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7.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

7.1.1 Caracterização dos discentes

Para fins de descrição dos casos, os dois alunos participantes serão chamados de Conrado e Cícero. Os dados serão apresentados conforme as questões 1, 2, 3, 8, 9, 11, 15 e 16 da entrevista, respondidas pelos alunos e, no caso de Cícero, também por sua mãe.

a) Conrado: 20 anos, diagnóstico de TEA, acompanhado por psiquiatra, faz uso de Bupropiona ao dia e Quietiapina5 à noite. De acordo com dados da entrevista, sente que quase sempre tem energia para as atividades do dia a dia, embora sejam

frequentes os sentimentos de humor rebaixado e ansiedade. Tem tentado tomar mais decisões em sua vida pessoal, mas ainda é dependente financeiramente dos pais. Segundo ele, a dificuldade de socialização é o aspecto do Transtorno que mais lhe prejudica, como salienta no seguinte fragmento: [... a socialização] “é meu grande problema. Foi o motivo de meus pais procurarem um psicólogo, ainda quando não sabiam o que eu tinha” (CONRADO, 20/09/18). A resposta de Conrado é harmônico com os achados da literatura. No estudo de Camarena e Sarigiani (2009), em que foram entrevistados 21 adolescentes autistas de alto funcionamento, mais seus pais, para conhecer suas aspirações após terminarem o Ensino Médio, foi observada congruência nos relatos dos participantes sobre o fato de que, para aqueles jovens, a dimensão das habilidades sociais é mais problemática do que a dimensão acadêmica. Esses alunos precisam de instituições de educação que tenham programas de acolhimento e aceitação para que a socialização não seja um entrave para a escolarização.

Conrado é aluno regular do 2º período de um Curso Superior do IFRN; não entrou por meio das cotas para alunos com deficiência. Situação idêntica ocorreu no estudo de Camarena e Sarigiani (2009), em que os autores perceberam que 68% dos 21 adolescentes autistas que eles entrevistaram também não se identificavam como deficientes ou não conheciam seu diagnóstico. Eles pediam para serem descritos como “diferentes dos outros”.

De acordo com os seus relatos, Conrado está conseguindo acompanhar as disciplinas – inclusive já completou a carga horária da disciplina de Língua Inglesa com um exame de proficiência. Ele não pensa em trancar o curso e pretende continuar se aperfeiçoando na área e se tornar independente. Isso deve ser encorajado, pois as atividades extracurriculares podem oferecer oportunidades para desenvolver habilidades de responsabilidade consigo mesmo, importante para o sucesso na Educação Superior e Profissional (ROUX et al., 2015). A independência, assim como a maturidade e responsabilidade, são grandes expectativas de adolescentes e jovens autistas, pois eles, assim como os demais, também esperam alcançar os marcadores tradicionais da idade adulta (ter recursos financeiros, relacionamentos íntimos, formar família, morar sozinhos etc.) (ANDERSON et al., 2016).

b) Cícero: 22 anos, diagnosticado com TEA e surdez. O aluno é acompanhado por psiquiatra, faz uso de Fluoxetina ao dia e Clonazepam6 à noite. Não conseguiu responder que prejuízos o TEA trazia para sua vida diária. Segundo sua mãe, ele não aceita que tenha qualquer tipo de deficiência e não gosta de pessoas que também a tenham, ficando, inclusive, muito agressivo perto delas, fato que a levou a deixar de participar de alguns serviços que usufruíam em uma instituição filantrópica voltada para tal público. Aqui observamos a repetição da não aceitação da condição de deficiente, como trazido acima e reforçado pelo estudo de Camarena e Sarigiani (2009), além de não conseguir discriminar os sintomas do Transtorno que mais lhe afligem, como também ocorreu com alguns participantes do estudo de Cullen (2015). Destaca-se a responsabilidade da família e cuidadores em promover a autoconsciência nos jovens, inclusive para que eles possam defender suas necessidades particulares e não as minimizar.

A mãe o acompanha em todos os espaços, inclusive em sala de aula, e estava presente na entrevista. Tal fato parece deixá-lo insatisfeito, pois sente que não faz as próprias escolhas sobre sua vida. Sobre isso, durante a entrevista, o aluno explica “Sou muito velho para ser acompanhado por uma mãe” (CÍCERO, 08/08/18). Novamente, fica marcada a necessidade de independência de jovens autistas nessa fase (ANDERSON et al., 2016) e, nesse caso, ela está muito mais relacionada a autorresponsabilidade do que a independência financeira. É comum que jovens autistas estejam bastante ligados aos seus familiares, mesmo quando chegam à universidade, conforme mostra o estudo de Cullen (2015). Mas, nessa idade, os programas de apoio devem discutir com o próprio adulto jovem essa necessidade de tutela e orientar para uma vida independente e funcional, como nos alerta Bosa (2006), destacando que as pessoas têm necessidades específicas a cada fase do desenvolvimento. Por fim, Cícero revela que quase sempre tem energia para suas atividades diárias, contudo é frequente sentir-se com humor deprimido ou ansioso. Entrou no curso por meio das cotas para deficientes; mas revela que já pensou em trancar porque, na verdade, seu sonho é estudar quadrinhos e animação gráfica na USP.

6 Fluoxetina é um medicamento antidepressivo e o Clonazepam é um anticonvulsivante e depressor do

Essa variabilidade de quadros, em combinação com um corpo limitado de pesquisas, torna extremamente difícil tirar conclusões gerais sobre o desempenho e avaliar as habilidades acadêmicas dos alunos com TEA (FLEURY et al., 2014).

c) Os discentes na perspectiva dos professores: além das entrevistas acima, feitas com os próprios alunos, ainda foi possível colher informações sobre eles por meio das questões 11 a 15 do questionário inicial que os professores responderam. Somente seis professores responderam a esse trecho (três de cada aluno conforme o estipulado no projeto inicial da pesquisa). Essas perguntas abarcavam pontos semelhantes ao estudo de Gomes e Mendes (2010) no tocante a: I) os tipos de suporte educacional recebido pelo aluno e pelo professor; II) a dinâmica escolar do aluno, incluindo frequência, participação nas atividades escolares e procedimentos de avaliação da escola; III) os aspectos sobre a comunicação e a aprendizagem do aluno; IV) os dados sobre os comportamentos do aluno na escola; e V) a participação da família no processo de escolarização.

Os dados sobre os alunos, provenientes do questionário que seus seis professores responderam também serão apresentados conforme as questões do instrumento, como segue.

Nas questões 11, 12 e 13, os professores deveriam assinalar se percebiam algumas das características e/ou comportamentos em seus alunos. Essas características estavam relacionadas aos sintomas do TEA. Os professores relataram o seguinte:

- Conrado: o aluno não tem outra deficiência além do TEA. Os três professores alegam que não foi feita modificação curricular específica para o aluno, embora um deles tenha relatado perceber que o estudante precisava de suporte para acompanhar as aulas, mas não especificou o que seria esse suporte. Dois dos professores acreditam que o aluno está parcialmente satisfeito com sua escolarização e, embora seja comum exibir humor depressivo ou ansioso, quase sempre participa de atividades de lazer/esporte, assim como quase sempre demonstra estar satisfeito com suas relações interpessoais. Também dois professores relatam que a família participa da educação do aluno, enquanto outro diz que não participa. Dois dos professores relatam ainda que ele demonstra comportamentos estereotipados, medos e, por vezes, apresenta-se arredio ou indiferente. Só um dos professores relatou que o aluno

mantém contato visual. Os três professores afirmam que têm mais dificuldade com relação à comunicação com o aluno, relatam que contribuem para desenvolver mais a área dos relacionamentos interpessoais e comportamental de Conrado.

- Cícero: além do TEA, o aluno tem surdez, conforme é de conhecimento de todos os professores. Dois professores relatam que não foi feita modificação curricular pensada para o aluno, enquanto outro afirma que ela foi feita, por meio da adaptação de atividades e diálogo mais direto com o aluno. Todos os três professores relataram perceber que o aluno precisava de suporte para acompanhar as aulas, citando a presença da mãe para ajudar na comunicação devido sua deficiência auditiva. Dois dos professores acreditam que ele está quase sempre satisfeito com sua escolarização, mas não conseguem opinar sobre sua participação em atividades de lazer/esporte. Frequentemente ele demonstra estar resistente e insatisfeito com suas relações interpessoais, embora mantenha contato visual, além de exibir um humor depressivo ou ansioso. Todos os três professores relatam que o aluno é resistente quanto a participar das atividades propostas, um deles ainda relata que o aluno resiste a atender ordens. Todos relatam, ainda, que ele apresenta comportamentos estereotipados, medos e auto ou heteroagressão. Dois professores relatam que Cícero, por vezes, apresenta-se arredio ou indiferente. Só um dos professores relatou que o aluno usa pessoas como instrumento e mantém apego inapropriado a objetos. Embora os critérios diagnósticos para o TEA não impliquem dificuldades acadêmicas, as deficiências no domínio da comunicação social, dos comportamentos restritos repetitivos e estereotipados que os professores observam nos alunos, além da comorbidade com a surdez em Cícero, podem contribuir para manutenção dos desafios em torno do desempenho acadêmico e podem ser preditivos de insipientes realizações acadêmicas futuras (FLEURY et al., 2014). Sobre a deficiência auditiva, é difícil estimar o número de crianças e jovens surdos e com Transtorno do Espectro do Autismo, mas acredita-se que a proporção seja muito maior do que na população que não tem deficiência auditiva (MILLER; FUNAYAMA, 2008).

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