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Caracterização do sistema de ações (fluxos de processos)

A macro área administrativa da Rede Ferroviária Nordeste era composta por setores voltados aos processos de apoio a área fim, quais sejam: pessoal, financeiro, patrimônio, planejamento, pessoal, dentre outros.

Por sua vez, a macro área da operação ou operacional era constituída, em geral, por quatro Departamentos inseridos no âmbito das Superintendências de Produção12, –

Transporte, Via Permanente, Eletrotécnica e Mecânica –, os quais comandavam e controlavam os fluxos da operação ferroviária regidos por normas e por regulamentos próprios.

O Departamento de Transporte era composto basicamente por dois importantes setores, o tráfego e a tração. Ao tráfego competia realizar ações voltadas à condução dos trens (dimensionar e escalar equipe de tração – maquinista, auxiliar, condutor e guarda freio – e definir o trajeto e a logística da circulação de cada trem), a administração das estações e a operação e manutenção dos sistemas de comunicação e licenciamento das composições ferroviárias. Ao setor de tração cabia às ações relacionadas a conservar o material rodante (locomotiva, vagão, carros passageiros, auto de linha, guindastes, etc.) e a dimensionar a tração necessária para fazer circular a composição ferroviária (estabelecia a quantidade de locomotivas necessárias para tracionar os vagões e carros de passageiros).

12 A Superintendência de Produção, conforme as fontes pesquisadas, tem suas atividades voltadas especificamente aos processos operacionais, do trabalho e da logística da empresa ferroviária. São Superintendências interdependentes, mas articuladas e conectadas a Superintendência Regional da rede. No caso da Rede Ferroviária Nordeste, as Superintendências de Produção situavam-se em João Pessoa (PB), Natal (RN), Maceió (AL) e Recife (PE), a qual acumulava a Sede Regional dessa rede.

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Ao Departamento de via permanente cabiam as ações de conservar, reparar e construir a via férrea (trilhos, dormentes, lastro, sistemas de comunicação e sinalização e obra-de-arte que conformavam o leito de linha ferroviário).

Os Departamentos de eletrotécnica e de mecânica voltavam-se à conservação e montagem: (i) dos sistemas elétrico e mecânico do material rodante e das máquinas pesadas e leves de apoio; (ii) dos sistemas de comunicação e de sinalização da operação ferroviária; e, (iii) dos equipamentos e das ferramentas, inclusive chegando a confeccionar alguns deles. A distribuição do sistema de ações no espaço geográfico não se dava por acaso. As localizações e as interações não eram estabelecidas de maneira aleatória, seguiam uma lógica conduzida por motivações específicas que variavam, desde a autonomia de combustível das locomotivas (vapor, óleo e diesel) ao programa de conservação de via permanente13.

Um exemplo prático envolvendo parte dessas questões são as motivações que levavam a distribuição dos processos desenvolvidos pelos funcionários ocupantes das localidades consideradas “Sedes de residência”. Explicando melhor. Do ponto de vista da gestão era estratégico que as ações relacionadas aos processos de transporte e de conservação da via permanente não fossem concentradas somente nas sedes das Superintendências de Produção14 e sim, fossem distribuídas também ao longo do leito de

linha.

Por isso, no caso da Rede Ferroviária Nordeste a cada 300 ou 350 quilômetros de linha férrea foram implantadas as chamadas “Sedes de residência”, as quais funcionavam como base avançada das aludidas Superintendências. Nos pátios onde tais Sedes eram instaladas havia uma concentração maior de processos frente às atribuições acumuladas por elas. Logo, era natural elas apresentarem uma dinâmica mais complexa em referencia às demais, e também exigirem uma maior densidade de materialidade, de modo a atender a realização dos processos.

Com isso, para além das estações, uma quantidade diversificada de outras estruturas era construída nesses pátios. Exemplo são: oficinas, postos de abastecimentos, estações, complexos de armazéns, equipamentos de manobra dos trens, posto de revistação de

13 A programação de conservação de via permanente dependia da quantidade de quilômetros de linha a serem conservados. Daí eram construídas estruturas necessárias para sua realização e para apoio aos funcionários como garagem de auto de linha, oficinas, vilas e edificações voltadas às atividades sociais das famílias dos ferroviários, a exemplo das escolas, dos postos médicos e dos centros sociais.

14 No caso da Rede Ferroviária Nordeste, tais Superintendências eram situadas em Natal (RN), João Pessoa (PB), Recife (PE) e Maceió (AL).

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locomotiva, posto de manutenção de vagão, vilas, alojamento da equipe da tração (maquinista, condutor e guarda-freio). Em alguns casos, também escolas e clubes sociais eram instalados para atender as famílias dos trabalhadores15.

Por essas razões, não era por acaso que os pátios ferroviários que abrigassem as “Sedes de residência” fossem localizados em posições estratégicas no âmbito da lógica do funcionamento da Rede.

A realização da maioria das ações demandavam mão-de-obra bastante qualificada, a exemplo dos trabalhos desenvolvidos pelos mestres de linha, feitores, chefe de estações, maquinista, serralheiro, soldador, carpinteiro, dentre outros16. Por isso, as companhias

ferroviárias – como The Great Western of Brazil Railway Company Limited, a Rede Ferroviária Nordeste e a Rede Ferroviária Federal S.A. – criaram seus próprios Centros de Formação Profissional, formando assim a mão-de-obra especializada e capacitada para ser absorvida em seus próprios quadros funcionais. Muitos desses centros foram tomados como referência no país, como os situados em: Jaboatão dos Guararapes (PE); Alagoinhas (BA); Belo Horizonte, Corinto, Conselheiro Lafaiete, Santos Dumont e Além Paraíba (MG), Barra do Piraí, Engenho de Dentro e Governador Portela (RJ); Baurú (SP); Curitiba (PR); Mafra (SC) e Santa Maria (RS).

Com a implantação e regulamentação do SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – convênios entre este Serviço e a RFFSA foram firmados permitindo ampliar a capacitação oferecida nos Centros Profissionais. Ao término do curso, em geral, os aprendizes eram absorvidos nos quadros funcionais da Rede Ferroviária Nordeste e depois também na RFFSA. Os cursos tinham duração de três anos, sendo a prática ministrada pelos próprios engenheiros e técnicos ferroviários, valendo-se das próprias estruturas das oficinas ferroviárias. No caso da Rede Ferroviária Nordeste eram

15 Informação fornecida pelo engenheiro ferroviário José Aguilar, em entrevista no. MRFP_HV006 concedida em 2010, disponível no Volume I, Um Trem de histórias: registros e disseminação dos saberes e ofícios da Rede Ferroviária Nordeste. (Iphan,2009-2010). Os cinco volumes que constituem esse livro encontram-se disponíveis na Biblioteca Almeida Cunha, Superintendência Estadual do Iphan Pernambuco.

16 Chama atenção a função desenvolvida pelo “corredor de linha”. Esse trabalhador ainda pela madrugada percorria quilômetros de via permanente, em torno de quinze, para identificar alguma intercorrência que colocasse a circulação do trem em perigo. Após inspecionar a via, ele sinalizava para o maquinista utilizando uma lanterna a gás (tipo farol) a situação em que ela encontrava, segundo relatou o Sr. Luiz Gomes de Lima em entrevista concedida no projeto Um Trem de Histórias: registro e disseminação dos saberes e ofícios da Rede Ferroviária Nordeste (Iphan, 2009/2010). Outra profissão especializada era a de condutor de trem. Esse funcionário aguardava a licença do chefe da estação para comandar a partida do trem. Em geral, ele se valia de bandeira e apito para sinalizar ao maquinista as manobras que o trem teria que realizar. Condutores também cobravam as passagens nos trens de passageiros, marcando-as com alicate, segundo relatou Sr. Eldo Almeida, também em entrevista concedida ao citado projeto.

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utilizadas as oficinas de manutenção e reparo de carros passageiros e vagões de carga, situadas em Jaboatão dos Guararapes, e as oficinas de manutenção e reparo de locomotivas, fixadas no Recife, no bairro de Edgard Werneck e em Cinco Pontas, todas localizadas em Pernambuco. A maioria dos aprendizes eram filhos dos ferroviários, mas era necessário prestar exames de seleção, segundo relatos orais constantes nos cinco livros do projeto Um trem de Histórias... .

No Nordeste, o Centro de Formação Profissional situado em Jaboatão dos Guararapes-PE era considerado como de referência no Brasil por formar mão-de-obra especializada para trabalhar nas oficinas ferroviárias e outras instaladas na região17.

Frente ao exposto é possível caracterizar as ações como um ato formado por comportamento orientado e normativamente regulado, o qual ocorre em situações diversas envolvendo uma intencionalidade e um significado (SANTOS, 2008). Para serem realizadas necessitam de substrato material, ancorando-se assim no espaço. Existem ações voltadas às atividades meio – morar, capacitar, dentre outras de cunho assistencialista –, e outras relacionadas às atividades fins – controlar e operar o tráfego e a tração; conservar e reparar o material rodante, as máquinas leves e pesadas, os sistemas de sinalização e comunicação, além dos equipamentos e ferramentas; administrar as estações; abastecer as locomotivas; e, por fim conservar e reparar as vias férreas e suas infraestruturas e suas superestruturas. Cabe agora compreender as características dos objetos necessários à realização das ações.