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AS HISTÓRIAS DE ALUNOS ENVOLVIDOS EM SITUAÇÕES DE REPROVAÇÃO E INTERRUPÇÃO ESCOLAR.

3.1. Caracterização dos entrevistados e de suas famílias

Conforme já explicitado na metodologia, foram selecionados treze alunos com base nas seguintes caracterizações: 1) reprovaram e continuavam na escola sem interrupção; 2) interromperam seus estudos e retornaram à escola após interrupção; 3) reprovaram ou interromperam seus estudos e estavam cursando outras modalidades de ensino e 4) se encontravam em situação de interrupção escolar até o momento da entrevista. Além destes ainda foram incluídos os que, em razão de situações de reprovação ou interrupção escolar, apresentavam dificuldade frente à escolarização e outros para os quais a reprovação e/ou a interrupção foi uma etapa superada. As respostas a três das questões elaboradas no questionário também serviram de base para a seleção dos entrevistados: motivo pelo qual reprovaram; identificação de dificuldades escolares; sentimento em relação à reprovação.

Os alunos selecionados estabeleciam relações com outros sujeitos em situações escolares ou não e eram, ao mesmo tempo, produtores e produtos de relações históricas e sociais e por isso possuíam diferentes visões de mundo, valores, emoções, sentimentos e comportamentos singulares. Eram sujeitos que construíram suas identidades pelo modo como estabeleceram suas “relações consigo mesmo, com os outros e com o mundo” (CHARLOT, 2000b, p. 47) o que implicava dizer que não

eram seres passivos, porque foram construídos, mas também construíram, na medida das possibilidades, suas histórias de vidas. Uma vida permeada por condições sócio- econômicas nem sempre favoráveis, com histórias escolares acidentadas, dificuldades de superação dos conteúdos escolares e adaptação a um sistema de normas e tempos escolares muito diversos do seu universo social. Finalmente, com freqüência subjetivavam isoladamente a culpa pelos problemas de aprendizagem enfrentados. No entanto, foi importante destacar que ao mesmo tempo em que incorporavam determinados valores e pré-conceitos, participavam de experiências de vida escolar, de trabalho, de sociabilidade e apresentavam múltiplas possibilidades do ser sujeito, do ser aluno.

Entre os treze alunos entrevistados sete eram do sexo masculino e seis do sexo feminino. No grupo masculino, quatro declararam-se etnicamente brancos; dois pardos e um negro, este último interrompeu seus estudos e não havia retornado até o dia da entrevista. Das seis alunas, cinco consideravam-se brancas e uma parda. As idades se estendiam dos 11 aos 18 anos (Quadro IV), faixa bastante abrangente que envolvia alunos em diferentes etapas de crescimento biológico, emocional, social e escolar. Das seis alunas entrevistadas, cinco se encontravam na faixa etária de 11 a 14 anos de idade e uma com 17 anos. Dos sete alunos, dois possuíam 13 e 14 anos de idade. Os cinco restantes encontravam-se na faixa etária de 16 a 18 anos. Dos treze entrevistados, somente um tinha idade compatível a série em que estava inserido. Sete apresentavam defasagem série-idade de um até dois anos; três de três a quatro anos e dois alunos com cinco ou mais anos de defasagem.

Analisando a questão de gênero, no Quadro IV, verificou-se que os meninos eram mais atingidos pelos incidentes escolares e, portanto, apresentavam uma defasagem idade-série maior do que a das meninas. Essa distribuição de faixas etárias em que os alunos se apresentavam mais velhos na série do que as meninas confirmaram, mais uma vez, estudos sobre gênero que indicavam serem os meninos os mais afetados pela exclusão escolar. Os estudos de Marilia de Carvalho (2004) e Carmen Duarte Silva e outros pesquisadores (2002) apontaram que os meninos apresentavam uma escolaridade acidentada e menor desempenho escolar do que o sexo feminino. Do mesmo modo Ferraro (2004b), ao estudar o processo de alfabetização, escolarização e letramento em relação à classe social, gênero e raça em Santa Catarina e Alagoas, concluiu que as mulheres apresentavam nível de

escolaridade mais elevado do que o dos homens, e que a maioria deles sequer havia concluído o Ensino Fundamental.

Dos alunos que permaneciam na escola regular, no momento das entrevistas (Quadro IV), três cursavam a quinta série, três estavam na sexta série, dois na sétima série (um no ensino noturno) e um havia concluído a oitava série. Dois cursavam outras modalidades de ensino: a EJA e a etapa final do supletivo noturno. Permaneciam fora da escola dois alunos.

Quadro IV - Situação escolar dos alunos no momento da realização das entrevistas -2005

Turno

Série freqüentada no momento da Entrevista Não

freqüentam a Escola Total 5ª 6ª 7ª 8ª EJA/ Supletivo Diurno 3 3 1 1 - - 8 Noturno - - 1 - 2 - 3 Não se aplica - - - - - 2 2 Total 3 3 2 1 2 2 13

No quadro apresentado a seguir constam outras características dos alunos entrevistados.

Quadro V - Características individuais e escolares dos entrevistados

Nome Sexo Idade

Reprovações e interrupções por série Situação escolar na entrevista Defasagem série-idade Trabalho Número de mudanças de escola Thiago M 13 ( R4ª) (R5ª) 5ª. 1 Sim 2

Jackson M 16 (CA) (R5ª) Concluiu 8ª 2 Não 0

Marlon M 18 (R3ª)(2X5ª)(R6ª) Supletivo 4 Sim 3

Estevan M 17 (R5ª) (R6ª) EJA 5 Sim 4

Augusto M 14 (R4ª)(CC5ª)(R6ª) 2 Não 0

Gustavo M 17 (R1ª)(R4ª)(I2X5ª) Interrompeu 6 Sim 0

Vinicius M 17 (R5ª) (I8ª) Interrompeu 3 Sim 3

Letícia F 11 (R5ª) 0 Não 4

Vanessa F 14 (R1ª) (R5ª) 6ª 2 Não 3

Tatiana F 17 (R4ª)(R2X5ª) 7ª Noturno 4 Não 3

Tatiane F 14 (I5ª) 1 Sim 2

M.Lucia F 13 (I5ª) 5ª 1 Já trabalhou 2 Camila F 14 (I5ª) (R6ª) 6ª 2 Já trabalhou 4

Fonte: Base de dados dos questionários aplicados em ago./set. 2004 e entrevistas realizadas em 2005.

LEGENDA:

R = Reprovação escolar I = Interrupção escolar i = Série incompleta

CA = Classe de Aceleração CC = Aprovação por Conselho de Classe

A maioria das famílias dos entrevistados (11/13) residia em bairros populares e os pais trabalhavam como operários ou empregados não qualificados na prestação de serviços. Só uma minoria pertencia a famílias com maior qualificação escolar e de trabalho. Entre as treze, quatro pagavam aluguel. Das nove que possuíam casa própria três apresentavam melhores condições estruturais e de valor econômico, as outras seis residiam em casas simples de baixo valor comercial, pois estavam situadas em morros e propriedades coletivas.

Em relação à organização familiar, onze eram nucleares, compostas de pai, mãe e filhos; uma monoparental, (mãe e filha) e outra recomposta. O número de filhos variava: uma das alunas era filha única, enquanto outro aluno era o oitavo de uma família de nove filhos. As outras onze tinham uma média de três filhos. A migração era outra característica marcante nas famílias. Quatro eram originárias de Florianópolis, seis de outros estados e duas do interior de Santa Catarina (alguns pais migraram enquanto jovens e outros depois de ter a família constituída) e uma era composta pelo pai, um migrante do interior do estado, e pela mãe, originária da cidade, que mudaram para um bairro litorâneo à procura de melhores condições de vida.

As condições de origem demarcavam também a qualificação profissional de pais e mães dos entrevistados. Quatro pais desenvolviam atividades que exigiam maior qualificação ou mais recursos: dois eram corretores de imóveis, um almoxarife, e o quarto, proprietário de uma pequena mercearia. Os demais eram empregados ou prestadores de serviços com baixa-qualificação, um deles aposentado por invalidez. A maioria das mulheres trabalhava e uma se diferenciava em qualificação pela sua formação em medicina. Das três que não trabalhavam duas cuidavam da casa e uma estava desempregada por motivo de doença. Nove exerciam profissões que não exigiam qualificação diferenciada: sete eram empregadas domésticas e faxineiras, uma auxiliava na cozinha e outra fazia pães e tortas caseiras para venda.

O perfil escolar dos pais dos entrevistados indicava que a maior parte deles não se beneficiou da extensão do ensino obrigatório, implantado no Brasil nos últimos trinta e cinco anos, e que a fragilidade escolar apresentada por muitos dos seus filhos mostrou a manutenção dessas desigualdades. O acesso à escola pela maioria dos pais e mães dos alunos entrevistados foi marcado pela interrupção, antes

mesmo de completar a Educação Básica. Somente uma das mães concluiu a oitava série do Ensino Fundamental e outra tinha o nível superior completo. Entre os pais um está cursando o Ensino Superior e três possuíam o Ensino Médio, um deles incompleto. Dos demais (20 pais e mães – 77,0%), doze chegaram à quarta série, alguns sem concluí-la; seis cursaram a quinta série e três interromperam os estudos entre a sexta e oitava série. Assim, a relação vivida pelos estudantes com a interrupção escolar tinha uma história que atravessava também a geração dos pais.

Os irmãos dos entrevistados já haviam vivenciado situações de reprovação e interrupção escolar. Em seis famílias, pelo menos um dos irmãos apresentava situações de reprovação ou interrupção escolar; em três delas, todos os irmãos haviam reprovado e interrompido seus estudos. Somente em quatro famílias não havia registro de casos de reprovação e interrupção, no entanto, era importante destacar que em duas delas somente havia irmãs menores de cinco anos de idade. Desta forma, em nove foram registradas situações de reprovação e/ou interrupção escolares em mais de um filho.

O quadro a seguir apresenta algumas características das famílias dos alunos entrevistados, analisadas com maior profundidade na segunda parte deste capítulo.

Quadro VI - Características das famílias dos entrevistados Nome Esco- laridad e do pai Esco- laridad e da mãe Profissão do pai Profissão da mãe Origem da família Mudança domicílio de ir- os

Irmãos dos entrevistados

Idade irmãos Freqüenta Escola Histórias reprovação interrupção Até 14 + 14 Rep. Int.

Thiago 4ª 6ª Fornecedor Faxineira Fpolis Não 3 3 0 3

EF

Sim Não

Jackson EMc 8ªi Corretor de imóveis

Do lar Fpolis Não 1 0 1 1

EM

Não Não

Marlon 5ªi 4ªi Eletricista Empregad

Doméstica

Fpolis Sim 3 0 3 1 EMn Sim Sim

Estevan 5ªi 5ªi Pedreiro/ jardineiro Auxiliar cozinha Outro Estad Sim 3 2 1 3 EF APAE Não Sim

Augusto Supi Supc Corretor de imóveis Médica Outro Estad Não 8 1 7 6 EF EM Sup Não Sim

Gustavo 5ªi 5ªi Vigia de

obras Empregad doméstica Outro Estad Sim 6/ 2 1 1 2 EF Sim Não Viniciu s 4ª 4ª Agricultor Aposentado Produção salgados Outro Estad Sim 3 2 1 3 EM Não Sim Letícia EMc* ** 5ª 4ªi *Sargento **M. Obras Faxineira Outro Estad Sim 1 1 0 Não Não Não

Vanessa 4ª 4ª Pescador Faxineira Fpolis Não 2 1 1 1

EF

Sim Sim

Tatiana EMi 7ª Almoxarife Do lar Interior Sim 1 0 1 1

EM

Sim Não

Tatiane 4ª 4ª Comerciante Serv. gerais Empregad doméstica Fpolis Interior Sim 1 1 0 1 Creche Não Não Maria Lucia 4ªi 5ª Construção civil Empregad doméstica Interior Sim 1 0 1 1 EM Não Não

Camila 4ªi 4ª Pedreiro Faxineira Outro

Estad

Sim 6/ 2

1 1 0 Sim Sim

Fonte: Base de dados dos questionários aplicados ago./set. 2004 e das entrevistas 2005. LEGENDA:

Repr = Reprovação escolar EF = Ensino Fundamental EMc =Ensino Médio completo EMi = Ensino Médio incompleto EMn = Ensino Médio noturno

Supc = Ensino Superior completo Supi = Ensino Superior incompleto i = Interrupção escolar

(*) = Escolaridade e profissão do pai (**) = Escolaridade e profissão do padrasto

Os traços e características apresentados se constituíram em um exercício de identificação de aspectos comuns ao grupo de entrevistados. Com base nos seis condicionantes das reprovações e interrupções escolares foram construídos os treze perfis de configurações escolares, num trabalho metódico que possibilitou a reescrita das entrevistas, procurando interpretar teoricamente as diferentes situações vividas pelos alunos, mas tomando o cuidado de questionar sistematicamente, evitando as explicações rápidas ou conclusões deterministas. Para isso foram cruzadas informações dos alunos entrevistados com os relatórios existentes em cada escola e os resultados alcançados nas avaliações com o intuito de tornar mais claras as situações dos resultados escolares alcançados pelos alunos.

3.2. Os Perfis de Configurações Escolares: uma aproximação dos casos