

4.3.3 A chegada ao serviço de saúde mental ... 39

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 40

REFERÊNCIAS ... 41

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APÊNDICE A- Instrumento de coleta de conteúdo ... 45 APÊNDICE B – Quadros referentes às categorias e subcategorias de análises ... 46 APÊNDICE C - Participantes da pesquisa...50

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“SE EU PUDER SOLTAR A VOZ...” A COMPREENSÃO DO PODER CONTRATUAL PELOS USUÁRIOS DE UM CAPS

Taís Azambuja Alves de Lima1 Resumo: A desinstitucionalização almeja romper com o paradigma clássico do saber

biomédico que institucionalizou a loucura como doença mental, e o chamado louco como doente. O Centro de Atenção Psicossocial (Caps) é o principal dispositivo da reforma psiquiátrica brasileira, caracterizado como um serviço assistencial comunitário, o que representa uma nova maneira de tratar o sofrimento psíquico, historicamente trancafiado em uma instituição asilar. A estratégia de empoderamento dos sujeitos em severo sofrimento psíquico compõe uma nova clínica, a clínica do cuidado em saúde mental. O alcance do poder contratual está atrelado ao empoderamento, um processo contínuo de estímulos ao alcance de autonomia dos sujeitos em tratamento nos serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico. Esta pesquisa tem como objetivo elucidar e compreender o processo de retomada do poder contratual pelos usuários de um Caps, o que significa compreender como ocorre este processo, no qual a contratualidade vai sendo negociada e adquirida ao longo da vida dos sujeitos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de classificação exploratória e corte transversal. O delineamento escolhido é o estudo de campo. Participaram desta pesquisa cinco usuários do Caps, maiores de dezoito anos, que passaram por internação psiquiátrica de no mínimo quinze dias e que atualmente são usuários do serviço há pelo menos três anos. O instrumento para a coleta de dados consistiu de entrevista semi-estruturada. A interpretação e discussão dos dados coletados foram realizadas por meio da análise de conteúdo. A análise dos dados aponta para a desinstitucionalização dos sujeitos em sofrimento psíquico, no sentido de maior conquista de autonomia, de aumento do poder contratual individual, e no que se refere ao Caps como um novo lugar, perante as falas dos usuários, um lugar de acolhimento. Deste modo, conclui-se que o processo de alcance do poder contratual articula uma discussão importante no campo da atenção psicossocial e torna-se foco da desinstitucionalização.

Palavras-chave: Poder contratual. Usuários do Caps. Desinstitucionalização. 1INTRODUÇÃO

A loucura é um fenômeno histórico: Foucault (1975) traz que as noções de patologia a que foi vinculada, se iniciaram desde a medicina grega. Constituída como uma patologia a ser tratada distante da sociedade, trancafiada em um hospital psiquiátrico por meio da prática do tratamento moral – que consiste em uma série de regras, princípios e rotinas que visavam à reorganização do mundo interno dos sujeitos institucionalizados, pautando-se em um caráter tutelar e punitivo sobre o chamado louco – tal objetivo não só deixou de ser conquistado como também se demonstrou improvável neste contexto, pois a realidade dentro

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do hospital psiquiátrico se constituiu por meio de tutela, vigilância, disciplina, controle e maus-tratos (LANCETTI E AMARANTE, 2006). A grande internação representou o recolhimento dos loucos em asilos, assim como de outros sujeitos que não se encontravam ativos na produção de capital, tal fato “não põe em questão as relações da loucura com a doença, mas as relações da sociedade consigo própria, com o que ela reconhece ou não na conduta dos indivíduos” (FOUCAULT, 1975, p.79). Deste modo, a internação dos loucos no asilo não somente confinou a loucura, como também foi constituinte da experiência moderna com este fenômeno, sendo que por um lado, produziu o silenciamento da loucura por meio da segregação e exclusão e por outro, confirmou sua associação com as manifestações de imoralidade e libertinagem (FOUCAULT, 1975).

Na França do século XVIII, com as influências da Revolução Francesa inspirada no lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, decreta-se o fim da internação para todos, exceto aos loucos. O médico Philippe Pinel começou a operar um processo que deu origem à psiquiatria e ao nascimento da clínica, tratava-se de se organizar dentro do hospital uma rotina de identificar as patologias, observá-las, descrevê-las, classificá-las e adequá-las às normas. Neste processo interessou-se especialmente pelo que denominou de alienação mental, primeiro conceito utilizado pela Medicina para nomear o que até então era conhecido como loucura. Em latim, alienação provém de alienatio, que significa ruptura, separação, estar fora da realidade (LANCETTI e AMARANTE, 2006).

Lancetti e Amarante (2006) afirmam que “cada vez menos se busca separar a saúde física da saúde mental” (p.615). Nesta perspectiva, o modelo hospitalocêntrico deixa de ser o principal responsável pela assistência, pela organização das políticas e pela formação profissional, assim como se considera que os centros de internação não sejam eficientes para o cuidado de pessoas que se encontram em grave sofrimento psíquico. É o modelo comunitário, é o bairro, como referência ao sujeito, o principal ambiente para o tratamento e acompanhamento das pessoas. E é no território onde estas pessoas existem que a rede de atenção em saúde deve ser implantada e solidificada. A rede de atenção psicossocial deve ter o enfoque na concepção de homem biopsicossocial, reconhecido em diversas dimensões, inserido em um contexto sócio-histórico e cultural. Nesta direção, a rede de atenção psicossocial deve ser tecida no território onde os sujeitos transitam, no qual desenvolvem suas ações, se relacionam e vivem cotidianamente. O território é constituído por “pessoas que nele habitam, com seus conflitos, seus interesses, seus amigos, seus vizinhos, sua família, suas instituições, seus cenários” (BRASIL, 2004, p.13).

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Em contraponto ao modelo asilar hospitalocêntrico com terapêutica centrada na internação, o processo de Reforma Psiquiátrica ocorre no Brasil a partir de meados da década de 70 do século XX, e cada vez mais necessita de discussão, posicionamento crítico, investigação e ação em prol de uma sociedade sem manicômios. Um dos grandes enfoques da reforma é a desinstitucionalização do paradigma psiquiátrico de tratamento ao sofrimento psíquico. A reforma propõe efetivar a redução dos leitos psiquiátricos, a implantação de centros de convivência e cultura, e a construção de uma rede comunitária de atendimento em saúde mental. “O processo de reforma psiquiátrica brasileira é maior do que a sanção de novas leis e normas e maior do que o conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde” (BRASIL, 2005).

A reforma psiquiátrica brasileira é inspirada pela reforma italiana, proposta por Franco Basaglia, e posteriormente desenvolvida por Franco Rotelli, conhecida como a Psiquiatria Democrática Italiana, em que o tema da desinstitucionalização emerge como foco e busca alcançar a ruptura com a objetivação disciplinadora do homem em síndromes e doenças construídas pela psiquiatria, os diagnósticos, voltando-se para o sujeito em sua experiência da loucura. A crítica à institucionalização dos sujeitos em sofrimento psíquico propõe que a instituição que se coloca em questão nos últimos vinte anos não é o manicômio, e sim a doença mental. Nesta perspectiva, há ruptura com a ideia de causalidade linear, “causa-efeito, problema-solução, doença-cura”, que acarretaria a ruptura com o paradigma clínico, sendo este o verdadeiro objetivo do processo da desinstitucionalização da loucura. O objeto que era “a doença” torna-se “a existência-sofrimento” dos sujeitos. O processo de desinstitucionalização torna-se a reconstrução da complexidade do objeto. O enfoque não é mais colocado no processo de “cura” mas no projeto de “invenção de saúde” e de “reprodução social do paciente” (ROTELLI, DE LEONARDIS, MAURI, 2001, p.30).

A década de 1980 foi de extrema importância para o nascimento de políticas públicas em saúde mental. No contexto de redemocratização do País, e elaboração da nova Constituição Brasileira de 1988, emerge o Movimento Sanitário2 fortalecendo a crítica ao

modelo vigente e indicando a necessidade de substituição do modelo hospitalocêntrico pelo modelo de atenção comunitário no tratamento de sujeitos em sofrimento mental. Na análise desse momento histórico, pode-se observar que a implantação de um Sistema Único de Saúde

2 Movimento Sanitário é conhecido como o movimento social na luta pela transformação das

práticas e concepções sobre a relação sociedade e saúde no Brasil, que teve início em meados de 1970, a favor de mudanças no modelo de atenção e gestão nas intervenções em saúde, defesa da saúde coletiva, equidade na oferta de serviços, e protagonismo dos trabalhadores e dos usuários dos serviços de saúde nos processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado (BRASIL, MS, 2005).

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(SUS, 1990) resulta de longas e árduas lutas populares referentes ao direito de todo ser humano à saúde e à cidadania e neste contexto insere-se a discussão da reforma psiquiátrica brasileira. O Projeto de lei da reforma psiquiátrica que culminou na Lei 10.2163 tramitou

durante doze anos enquanto projeto, e foi aprovado em abril de 2001.

A Constituição Federal Brasileira assegura que todo cidadão tem direito à saúde, e esta é dever do Estado, portanto há obrigação em disponibilizar atendimento, tratamento e acompanhamento em saúde mental por meio de políticas públicas. A partir do ano de 1992 inicia-se no Brasil, por meio dos movimentos sociais, a aprovação de leis referentes à substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental. Passam a existir no país as primeiras normas federais que regulamentam a implantação dos serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros Núcleos ou Centros de Atenção Psicossocial (NAPS e CAPS) e hospitais-dia, fundando assim as primeiras regras para a fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos. Esta época foi demarcada pelo compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental (BRASIL, 2005).

Neste contexto, os Caps surgem como instituições dedicadas a acolher os sujeitos em sofrimento mental, com o propósito de estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca de autonomia, oferecer-lhes atendimento psicossocial. Sua característica principal é buscar integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu território, um determinado local no qual a vida deste sujeito se desenvolve por meio das relações familiares e sociais. Os Caps constituem a principal estratégia do processo de reforma psiquiátrica (BRASIL, 2004).

Os Caps têm a função social de romper com o modelo asilar de tratamento da loucura, pautado na compreensão do louco como doente mental e da loucura enquanto doença. O principal objetivo deste serviço assistencial diário é criar novas maneiras de lidar com o sofrimento psíquico e com o chamado louco, no intento que o mesmo não seja mais considerado como tutelado, controlado, vigiado, sem vez e sem voz, gerido por outro que saberia mais a seu respeito (AMARANTE, 1995).

Diante disso, ressalta-se a necessidade de estímulos ao empoderamento do sujeito historicamente destituído de sua contratualidade. O poder contratual é expresso pela capacidade individual de exercer a contratualidade social, possibilita ao sujeito o estabelecimento de trocas e contratos sociais, de reciprocidade, de poder sobre as próprias

3 A Lei da Reforma Psiquiátrica  10216 de seis de abril de 2001  dispõe sobre a proteção e os direitos das

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escolhas e decisões. Diz respeito à capacidade de enfrentar as adversidades da vida. O referido fenômeno, a saber, contempla os conceitos de autonomia, empoderamento, e protagonismo de sujeitos em sofrimento psíquico severo, inseridos nos serviços de saúde mental. O poder contratual não é algo estático, imóvel, ao contrário, é compreendido como uma negociação, uma troca relacional que se faz a cada dia, em cada situação, não como algo a ser atingido, em plenitude, porém enquanto processualidade.

Vasconcelos (2000) discorre a respeito da importância da participação ativa dos usuários4 de serviços de saúde mental, por meio do engajamento na luta pelos direitos

enquanto cidadãos, em movimentos sociais como o da luta antimanicomial, e com expressão da voz dos usuários, “voz efetiva de cidadãos a contribuir no processo de planejamento, execução e avaliação de serviços e políticas de saúde mental” (p.28).

Problematizar essa temática é uma composição fundamental para o debate a favor da cidadania, e a favor da escuta da voz do chamado louco. Diante disso, surge a pergunta:

Como ocorre o alcance do poder contratual pelos usuários de um Caps?

A relevância social desta pesquisa é expressa pelo reconhecimento da necessidade de escuta da voz do chamado louco. O sujeito em sofrimento psíquico, singular, único, em sua dimensão biopsicossocial, inserido em contextos sócio-históricos e culturais, dotado de direitos como todo cidadão, que usufrui de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico. Trata-se de ouvir o sujeito que compartilha com demais sujeitos o diagnóstico de transtornos mentais severos e persistentes, e que convive com profissionais da saúde, em um território destinado ao tratamento de suas dores, visando a sua autonomia.

Deste modo, esta pesquisa principiou compreender, a partir da referência dos usuários, como ocorre o processo de contratualidade dos sujeitos, como o poder contratual é retomado pelos sujeitos, em diferentes âmbitos de suas vidas, individual, familiar, social. Esta pesquisa é relevante para a sociedade, pois propõe elucidar o processo de desinstitucionalização do sujeito, designado como doente mental, sendo um sujeito de desejo e de direitos inserido no contexto social.

A presente pesquisa contribui cientificamente no sentido de que ainda não se esgotou a produção científica relacionada ao sujeito em sofrimento mental e o tratamento disponibilizado por um serviço substitutivo em saúde mental. Há uma considerável produção em relação à temática da saúde mental, geralmente focada nos serviços de saúde em si, ou nos

4 O termo usuários designa a categoria usuários de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, não denota

neste sentido a classificação de gênero, ou seja, tanto para o feminino quanto para o masculino será adotada, no decorrer deste artigo, a categoria usuários.

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profissionais e na equipe, da mesma maneira relevante e fundamental na construção do conhecimento.

Este artigo, como contribuição cientifica, é relevante na medida em que propõe reflexões a respeito da desinstitucionalização enquanto prática possível em um serviço substitutivo em saúde mental, possibilitando questionamentos críticos relacionados às práticas de atenção no modelo de saúde comunitário. A temática almeja produzir questionamentos para que se desenvolvam reflexões críticas em torno das políticas públicas de saúde mental em nosso país, de igual modo sobre as possibilidades de atuação e a participação dos sujeitos no serviço de saúde mental e a retomada do poder contratual pelos usuários.

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Compreender como o poder contratual é alcançado pelos usuários em um serviço substitutivo de saúde mental, o Caps II da Palhoça.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 Identificar os processos de funcionamento em um serviço substitutivo em saúde mental (Caps) a partir da referência do usuário.

 Identificar o protagonismo dos usuários na construção do projeto terapêutico ofertado no serviço.

 Caracterizar o modelo assistencial comunitário por meio da referência dos usuários do Caps.

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Este capítulo busca contextualizar e problematizar o tema da saúde mental, com as nuances relacionadas à reforma psiquiátrica e à desinstitucionalização dos sujeitos em sofrimento psíquico. Busca-se o enfoque na dinâmica de funcionamento dos serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, nos direitos dos chamados loucos e no empoderamento dos usuários nos serviços substitutivos em saúde mental.

3.1 A REFORMA PSIQUIÁTRICA

A história da Reforma Psiquiátrica no Brasil inicia-se entre os anos de 1978 a 1991, simultaneamente ao surgimento do Movimento Sanitário, que preconizava a mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde, a defesa da saúde coletiva e equidade na oferta dos serviços. O movimento sanitário fundamentou-se no protagonismo dos trabalhadores e usuários dos serviços de saúde perante os processos de gestão e produção de tecnologias de cuidado (BRASIL, 2005). A reforma psiquiátrica brasileira foi inscrita num contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar, na crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico. Trata-se de um processo político e social complexo, que envolve os governos federal, estadual e municipal, universidades, associações formadas por pessoas em sofrimento psíquico e seus familiares, além dos movimentos sociais como o movimento da luta antimanicomial. A reforma psiquiátrica é compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes e valores sócio-culturais (BRASIL, 2005).

No Brasil, após ditadura militar, origina-se uma realidade imersa em processos de redemocratização, onde aconteciam mudanças significativas, a saber, a expressão de movimentos sociais, entre eles o Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) e o processo conhecido como Reforma Sanitária. A I Conferência de Saúde Mental ocorre em 1987 e realiza a crítica ao tratamento utilizado pela instituição psiquiátrica junto às pessoas em sofrimento psíquico, crítica defendida pelo movimento italiano, que conquistou aderência à proposta de desinstitucionalização em vários países no mundo, o que não foi diferente no Brasil. No ano de 1987, em Bauru-SP, no II Congresso Nacional do MTSM, com o lema: "Por uma sociedade sem manicômios”, o MTSM passa a se denominar o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA), sendo fundamental ator social que busca mudanças assistenciais na área da saúde mental brasileira (NABUCO, 2006).

Há outro fator que impulsionou o estabelecimento da reforma psiquiátrica no Brasil, ocorrido na cidade de Santos (SP) em 1989. Trata-se da intervenção da Secretaria

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Municipal de Saúde dessa cidade, com repercussão nacional, no hospital psiquiátrico Casa de Saúde Anchieta, onde ocorriam maus-tratos e mortes de pessoas em sofrimento psíquico. Por meio deste acontecimento, houve fortalecimento propulsor à construção de uma rede de cuidados efetivamente substitutiva ao hospital psiquiátrico. Esta experiência torna-se um marco no processo da reforma psiquiátrica brasileira (BRASIL, 2005).

Ocorre no Brasil, entre os anos 1992 a 2000, a implantação da rede de saúde extra-hospitalar. Neste período, os movimentos sociais reivindicaram aos governos de diferentes estados brasileiros aprovação das primeiras leis, determinando a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental (BRASIL, 2005). A construção de uma política pública de saúde mental é objeto das reivindicações propostas pelo MNLA (Movimento Nacional de Luta Antimanicomial). O poder público brasileiro pressionado por este movimento e também inspirado em movimentos internacionais, passou a organizar conferências de saúde mental propondo a escuta dos questionamentos dos usuários, dos familiares e dos profissionais que atuam neste campo. As conferências de saúde mental realizadas no Brasil foram de extrema importância no processo de mudança do cenário da saúde mental brasileira. Em 1986, na VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) em Brasília, aprova-se a reestruturação do sistema de saúde em vigor na época, em 1988, entra em vigência a nova constituição federal propondo que: Saúde é direito de todos e dever do Estado. Em 1987 ocorre a I Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), no Rio de Janeiro, afirmando a implantação da Reforma Sanitária Brasileira tendo como base os princípios da VIII CNS, onde se aprovou a redução progressiva de leitos em hospitais psiquiátricos, além da implantação dos serviços substitutivos em saúde mental (REVERBEL, 1996).

Em 1990 é proposta na conferência de Caracas (declaração emitida pela Organização Pan-Americana da Saúde, regional da Organização Mundial de Saúde para as Américas) a reestruturação da atenção psiquiátrica nos países das Américas. Em 1992, na IX Conferência Nacional de Saúde (Brasília), a saúde é entendida como qualidade de vida (REVERBEL, 1996). Já a II Conferência Nacional de Saúde Mental (Brasília), que ocorreu em dezembro de 1992, teve como tema "A Reestruturação da Atenção em Saúde Mental" e como conceitos fundamentais a Atenção Integral em Saúde e a Cidadania, além de ser considerada como objetivo neste processo a desinstitucionalização, surgindo os diversos dispositivos para possibilitar este processo (REVERBEL, 1996).

Em 2001, ano em que foi aprovada a Lei nº 10.216, ocorre a III Conferência Nacional de Saúde Mental (em Brasília) com o tema: “Saúde Mental: Cuidar, sim. Excluir,

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não: efetivando a Reforma Psiquiátrica com acesso, qualidade, humanização e controle social”; essa conferência foi fundamental para impulsionar a Política Nacional de Saúde Mental, sobretudo com o respaldo da lei federal da reforma psiquiátrica (BRASIL, 2005). Entre a segunda e a terceira conferência de saúde mental teve um intervalo de nove anos. A IV Conferência Nacional de Saúde Mental foi realizada em 2010, fruto da reivindicação de movimentos sociais, usuários, familiares e profissionais de saúde mental. Um marco de manifestação social ocorreu em 30 de setembro de 2009, cerca de 2300 pessoas marcharam em Brasília por uma Reforma Psiquiátrica Antimanicomial (BRASIL, 2005); a partir desse movimento social, o Ministério da Saúde realizou em Brasília a IV Conferência Nacional de Saúde Mental (27 de junho a 01 de julho) – Intersetorial que apresentou como tema: “Saúde Mental, direito e compromisso de todos: consolidar avanços e enfrentar desafios” (BRASIL, 2010a).

A lei regulamentadora da reforma psiquiátrica no Brasil dispõe sobre a proteção, sobre os direitos do sujeito em sofrimento mental e redireciona o modelo assistencial de saúde mental em nosso país, representou um grande avanço nas políticas públicas de saúde mental. A aprovação dessa lei foi resultado da grande mobilização social, especialmente representada pelo MNLA, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, a lei, originalmente proposta pelo deputado Paulo Delgado (1989) foi sancionada em 2001. O que se aprovou foi um projeto substitutivo do senador Sebastião Rocha ao projeto de lei de Delgado, retirou-se do projeto original a proposta de extinção progressiva dos manicômios no Brasil, mudou-se a cláusula da extinção para um redirecionamento na assistência em saúde mental.

Em referência às políticas públicas de saúde mental para a substituição do modelo assistencial pode-se dizer primeiramente que “políticas públicas são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado” (TEIXEIRA, 2002, p.2). Bem como, “no campo da saúde mental essas diretrizes, ações e procedimentos que mediam a relação do Estado com os atores sociais em nossa sociedade, são pensados e direcionados à promoção para uma melhor qualidade de saúde mental no território”. (BRASIL, 2003b).

Em Amarante (2003) encontram-se quatro argumentos críticos necessários ao fortalecimento do processo de reforma psiquiátrica, concomitante à efetivação do modelo assistencial comunitário. O primeiro argumento destina-se ao campo epistemológico ou teórico-conceitual, sendo esta dimensão o conjunto de questionamentos e reflexões que compõem a área de produção dos saberes, referente à produção de conhecimentos, embasando

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e autorizando o saber/fazer médico-psiquiátrico (AMARANTE, 2003, p. 48). Neste sentido, são problematizadas as verdades produzidas pelas ciências, assim como o próprio conceito de ciência.

O segundo argumento para a transformação prática na área da saúde mental é o que se refere ao campo técnico-assistencial, no qual se expressa o modelo assistencial fundamentado por uma teoria que vislumbra na loucura a incapacidade da Razão e do Juízo. Nesta dimensão, o modelo de institucionalização psiquiátrica é compreendido e legitimado com base na tutela, na custódia, nos maus-tratos, na disciplina e na vigilância (AMARANTE, 2003, p. 51).

O terceiro argumento é o jurídico-político, que se propõe a rediscutir e reformular as relações sociais e civis nos termos da cidadania, dos direitos humanos e sociais. Nesta perspectiva existe a discussão para a redefinição da questão ideológica psiquiátrica que se tornou banalizada no senso-comum, e que relaciona a loucura à incapacidade da pessoa construir relações interpessoais e simbólicas (AMARANTE, 2003).

O quarto argumento, denominado de sociocultural, é composto por um conjunto de ações que visa à transformação da concepção de loucura no imaginário social, restabelecendo as relações entre sociedade e loucura. Este argumento expressa o objetivo fundamental da reforma psiquiátrica, a transformação das relações da sociedade com a loucura (AMARANTE, 2003).

A partir da lei 10.216 e de todos os atores sociais que compõem o movimento da reforma psiquiátrica, foi efetivada pelo SUS a Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão, que aposta na indissociabilidade entre os modos de produzir saúde e os modos de gerir os processos de trabalho, entre atenção e gestão, entre clínica e política, entre produção de saúde e produção de subjetividade. Esta política principia inovações nas práticas gerenciais e nas práticas de produção de saúde, propondo para os diferentes coletivos e para as equipes implicadas nestas práticas o desafio de superação dos limites, assim como novas organizações dos serviços de saúde mental. Dentre as múltiplas correntes teóricas que contribuem para o trabalho em saúde, podem-se distinguir três grandes enfoques, o biomédico, o social e o psicológico. Cada uma destas três abordagens é composta de várias facetas, no entanto, pode-se dizer que existe em cada uma delas a tendência para valorizar mais um tipo de problema e alguns tipos de solução, muitas vezes de uma forma excludente (BRASIL, 2009).

Nesta perspectiva, a proposta da clínica ampliada e compartilhada busca se constituir como ferramenta de articulação e inclusão dos diferentes enfoques e disciplinas. A clínica ampliada reconhece que, em um dado momento e situação singular, pode existir uma

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predominância, uma escolha, a emergência de um enfoque ou de um tema, sem que isto signifique a negação de outros enfoques e possibilidades de ação. Em contraponto à clínica tradicional, aquela repleta de paradigmas que atribuíam maior valor à doença, ressaltando-a e menosprezando o sujeito em sofrimento, a clínica ampliada e compartilhada propõe a dimensão do cuidado, a clínica da escuta e do acolhimento (BRASIL, 2009).

Posteriormente aos novos paradigmas produzidos acerca da reforma psiquiátrica no Brasil, fundamentada no processo de desinstitucionalização, houve a implantação da rede de serviços em saúde mental, na qual os principais articuladores são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico e os programas de auxílio à desinstitucionalização propiciaram mudanças significativas na saúde mental em nosso país, entretanto o número destes serviços em muitas regiões do Brasil é insuficiente, além de muitos destes dispositivos desinstitucionalizantes não funcionarem de acordo com o que determina o Ministério da Saúde. Neste momento será apresentado o principal serviço substitutivo em saúde mental.

3.2 CAPS (CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL)

De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, os Caps são instituições dedicadas a acolher os sujeitos em sofrimento mental, com o intento de estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca de autonomia, oferecer-lhes atendimento psicossocial. Sua característica principal é buscar integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu “território”, o espaço da cidade onde se desenvolve a vida cotidiana de usuários do serviço e seus familiares. “Os CAPS constituem a principal estratégia do processo de reforma psiquiátrica”. (BRASIL, 2004, p.9).

Os Caps são serviços situados na média complexidade da rede de atenção psicossocial. A rede é composta pela Atenção Básica em Saúde – as Unidades Básicas de Saúde e o Programa de Saúde da Família; pela Média Complexidade – formada pelos Caps e Residências Terapêuticas, assim como Centros de Referência e Centros de Cultura; e a Alta Complexidade – os hospitais gerais, os ambulatórios e leitos psiquiátricos.

Segundo Costa (2004), o processo da reforma psiquiátrica é de extrema complexidade e são grandes os desafios. Um dos maiores desafios é justamente a consolidação desses serviços de atenção diária. Porém depois de uma experiência de mais de vinte anos, pode-se ater à convicção de que vale a pena investir nos Caps, que vêm se

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mostrando efetivos na substituição do modelo hospitalocêntrico, como componente estratégico de uma política destinada a diminuir a ainda significativa lacuna assistencial no atendimento a pessoas em sofrimento mental.

O primeiro Caps no Brasil foi inaugurado em março de 1986, na cidade de São Paulo: trata-se do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira, conhecido como Caps da Rua Itapeva. A criação deste Caps e de tantos outros fez parte de um intenso movimento social, inicialmente de trabalhadores de saúde mental, preconizando a melhoria da assistência no Brasil e denunciando a situação precária dos hospitais psiquiátricos, que ainda eram o único recurso destinado aos sujeitos em sofrimento psíquico severo (BRASIL, 2004).

Atualmente os Caps são regulamentados pela Portaria nº 1.193, de 4 de junho de 2009 e integram a rede do SUS. Essa portaria habilita e amplia o funcionamento e a complexidade dos Caps, que têm a missão de prestar um atendimento diurno às pessoas que sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, num dado território, oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial, com o objetivo de substituir o modelo hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo o exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e de suas famílias (BRASIL, 2009).

Os Caps visam:

Prestar atendimento em regime de atenção diária; Gerenciar os projetos terapêuticos oferecendo cuidado clínico eficiente e personalizado; Promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas (BRASIL, 2004, p.13).

Os Caps são responsáveis por organizar a rede de serviços em saúde mental de seu território:

Dar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, PSF (Programa de Saúde da Família), PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde); Regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental de sua área; Coordenar junto com o gestor local as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas que atuem no seu território; Manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para a saúde mental (BRASIL, 2004, p.13).

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Os Caps se distinguem pelo seu porte e clientela sendo: Caps I, podendo ser implantado em municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes; Caps II, podendo ser implantado em municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes; Caps III, podendo ser implantado em municípios com população acima de 200.000 habitantes; Serviço de atenção psicossocial para atendimentos a crianças e adolescentes (Caps-i), podendo ser implantado em municípios com população de cerca de 200.000 habitantes e; Serviço de atenção psicossocial para atendimento de sujeitos com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas (Caps-ad), podendo ser implantado em municípios que tenham população superior a 70.000 habitantes (BRASIL, 2009c).

Os Caps I, II, III, Caps-i e Caps-ad deverão estar capacitados para o acompanhamento dos usuários que participam de modo intensivo, semi-intensivo e não-intensivo; define-se como atendimento intensivo o atendimento destinado aos usuários que, devido ao seu quadro clínico atual, demandam acompanhamento diário; atendimento semi-intensivo é o tratamento destinado aos usuários que precisam de acompanhamento frequente, de acordo com o seu projeto terapêutico, mas não precisam estar diariamente no Caps; atendimento não-intensivo é o atendimento que, de acordo com o quadro clínico do usuário, pode ter uma frequência menor (BRASIL, 2002a).

2.4 PODER CONTRATUAL: O EMPODERAMENTO DO LOUCO

Por mais que tente não entendo todo mundo enlouquecendo quem é que está com a razão e tanta gente ainda lendo velho e novo testamento sem compreender a lição verdade é voz que vem de dentro e mata a sede dos sedentos o pior entre os meus sentimentos de mim foi levado enfim pelo tempo mais um milênio vem nascendo de repente se perdendo a melhor das ocasiões é só questão de investimento em vez de armas alimento deixar viver, dar o pão nesse universo tão imenso

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o meu caminho eu mesmo penso e se um dia restar meu silêncio é que as minhas canções se perderam no vento O vento e o tempo (Almir Sater e Paulo Simões) O termo poder contratual é compreendido como a possibilidade do sujeito tomar para si a responsabilidade de se situar em sua condição. Pode ser vislumbrado por meio de diferentes procedimentos desenvolvidos pela atenção em saúde mental de assistência comunitária. As noções de Terapeuta de Referência (TR) e de Projeto Terapêutico Singular/Individual (PTI) são dispositivos fundamentais dos serviços de saúde mental que produzem engajamento, implicação, adesão, comprometimento e participação dos atores sociais envolvidos nesta prática de cuidado, tanto os profissionais da saúde, a equipe técnica do Caps, como os usuários do serviço, os familiares e os membros da comunidade. São estratégias dos serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, “mediar as trocas sociais” do sujeito no sentido de aumentar sua contratualidade e favorecer um maior “grau de gerenciamento de si próprio” em busca de maior autonomia, estes serviços devem “tornar-se referência” para garantir um vínculo de confiança e uma continuidade no atendimento (KINOSHITA, 1996).

O protagonismo dos usuários de um serviço substitutivo como o Caps é fundamental para que se alcancem os objetivos propostos. Os usuários devem ser chamados a participar das discussões sobre as atividades terapêuticas do serviço, a equipe técnica pode favorecer a apropriação, pelos usuários, do projeto terapêutico singular através do Terapeuta de Referência (TR), que é uma pessoa fundamental para esse processo e que necessita pensar sobre o vínculo que o usuário está estabelecendo com o serviço e com os profissionais, estimulando-o a participar de forma ativa de seu tratamento e da construção de laços sociais (BRASIL, 2004).

Esses dispositivos de cuidado revelam os desafios da promoção da cidadania e do poder contratual dos sujeitos em sofrimento psíquico. Os serviços de saúde mental apresentam-se como novos recursos, para oferecer atendimento comunitário àqueles que conhecem a internação como principal forma de tratamento e a medicação como principal técnica de alívio do sofrimento. De acordo com Amarante (1995), o convívio com a loucura demonstra que se torna necessária uma verdadeira responsabilização de atores sociais pelo cuidado para alcançar tais objetivos, como o empoderamento do chamado louco pela sua própria vida, por meio de diferentes procedimentos de gestão articulados à terapêutica.

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Desde o momento histórico, quando da instauração da psiquiatria e do asilo na França do século XVIII, a medicina tomou para si o mandato de controle social de alguns comportamentos desviantes. Na sociedade liberal em construção, o Estado, a justiça e a família dividiam as responsabilidades pelo controle do louco, e de outras pessoas representantes de um desafio à ordem pública, como mendigos, pobres, prostitutas, criminosos e sifilíticos, até que a medicina entrou neste contexto, tornando o louco um doente mental passível de tutela, desprovido de condições para se manter em relações sociais, de exercício de direitos, porém sujeito a deveres cívicos. O chamado louco é transformado em alguém que necessita de proteção e de cuidado, ao mesmo tempo precisa ser administrado, tutelado, controlado, governado, ou seja, fato histórico que aponta para a articulação entre a terapêutica da doença mental e a gestão dos comportamentos que desafiam à ordem pública (FOUCAULT, 1978).

Na contracorrente, com o advento da reforma psiquiátrica no Brasil e das políticas públicas em saúde mental, principalmente por meio das manifestações sociais por uma sociedade sem manicômios, atualmente a rede de atenção em saúde mental objetiva a reabilitação psicossocial5, e a emancipação por parte do chamado louco, a contratualidade social. O que representa devolver ao louco sua cidadania, seu poder de trocas sociais, seus direitos como sujeito social de direitos, o empoderamento, que segundo o Ministério da Saúde do Brasil, em sua Cartilha da Política Nacional de Humanização do SUS, coincide com a autonomia. Autonomia, diz respeito à faculdade de se governar por si mesmo. Autonomia não como sinônimo de independência, mesmo porque todos os sujeitos são dependentes, embora quanto mais recursos, como família, laços e vínculos sociais, comunidade, enfim, mais autonomia o sujeito adquire, nas trocas e negociações cotidianas se mostram ganhos de autonomia. Pensar os indivíduos como sujeitos autônomos é pensar no alcance do poder contratual pelos indivíduos, considerá-los como protagonistas nos coletivos, os quais participam, co-responsáveis pela produção de si e do mundo em que vivem, a autogestão na coletividade. Um dos valores norteadores da Política Nacional de Humanização é a produção de sujeitos autônomos, protagonistas e co-responsáveis no processo de produção de saúde.

O poder contratual é atrelado ao protagonismo, que como preconiza a Política Nacional de Humanização dos serviços substitutivos em saúde mental, diz respeito à idéia de que toda ação, interlocução, e a atitude dos sujeitos ocupam lugar central nos acontecimentos.

5 Segundo PITTA (1996) a reabilitação psicossocial é considerada uma prática que busca facilitar aos indivíduos

em sofrimento psíquico a reestruturação de sua autonomia através de ações que os incluam em diversos segmentos sociais. Objetiva fortalecer e favorecer as ações na comunidade visando a potencialização de suas habilidades.

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No processo de promoção da saúde, o protagonismo representa o papel dos sujeitos autônomos e co-responsáveis neste processo da promoção de sua própria saúde e da coletividade (BRASIL, 2006).

Pitta (2000) compreende autonomia como o momento em que o próprio sujeito lida com suas questões de modo a necessitar menos da assistência do serviço. Deste modo, caberia à instituição, o Caps, funcionar como um espaço intermediário, um local de passagem, na medida em que possibilita aos usuários um aumento de seu poder contratual. Não se trata, neste sentido, de criar e impor critérios de autonomia para os usuários, entretanto observar qual é o lugar ocupado por esta questão dentro da nova perspectiva de atenção à loucura, como a instituição a concebe e promove no tratamento aos seus usuários.

Diante disso, problematiza-se que o serviço substitutivo em saúde mental pode promover e ampliar o alcance do poder contratual, propiciar a contratualidade do usuário em relação à sociedade e ao ganho de autonomia. Estes ganhos são significativos porque demonstram que o chamado louco ocupa um lugar, um espaço e a segurança para desempenhar atividades, possibilitando aos sujeitos um acesso ao social que antes não tinham e a possibilidade de concretizar laço social. É possível que o sujeito fale e que seja entendido naquilo que está dizendo. Deste modo, quando o sujeito se expressa, algo da subjetividade emerge. É provável que o chamado louco fale, fato impensável há um tempo o que, sem dúvida, constitui mudanças (PITTA, 2000).

Logo, o poder contratual é atrelado à retomada do controle sobre a própria vida e de trocas sociais, pelo sujeito em sofrimento psíquico. Entende-se que o referido termo articula uma importante discussão no campo da atenção psicossocial. Faz-se uma crítica de não delimitação do termo no âmbito da instituição, porém ele está presente e implicado na prática cotidiana de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico que rompem com o modelo de tratamento moral, e buscam a desinstitucionalização dos sujeitos em sofrimento psíquico. Da mesma forma, presente no cotidiano social.

De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, os usuários dos serviços substitutivos em saúde mental devem procurar pelos técnicos que trabalham nos serviços, para poderem tirar dúvidas e pedirem orientação sempre que precisarem. Entrando direta ou indiretamente em contato com o Caps mesmo quando não estiverem em condições de irem ao serviço. A participação dos usuários nas Assembléias muitas vezes é um bom indicador da forma como eles estão se relacionando com o Caps. As Associações dos usuários podem surgir destas Assembléias, que questionam as necessidades dos usuários e do serviço (BRASIL, 2004).

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Salienta-se que o poder contratual é compreendido nesta pesquisa como o poder sobre si mesmo e sobre as trocas sociais, é processual, ou seja, é um processo no qual o sujeito vai tendo possibilidades de intercâmbio, de apropriação e decisão em relação aos seus projetos, sonhos, e desejos, o poder de explanação, de negociação, e responsabilização sobre si. O fenômeno do poder contratual é manifesto pelo ganho de autonomia.

3 MÉTODO

Com o objetivo de compreender o alcance do poder contratual pelos usuários de um Caps, foi realizada uma pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, com delineamento estudo de campo e corte transversal.

Participaram da pesquisa cinco usuários do serviço substitutivo em saúde mental, o Caps II do município de Palhoça, maiores de dezoito anos, que passaram por internação psiquiátrica de no mínimo quinze dias e que atualmente são usuários do Caps por pelo menos três anos, conforme demonstrado no quadro referente à caracterização dos participantes (APÊNDICE C).

Os critérios de seleção dos usuários participantes da pesquisa foram: que os usuários demonstrassem adesão e a participação no tratamento propiciado pelo serviço, assim como o protagonismo. A seleção foi possível, ancorada ao fato da pesquisadora participar como extensionista do estágio no Caps II de Palhoça, desenvolvendo oficinas de mosaico com grupo aberto de participantes. Por meio da observação participante, embora assistemática e limitada, que a acadêmica desfruta, pois os encontros ocorrem há um ano, semanalmente no espaço do Caps II, tornou-se possível observar o engajamento, a participação, o interesse dos usuários que frequentam a oficina, bem como, apenas frequentam o serviço e demonstram neste ambiente que são capazes de negociações sobre seus próprios desejos, seus projetos e suas escolhas, portanto, nas relações estabelecidas dentro da oficina e no serviço, que foram selecionados os participantes desta pesquisa.

O instrumento utilizado para a coleta de dados constituiu-se em entrevista semi-estruturada. O roteiro de entrevista foi elaborado a partir da análise das variáveis constituintes do fenômeno a ser investigado, o poder contratual. Para tal, foi necessário investigar, através de perguntas, quatro aspectos principais: a caracterização dos participantes, a compreensão dos usuários do Caps acerca do serviço, o processo terapêutico dos usuários e as atividades desempenhadas por estes.

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As entrevistas aconteceram no próprio serviço, em uma sala disponibilizada ao encontro com os participantes, pela facilidade de contato e desenvolvimento da coleta de dados com os usuários. Foi solicitado aos participantes, e para demais usuários do Caps, que não houvesse interrupção e participação de terceiros durante a realização das entrevistas. Inicialmente a pesquisadora apresentou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), solicitou que os usuários assinassem o termo, salientando que a qualquer momento no decorrer da entrevista, ou após a realização desta, era possível que o usuário desistisse. Este documento esclareceu os objetivos da pesquisa, bem como a duração da entrevista (em média 30 minutos) e o respeito ao sigilo. As entrevistas foram registradas através de um gravador, com a autorização de cada um dos cinco usuários, e posteriormente transcritas na íntegra.

A análise dos dados coletados junto aos usuários foi realizada a partir da técnica de análise de conteúdo. Esta pesquisa almejou demonstrar uma realidade, o empoderamento do sujeito, o processo de alcance do poder contratual, pela referência dos usuários de um serviço substitutivo em saúde mental. A pesquisa pretendeu com a análise de conteúdo apontar uma leitura interpretativa de um fenômeno.

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Neste capítulo serão analisados e discutidos os dados coletados por meio das entrevistas aplicadas junto aos participantes da pesquisa, com a finalidade de elucidar os objetivos propostos por este trabalho.

Os dados coletados serão discutidos a partir dos objetivos específicos, formando categorias de análise, sendo elas: os processos de funcionamento do Caps; a construção do projeto terapêutico; e a caracterização do modelo assistencial comunitário.

O que é o Caps pela referência do usuário? Para que serve o serviço de saúde mental? O usuário participa do seu tratamento como sujeito ativo, e autor neste processo? Existe a busca e a prática terapêutica que almejam a desinstitucionalização dos sujeitos em sofrimento psíquico? Estes são alguns dos questionamentos que nortearão a discussão e a análise dos dados neste capítulo, de igual modo serão articulados ao conteúdo das falas dos sujeitos entrevistados.

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4.1 PROCESSOS DE FUNCIONAMENTO DO CAPS

4.1.1 Apoio, cuidado e acolhimento

Compreende-se através do conteúdo das falas dos participantes da pesquisa que o Caps é um lugar de apoio para os usuários, um lugar que cuida e acolhe. Ribeiro (2005) no artigo: “Uma reflexão psicanalítica acerca dos CAPS: alguns aspectos éticos, técnicos e políticos”, discorre sobre a existência dos serviços substitutivos em saúde mental, no sentido do “lugar” que estes dispositivos estratégicos em saúde ocupam, uma questão de território. Território, entendido pela autora, como uma articulação entre pessoas, locais, espaços, comunicações, encontros, uma rede entrelaçada por relações, e instituições que convivem em determinado local, o que pode ser deliberado como um lugar. Qual é o lugar que o Caps ocupa?

O conteúdo das falas de usuários do Caps entrevistados na pesquisa mostra que o serviço é um lugar de apoio, cuidado e acolhimento, tais como: “O Caps é um apoio que a gente tem! [...]” (Clarice Lispector); “[...] A gente vem se cuidar aqui!” (Raul Seixas); “[...] Aqui no Caps eles acolhem a gente, quando a gente precisa ser acolhido!” (Alice no País das Maravilhas); “[...] Isso aqui é muito bom, eu nunca mais fui internado no IPQ. E graças ao tratamento aqui no Caps.” (Salvador Dali).

O Caps representa um local que acolhe. É um serviço de saúde mental que possui uma equipe multiprofissional, interdisciplinar, composta por técnicos, profissionais da área da saúde e da assistência social, e funcionários administrativos. Cada usuário ao ingressar no serviço é acolhido, pelo técnico chamado de Terapeuta de Referência (TR), um profissional integrante da equipe, que irá acompanhar de maneira mais próxima o projeto terapêutico singular do usuário. De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil (2004) o Terapeuta de Referência terá sob sua responsabilidade acompanhar junto ao usuário o seu projeto terapêutico, no sentido de re-definir, por exemplo, as atividades e propostas do serviço, assim como a frequência de participação no Caps.

As falas dos usuários participantes da pesquisa apontam que estes recebem o cuidado no serviço de saúde mental, assim como o acolhimento e o apoio, o que representa novos modos de tratar a loucura, não mais por meio da tutela, e do controle. Cirilo (2006) afirma a importância dos movimentos sociais bem como da inserção da psicologia neste

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campo, buscando um novo tipo de cuidado em saúde mental, de modo a expressar uma nova maneira de conviver com a loucura.

O conteúdo da pesquisa encontra alicerce na nova clínica em saúde mental, a clínica ampliada e de inclusão dos sujeitos estigmatizados pelo sofrimento psíquico, que propõe a dimensão do cuidado, da escuta, do acolhimento e da prevenção no âmbito da saúde coletiva. Os usuários do serviço de saúde mental enfatizaram que recebem o cuidado, o apoio e o acolhimento. Pode-se inferir que o serviço tem este propósito, o de elucidar “a saúde mental na perspectiva preventiva, e inerente à vida social, assim como atuar sobre as contradições internalizadas nas pessoas” (VASCONCELOS, 1985, p.15).

Contribuindo com a discussão sobre clínica ampliada, Lancetti e Amarante (2006) apontam o acolhimento como um dispositivo clínico, que consiste na escuta do sujeito que sofre e busca tratamento em serviços de saúde mental. Outro autor que disserta sobre o acolhimento é Ferreira (1975), afirmando que acolher é “dar acolhida, aceitar, dar ouvidos, dar crédito a, agasalhar, receber, atender, admitir”. O acolhimento como ato ou efeito de acolher expressa, em suas várias definições, uma ação de aproximação, um “estar junto”, “estar com”, e um “estar perto de”, representando uma ação de inclusão. (FERREIRA, 1975).

O Caps é compreendido, na referência dos usuários participantes da pesquisa, como um lugar de pertencimento, anteriormente extinto na vida destes sujeitos, devido ao histórico de crises, ou surtos psicóticos, e conseguinte internações psiquiátricas, com extremo sofrimento psíquico seguido pela segregação e exclusão social. A história de cada usuário que participou do presente trabalho é marcada pela visão do antigo paradigma psiquiátrico, centrado na concepção da loucura enquanto doença e do louco como doente mental.

Torna-se possível a mudança no modelo de assistência em saúde mental no que se refere ao novo lugar ocupado pelo sujeito que sofre psiquicamente, o chamado louco. O acolhimento deve ser um dispositivo que pode ser acionado em diversos momentos, não apenas quando os sujeitos se inserem no serviço, e sim a cada nova situação que exija o acompanhamento, a escuta, o olhar. O lugar de acolhimento, mencionado nas falas dos participantes desta pesquisa, expressa uma nova maneira de tratar o sofrimento psíquico, e empodera o sujeito que pode ser acolhido, pode deixar de ser tutelado, e pode ter vez, ter voz, neste novo contexto, neste novo lugar.

A compreensão dos usuários do Caps entrevistados neste trabalho acerca do que é o serviço de saúde mental, e qual sua principal função, denota o apoio, o cuidado e o acolhimento que eles reconhecem como atribuição do Caps. Neste sentido, infere-se que estes aspectos apontados pelos usuários podem se constituir como relevantes para o processo de

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alcance do poder contratual. Tendo em vista que os serviços substitutivos são pautados na nova concepção de clínica, a clínica ampliada, com o foco na prevenção e promoção da saúde mental. O sujeito que busca tratamento no Caps necessita de um local de referência, de apoio, um local, como afirma Kinoshita (1996), que na medida em que atua possibilita aos usuários um aumento de seu poder contratual, emprestando-lhe, sua própria contratualidade.

Vasconcelos (2007) traz o conceito empoderamento, no campo da saúde mental, como tática ativa de fortalecimento do poder, da participação e organização dos usuários na produção de cuidado, na prevenção à saúde. Os usuários podem participar ativamente nos serviços e de maneira autônoma nos dispositivos de cuidado e suporte, assim como em estratégias para a mudança da cultura referente à doença e saúde mental, e conhecimentos e defesa dos direitos.

4.1.2 Liberdade de escolha

Esta categoria se refere ao modo como os sujeitos entrevistados na pesquisa compreendem o poder sobre as decisões no serviço substitutivo em saúde mental. “[...] Eles são bem conivente com isso, porque tem dias que a gente não tá bem também, não adianta também não querer participar, aí é mais pra ser acolhido.” (Alice). Diante dessa fala pode-se compreender que a usuária possui a liberdade de escolha no serviço de saúde mental, assim como a seguinte fala do usuário: “[...] Quando to achando que é muito remédio, eu venho, falo com o médico, às vezes eu dou uma parada. [...]” (Raul Seixas). De igual modo, outro usuário pronuncia: “[...] Desenhar o que a gente quiser depois falar pro grupo, se quiser, do que aquele desenho significa pra gente, e eu gosto! [...]” (Salvador Dalí). O conteúdo dessas falas representa um cenário no qual o usuário pode se implicar, no sentido da liberdade existente, dentro do novo espaço destinado ao tratamento do sofrimento psíquico.

O Caps é responsável pela promoção da autonomia dos usuários. Autonomia, em sua etimologia, significa “produção de suas próprias leis” ou “faculdade de se reger por suas próprias leis” 6. O Ministério da Saúde do Brasil preconiza que o protagonismo dos usuários é

fundamental para que se alcancem os objetivos do Caps, como dispositivo de promoção da saúde mental e da reabilitação psicossocial (BRASIL, 2004). Os usuários devem ser chamados a participar das discussões sobre as atividades terapêuticas do serviço, tanto quanto

6 Definição do termo autonomia pelo Ministério da Saúde do Brasil, em sua Cartilha da Política Nacional de

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terem o direito à liberdade de escolha diante das possibilidades de atuação, como sujeitos ativos, autores e atores em seus processos dentro e fora do serviço.

Para Amarante (1995), a desinstitucionalização é um processo maior e mais complexo, que supera a desospitalização em si, pois, enquanto esta diz respeito apenas às mudanças no espaço de tratamento para o sofrimento mental, com a modernização e humanização das técnicas; a primeira se refere a transformações de dimensões mais extensas e mais complexas. Rotelli (2001) afirma que a desinstitucionalização se propõe a questionar não apenas a instituição manicomial, mas sim o próprio diagnóstico, a doença mental. O autor amplia a compreensão sobre o sofrimento psíquico para além da simples classificação e sintomatologia das doenças, por meio da experiência do sofrimento psíquico.

Amarante (1995) contribui em relação à discussão sobre o protagonismo do usuário de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico e afirma a necessidade de engajamento da equipe multiprofissional do Caps, assim como dos usuários e familiares, pela conquista da autonomia e cidadania. A desinstitucionalização almeja ruptura com a objetivação disciplinadora do homem em síndromes e doenças construídas pela psiquiatria, os diagnósticos, voltando-se para o sujeito em sua experiência da loucura. Amarante (2003) afirma que o giro epistemológico (colocar a doença mental entre parênteses) favorece o enfoque no sujeito, não mais em seu diagnóstico, que possibilita o olhar, a escuta e o apoio ao sujeito, a favor de sua contratualidade.

Os usuários devem ser estimulados a criarem suas Associações de Usuários do CAPS (AUCAPS), ou Cooperativas, onde eles possam, através da própria organização, discutir os problemas comuns, buscar soluções coletivas para questões sociais e de direitos essenciais, que ultrapassam as possibilidades de atuação do Caps. Desta forma, entende-se que a articulação dos usuários como Associação, e o relacionamento para com a equipe de trabalho contribuem para o alcance do poder contratual, de trocas sociais, de engajamento e empoderamento do sujeito em sofrimento psíquico em relação a si mesmo, e ao outro (BRASIL, 2004).

Destaca-se a fala: “[...] Eu gosto de analisar as coisas pra depois a gente levar pra mesa, pra Associação, pra poder ver, a gente refletir junto, porque é tudo direitos nossos!” (Frida Kahlo). A usuária se refere à sua postura em relação à participação na Associação de Usuários do Caps (AUCAPS), o que representa a liberdade de escolha da mesma, ao mesmo tempo em que emerge o engajamento político na luta pelos direitos como cidadãos.

Nesta direção, a partir das falas dos usuários participantes da pesquisa em relação à liberdade de escolha, compreende-se que é propiciado o pensamento autonomista e orientado

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ao aumento do poder contratual pelos usuários do Caps, fundamentado na estratégia de empoderamento do sujeito que sofre por exclusão e estigmas sociais (VASCONCELOS, 2000).

4.1.3 Estratégias terapêuticas

As estratégias terapêuticas formam uma categoria de análise que representa, a partir da referência do usuário, as atividades disponibilizadas pelo serviço substitutivo em saúde mental, compostas pelas seguintes subcategorias: atendimento psiquiátrico, atendimento psicológico e oficinas terapêuticas.

No conteúdo das falas dos participantes da pesquisa aparece “[...] Eu venho no psiquiatra. [...]” (Clarice); “[...] Eu venho no psiquiatra [...] (Alice)”; “[...] Eu venho no psiquiatra [...]” (Salvador Dalí); “[...] Venho só no psiquiatra.” (Raul Seixas). Salienta-se que nessas falas de maneira idêntica se repete a frase, demonstrando a dependência que os usuários do serviço ainda possuem em relação ao atendimento psiquiátrico realizado no Caps. As outras falas: “Com o médico também eu tenho consulta [...]” (Frida); “[...] Tem a medicação que a gente precisa [...]” (Clarice), remetem à regularidade com que os usuários do serviço são atendidos pelos médicos psiquiatras. Neste ponto, pode-se problematizar que psiquiatria e a institucionalização da loucura ainda remetem os sujeitos em sofrimento psíquico ao aprisionamento à medicalização.

Os usuários participantes dessa pesquisa também recebem atendimento psicológico no Caps, alguns de maneira individual, e outros em forma de grupos terapêuticos, coordenados pela psicóloga do serviço. “[...] Eu venho na psicóloga toda semana.” (Frida); “[...] Eu venho na psicóloga individual [...]” (Clarice); “[...] A psicóloga que eu venho [...]” (Alice); “Eu participo de grupos de conversa com a psicóloga [...], venho na psicóloga só em grupo, particular não [...]” (Salvador Dalí); “Eu participo do grupo de giz com a psicóloga [...], mas eu não venho na psicóloga individual [...]” (Raul Seixas).

Ocorrem as oficinas terapêuticas no serviço substitutivo em saúde mental, realizadas pelos profissionais da equipe, como enfermeiras, psicólogas, pedagogas, assistentes sociais, como também por estagiários dos cursos de Naturologia e Psicologia da Unisul. As oficinas terapêuticas são dispositivos clínicos estratégicos, tendo como intervenção o trabalho produtivo, elas podem ser atividades artísticas, artesanais, culturais, de lazer, de esporte, de relaxamento, dentre outras. Elas objetivam: a diminuição do sofrimento psíquico e a

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